Regularização de dinheiro no exterior: críticas e justificativas

Jornal GGN – No mês de agosto, o Senado Federal deve analisar o projeto substitutivo à Lei nº 7.492, de crimes contra o sistema financeiro. A intenção é oferecer uma oportunidade de regularização para contribuintes brasileiros que têm dinheiro no exterior não declarado à Receita.

Oportunidade que não vem facilmente. No direito tributário é comum que o pagamento do imposto atrasado (e da respectiva multa) acabe com a punibilidade do crime. No entanto, essa regra não é válida para o crime de evasão de divisas. Dessa forma, mesmo que haja interesse em regularizar a situação, dificilmente o contribuinte se sente encorajado, sabendo que vai enfrentar duras sanções penais.

O texto desse novo projeto fala em um prazo de 120 dias (após a aprovação) para que as pessoas declarem espontaneamente seus bens no exterior e gozem de anistia plena. A condição é que os recursos tenham origem lícita e comprovável.

Não é necessário, nesse caso, repatriar o dinheiro, apenas declará-lo e pagar o valor devido. As alíquotas devem ser fixadas em 17,5% de Imposto de Renda e 17,5 % de multa.

Jornal GGN ouviu o colaborador do Senado Federal na elaboração do projeto, o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, para compreender suas justificativas diante de algumas questões que causam preocupação no mercado.

O material está dividido nos seguintes pontos:

Lavanderia oficial de dinheiro – sobre a preocupação de juristas de que o governo se preste a lavar dinheiro ilícito inadvertidamente;

Impunidade e injustiça – sobre a crítica de que o projeto vai garantir a impunidade dos inadimplentes;

Medida arrecadatória: pecunia non olet – sobre o argumento de que se trata apenas de uma medida arrecadatória, emergencial e improvisada diante do momento atual das contas públicas do país;

Prazo curto, preço alto – sobre a preocupação de que o prazo da anistia seja insuficiente para levantar todas as informações comprobatórias de origem dos recursos;

Insegurança jurídica – sobre as garantias de privacidade dos contribuintes;

Valores irreais, baixa adesão – sobre impressão do mercado de que os números de recursos no exterior não correspondem à realidade e de que a adesão será baixa, haja visto que o mais difícil, mandar o dinheiro para fora sem que a Receita tomasse conhecimento, já foi feito.

Lavanderia oficial de dinheiro

Uma das principais críticas ao projeto é a possibilidade de que criminosos se aproveitem do perdão do governo para trazer de volta ao país dinheiro proveniente de tráfico de drogas, armas ou corrupção.

Nessa lógica, pela necessidade de aumentar a arrecadação, a administração pública acabaria funcionando como uma lavanderia oficial de dinheiro ilegal.

Para o professor Heleno Torres não há a menor possibilidade de isso acontecer. “Todos os recursos deverão ter a origem comprovada. O projeto ainda será objeto de regulamentação específica para decidir como será feita essa comprovação”, disse.

Alguns especialistas do mercado, no entanto, entendem que esses documentos estão passíveis de fraude. Ainda assim, concordam que é improvável que o dono de dinheiro ilícito se arrisque a perder tudo apostando na chance de iludir instituições financeiras, bancárias, o Ministério Público e a própria Receita Federal.

Heleno Torres enxerga essa questão até como uma oportunidade. “Existem fraudes desde que o mundo é mundo. Nós fazemos o possível para coibir isso. Mas quem tentar fraudar a declaração para trazer para o país dinheiro ilícito estará assumindo um grande risco”, afirmou.

Impunidade e injustiça

Outra crítica recorrente ao projeto é a injustiça cometida contra o cidadão que sempre cumpriu suas obrigações tributárias diante da anistia dos inadimplentes. A ausência de um processo criminal é vista por alguns como impunidade.

No entanto, o professor Heleno Torres busca lembrar as condições que esse dinheiro foi remetido para fora do país para começo de conversa, em períodos de grande instabilidade e incerteza.

