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Macroeconomia e Gestão Ambiental: Reindustrialização como estratégia para estabilidade econômica no contexto de crises ambientais
por Carmem Feijo
Ensina a literatura desenvolvimentista que o desenvolvimento econômico é definido como mudança estrutural com incorporação de progresso técnico. Essa definição sintética enfatiza a importância de se construir uma estrutura produtiva diversificada, complexa, e sofisticada tecnologicamente numa perspectiva de crescimento de longo prazo. Por outro lado, como há muito defendido pelos teóricos da escola estruturalista, a indústria manufatureira desempenha papel central no processo de desenvolvimento. Isso porque é na manufatura onde se observam maiores ganhos de escala estáticos e dinâmicos, proporcionando maiores ganhos de produtividade que se disseminam por toda a economia. Por ser intensiva em capital, é onde se observa também maior desenvolvimento e disseminação do progresso técnico. Indústrias maduras, por sua vez, estão fortemente associadas a serviços tecnologicamente sofisticados, que hoje lideram o dinamismo econômico em países desenvolvidos.
A economia brasileira é um caso emblemático de rápida industrialização e rápida desindustrialização. De 1947 a 1985, a manufatura, segundo estimativas de Paulo Morceiro (2021), passou de pouco mais de 15% do PIB para cerca de 27%. O período de estagnação econômica a partir de meados da década de 1980 foi acompanhado de queda sistemática da manufatura na estrutura produtiva, alcançando 17% em 1995 e recuando até 11% em 2019. Uma consequência da perda de espaço da manufatura, é o menor dinamismo da economia brasileira e a expansão do setor de serviços de baixa complexidade tecnológica. Observando o período de expansão do PIB mais recente, constata-se que de 2014 a 2023, o PIB da indústria de transformação recuou em média 1,8% aa, segundo as Contas Nacionais Trimestrais, e a economia cresceu apenas 0,5% aa no mesmo período. Em contrapartida, os setores de agropecuária e de indústrias extrativas expandiram em 3,3% aa e 2,0% aa respectivamente, e como são setores que apresentam elos de encadeamento mais fracos com demais setores de atividade, contribuem relativamente pouco para o crescimento agregado.
Assim, o projeto de reindustrialização brasileira, por meio da política industrial Nova Indústria Brasil, se apresenta como alternativa à matriz produtiva com especialização na exploração de recursos naturais para a recuperação da capacidade da economia brasileira voltar a crescer de forma sustentada. Ao diversificar nossa estrutura produtiva, a reindustrialização, se bem-sucedida, nos coloca de volta na rota do desenvolvimento.
Mais ainda, a reindustrialização se faz necessária para aumentar a resiliência às crises climáticas. Uma estrutura produtiva baseada na exploração de atividades intensivas em recursos naturais, com a intensificação de desastres naturais, aumenta os chamados riscos físicos, ou seja, de destruição do estoque de capital natural. Isto representa uma ameaça à estabilidade econômica do país, pois os riscos físicos induzidos por mudanças climáticas têm significativos impactos sobre a produção e o comércio, em especial de bens intensivos em recursos naturais. E à medida em que as crises climáticas acentuam as flutuações cíclicas, ao aumentarem a percepção de risco por parte de investidores, em especial os internacionais, aumentam a vulnerabilidade externa da economia. Reindustrialização, crescimento econômico e gestão ambiental devem, então, ser estratégias complementares para garantir crescimento de longo prazo ambientalmente sustentável.
Vale observar que crises climáticas comprometem o crescimento econômico pelo lado da oferta de duas formas: a) pela destruição de capital natural que afeta a produção agregada em conjunto com outros estoques de capital – físicos e humanos e outros intangíveis e, b) por danos aos ecossistemas como uma restrição à oferta agregada, com perda de produtividade ou um aumento na curva de custos agregados.
As ameaças à estrutura de oferta da economia demandam investimentos em mitigação e prevenção dos impactos ambientais. Ou seja, sem investimento produtivo não há como enfrentar as ameaças de crises climáticas sobre a estrutura produtiva.
No entanto, apesar da importância, a capacidade de investimento pode ser restrita pela política macroeconômica de curto prazo. Desta forma, a retomada do crescimento econômico de forma ambientalmente sustentada pressupõe a integração de fatores de oferta e de demanda, numa nova convenção de desenvolvimento sustentável, onde o espaço de política possa ser ampliado para ação discricionária do investimento público comprometido com mudança estrutural e a diversificação produtiva.
Para se avançar na discussão sobre o espaço de política para a reindustrialização e diversificação da economia brasileira, deve-se entender a política macroeconômica como parte do ecossistema natural finito, ou seja, deve-se considerar, na gestão da política macroeconômica, o custo da ´ação´ e o custo da ´inação´ frente as ameaças ao meio ambiente.
O custo da ação implica em quanto se aumenta o custo de produção se se assume um compromisso, por exemplo, de reduzir emissões de gases de efeito estufa. Esse custo, por sua vez, deve ser confrontado com o custo da ´inação ´, entendido como as perturbações geradas por danos ambientais, que também implicam redução na produtividade agregada da economia, como bem exemplifica a tragédia recente no Rio Grande do Sul. Esse tipo de custo traz prejuízos muito superiores do que os custos de ´ação´, se estes tivessem ocorridos.
Trazer a gestão ambiental para a política macroeconômica implica coordenar políticas de curto prazo (macroeconômicas convencionais), com políticas industriais e ambientais, cujo horizonte de tempo é longo. Ou seja, para enfrentar os desafios de implementar uma transformação produtiva no contexto da transição climática implica assumir que políticas públicas intervencionistas irão desempenhar um papel central para induzir agentes privados na direção de aportarem recursos com retorno de longo prazo. Assim, instituições públicas de política econômica e o aparato regulatório devem ser adequados para dar suporte às decisões de investimento privadas e públicas de retorno incerto. É nesse sentido que se entende que a reindustrialização hoje implica uma nova convenção de desenvolvimento, centrada em instituições públicas de financiamento e regulação, coordenando e induzindo decisões privadas de investimento com retorno longo de tempo.
Referência:
Morceiro, P. Influência metodológica na desindustrialização brasileira, Bazilian Journal of Political Economy, vol. 41, nº 4, pp. 700-722, outubro-dezembro/2021.
Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF
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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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