“Você tem que ver o motivo porque não foi declarado: planos econômicos loucos que se sucederam no país que levaram pessoas com medo de perder tudo a mandar dinheiro para o exterior. Às vezes a pessoa queria fazer um tratamento de saúde nos Estados Unidos e para mandar dinheiro para fora tinha que procurar um doleiro. O que eu estou dizendo é que pessoas foram levadas a esfriar dinheiro para ter posição no exterior para fazer uma exportação de produtos, importação, tratamentos de saúde, a educação de algum familiar. Então, é difícil de a gente julgar”, defendeu.

Além disso, ele considera a pena dura demais, o que inviabiliza hoje em dia uma tentativa de regularização. “O sujeito, por mais sério que seja, o homem mais probo do país, porque tenha, por acaso, recursos da sua pessoa jurídica que ficaram no exterior e que não estão declarados, por mais que ele queira, ele só vai conseguir regularizar se passar seis anos na cadeia. Você acha que isso é justo? Isso é isonômico? Não é”.

Medida arrecadatória – pecunia non olet

Outro argumento dos que são contrários ao projeto é que a medida é meramente arrecadatória. Uma tentativa desesperada do Ministério da Fazenda de equilibrar as contas públicas.

O professor Heleno entende que, nesse ponto, a discussão técnica vira política. E acredita que as objeções à realização do projeto na gestão atual seriam rapidamente derrubadas caso a oposição assumisse a presidência em 2018.

“O que as pessoas não querem é que esse governo faça, porque eles querem que o governo continue em dificuldade financeira. Ora, não é o governo que continua em dificuldade financeira, é o país, sou eu, é você. Mas eles fariam a mesma coisa em 2018, tenha a absoluta certeza”.

Ele lembrou que o tratamento do dinheiro em matéria tributária vem de um princípio de Vespasiano, que ao instituir uma taxa para a utilização dos banheiros públicos na Roma Antiga justificou: “Pecunia non olet, o dinheiro não tem cheiro”. Esse conceito hoje significa que um cidadão deve pagar os tributos devidos até mesmo sobre o lucro obtido de maneira ilícita.

Quanto à afirmação de que a medida surgiu apenas da necessidade de arrecadação, o professor lembra que não, que foi convidado para dar contribuição técnica na CPI do HSBC, e que o projeto nasceu como resposta dos senadores Randolfe Rodrigues e Ricardo Ferraço aos vários casos de evasão de divisas que estavam sendo investigados.

Ainda assim, ele garante que o projeto não está sendo pensado para proteger ninguém. Tanto que ele exclui a possibilidade de anistia não só dos que já foram condenados, como também de pessoas denunciadas. “Só que nós não podemos também abandonar a presunção de inocência que está na Constituição, e estender essa exclusão para quem não tem processo em curso”.

O professor Heleno não busca esconder o caráter arrecadatório da medida, mas lembra que o projeto não foi concebido pelo Ministério da Fazenda. O senador Randolfe Rodrigues foi quem primeiro propôs o Projeto de Lei do Senado. “O Ministério da Fazenda simplesmente gostou da ideia. A assessoria do Ministério tomou conhecimento, procurou o senador, o senador explicou, teve mais três reuniões técnicas, o ministro se convenceu de que aquilo era oportuno para o momento e foi avante. Quem diz que a iniciativa tem cunho arrecadatório e que é um expediente orientado pelo governo não sabe absolutamente nada do que aconteceu”.

O Ministério, claro, gostou do projeto. Na justificativa, consta um trabalho feito pelo professor Dev Kar, ex-ecomonista sênior do FMI e economista-chefe da Global Financial Integrity (GFI), no qual ele cruzou dados obtidos com o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Banco Central e outras instituições financeiras, para verificar os fluxos financeiros ilícitos em nível mundial.

“Brasileiros mantêm no exterior algo em torno de US$ 200 bilhões de origem lícita e US$ 400 bilhões de origem ilícita. Eu não acredito que venha tudo. Vamos dizer que venha para o Brasil algo em torno de US$ 70 bilhões de dólares. Vai dar R$ 250 bilhões. R$ 250 bilhões é 5% do PIB brasileiro. Isso pode gerar algo em torno de R$ 70 bilhões em matéria de impostos, não é pouca coisa. E, mais ainda, você aumenta a base de tributação para os anos subsequentes. Porque essa riqueza girando aqui dentro vai gerar novos impostos para o país no futuro”, detalhou Heleno Torres.

Prazo curto, preço alto

Mesmo entre aqueles que aceitam os aspectos positivos do projeto é possível encontrar críticas.

A mais comum diz respeito ao alto valor dos tributos cobrados para a regularização. As alíquotas de 17,5% de Imposto de Renda e 17,5% de multa são consideradas abusivas. Ainda assim, é preciso levar em conta que o valor cobrado pelas vias normais seria superior. E que a somatória de 35% não foge muito do padrão internacional. A Índia, quando aprovou medida semelhante fixou a alíquota em 30%. O Reino Unido em 33%.

Quanto ao prazo, o professor Heleno diz que ainda pode ser alterado no parlamento. “Mas é um prazo que pra nós parece razoável. Principalmente porque o projeto ainda não foi aprovado. Na prática vão ser seis meses. E as pessoas já podem se movimentar a partir de agora. E estão. Tenha certeza disso. Os escritórios de advocacia estão a mil por hora, os bancos estão já sendo consultados”.

Insegurança jurídica

Outra questão levantada, especialmente por advogados tributaristas é se o projeto vai oferecer segurança jurídica para o contribuinte que decidir aderir. Há uma dúvida sobre os documentos que serão pedidos para comprovar a origem dos recursos, se a comprovação vai ser suficiente, se algum cadastro vai ser criado de modo a manter esses contribuintes sob o escrutínio permanente da Receita Federal.

Heleno Torres garante que não. “Os dados transitarão de forma documentada, mediante declarações próprias, por intermédio de instituições financeiras, como determina o GAFI, o órgão internacional de controle de lavagem de dinheiro.  Neste caso, preservadas por sigilo bancário. Em seguida, entrarão nas declarações retificadoras de patrimônio junto à Receita Federal. Aqui, sob proteção de sigilo fiscal. Portanto, pretender uma lista aberta a todos das declarações merece cuidados, pois todo cidadão tem proteção constitucional a sigilo bancário e fiscal”.

Valores irreais, baixa adesão

Por fim, o mercado se questiona sobre a veracidade dos números apresentados na justificativa do projeto. É quase consenso que os valores de recursos lícitos estariam inflados e os de recursos ilícitos subestimados.

Além disso, especialistas se questionam por que um contribuinte que já conseguiu mandar os recursos para fora por baixo do radar da Receita optaria por trazer de volta agora. Para ganhar mais com juros no Brasil? O pagamento de Imposto de Renda mais multa torna essa opção pouco interessante. Por uma crise de consciência? É pouco provável.

Para o professor Heleno, a razão é simples: o cerco está fechando. A nova dinâmica econômica mundial não vai mais ser tão permissiva com as finanças ilícitas.

Os Estados Unidos já implementaram um regime batizado de Offshore Voluntary Disclosure, muito semelhante ao que esse projeto de Regularização Cambial e Tributária propõe agora.

África do Sul, Alemanha, Austrália, Canadá, Espanha, França, Índia, Itália, Japão, Portugal, Reino Unido, Rússia, a lista de países que já seguiram os mesmos passos é enorme. “Todos os países do G20 já fizeram isso, exceto o Brasil”, garantiu Heleno.

“Agora, esses acordos do FATCA [Foreign Account Tax Compliance Act], e da BEPS [Base Erosion and Profit Shifting] da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] vão entrar em vigor e terão regras muito rígidas que vão praticamente inibir essa circulação de dinheiro em contas não declaradas. A Suíça, Israel, Estados Unidos e outros países já estão mandando cartas para os seus correntistas pedindo que eles demonstrem que os recursos estão declarados no seu país de origem. Quem não declarar agora não vai ter outra oportunidade”.

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8 Comentários

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  1. Regularizacao-de-dinheiro-no-exterior

    Assim é fácil. Roubam tudo o que podem e mandam para o exterior de forma ilícita. Depois, é só pagar o imposto e o roubo está perdoado. Esta é a lavagem de dinheiro mais Lava Jato que eu já vi. Os próprios participantes do Lava Jato e outras falcatruas agradecem. 

    1. A taxa é 35%.
      Uma coisa é

      A taxa é 35%.

      Uma coisa é voce pagar sobre algo que recebe todo mês ou mesmo pagar em uma compra de produto. Está pagando sobre um fluxo.

      OUTRA coisa, totalmente diferente é voce pagar uma taxa sobre um patrimonio que voce tem.

      Imagine, de uma hora para outra, ter que pagar 35% do seu patrimonio em impostos.

      1. De jeito nenhum!!! Se o

        De jeito nenhum!!! Se o cidadão tem um dinheiro no exterior nao-declarado ele NUNCA pagou imposto de renda sobre esse dinheiro… Vc ta isentando ele do imposto de renda.

  2. O plano fracassará como

    O plano fracassará como fracassou o mesmp plano na Argentina pelas seguintes razões. Na Argentina de Kirchner esperavam 100 bilhões de dolares, voltarem 10 milhões.

    1. Não há segurança juridica alguma nessa anistia, zero. O que é dinheiro licito ou ilicito lá fora há muitos anos ?

    Quem vai confiar na interpretação do Fisco? Alguem pode dizer que é licito e o fiscal dizer que não está provado.

    2.Ninguem acredita na garantia de sigilo. Coisas que deveriam ser sigilosas, como delações e investigações , são vazadas minutos depois do fato e ninguem nunca foi punido. Quem garante que esses retornos de dinheiro não vazem?

    3.Há riscos em deixar lá fora e há riscos em trazer de volta. Cada um vai avaliar esses riscos subjetivamente.

    4.Instabilidade politica e economica não anima ninguem a trazer dinheiro de volta para o olho do furacão.

    5.As garantias do Estado brasileiro são hoje de valor muito baixo, ninguem acredita mais nessas garantias.

    Anistias dados por lei podem ser depois contestadas por “movimentos” e Ministerio Publico e serem revogadas sem nenhuma cerimonia. Esse é o preço de brincarem com as leis e regras. E se aparecer uma Comissão da Verdade para

    repatriação de dinheiro no exterior e exigir “transparencia” e justiça?

    6.Quem correu o risco de mandar dinheiro para fora é mais desconfiado do que a média dos cidadãos.

     

  3. A minha proposta é que para

    A minha proposta é que para cada R$ 10 que trouxer lá de fora, ganha R$ 3 de isenção de imposto de renda pelos próximo 5 anos e não  tem que declarar nada de origem e nada poderá usar isso para nada

  4. Proteção ao crime, mudou de nome, para ser politicamente correto
    Professor Heleno Torres acha que vive no pais das Maravilhas ou visualiza o brasileiro bonzinho acredita em Papai Noel e o Brasil terra de ninguém. Feito a Suíça. Só resta ter pena desse pais, depois da destruição feita pelo governo do vagabundo  FHC e sua equipe do FMI, mais ideias mirabolantes de burocratas para costurar a vilania a baixo custo e sem penas, enfim mais leis a serviço dos plutocratas. Depois da anistia ao golpe politico, agora a anistia ao golpe econômico. Extorsão, latrocínio, golpes do colarinho branco com os desarmados, pobres e honestos que ponha uma pedra em cima e o Estado brasileiro tomado pelos Quintas-Colunas garanta o segredo do nomes dos vilões e a posse do produto do roubo. Rico de boa procedência não vai pra cadeia. Os demais serão perseguidos para parecer que o procedimento é honesto . E o PiG vai ter mais munição para se divertir.

     

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