Saneamento em Minas Gerais: o que vem por aí, por Alex M.S. Aguiar

Se as empresas privadas têm o legítimo direito de buscar o lucro, cabe ao estado cumprir, por meio de políticas públicas, mecanismos que assegurem limites na operação dos serviços para assegurar acesso à água e ao esgotamento sanitário.

Saneamento em Minas Gerais: o que vem por aí

por Alex M.S. Aguiar

O Governo Mineiro, liderado pela Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD – e outros parceiros, promoveu uma discussão sobre a Lei 14.026, publicada em julho deste ano. O evento foi realizado com transmissão pela WEB em 28/08/2020. Participaram dos painéis do evento representantes da COPASA, concessionária estadual em Minas Gerais; da agência reguladora ARSAE; do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG); do Grupo de Desestatização do governo mineiro; e prefeitos de algumas cidades mineiras, dentre outros.

Não é surpresa que em um estado cujo governo atual defende o estado mínimo, e manifesta constantemente seu alinhamento com a política econômica liberal, a estrutura do estado esteja empenhada na cessão dos serviços de saneamento ao setor privado. A recente contratação do BNDES para os estudos de desestatização da COPASA e algumas das afirmações mencionadas nos painéis do evento citado deixam isso bastante claro.

Embora o evento se propusesse a discutir os aspectos da Lei 14.026, houve muito pouco questionamento ao que a Lei estabelece. Apenas a apresentação do representante do BDMG apontou aspectos que ele considerou desafios a serem implantados, mencionando alguns obstáculos que eventualmente poderão impactar a implementação da nova Lei. Todas as demais participações mostraram adesão à mudança de cenário da prestação dos serviços no país, ressaltando o empenho na adaptação da estrutura do estado às novas condições impostas pela lei, e das boas expectativas dos municípios ali presentes com relação ao futuro do saneamento em suas localidades.

Verificou-se alguns erros na interpretação da Lei 14.026 por alguns participantes, como por exemplo a possibilidade de expansão até o ano de 2040 do prazo para cumprimento das metas a serem atendidas, estabelecido na Lei como dezembro de 2033. A Lei 14.026, dentre as alterações impostas à Lei 11.445, especificamente a do § 9º do Artigo 11-B, estabelece a possibilidade de expansão do prazo de cumprimento das metas APENAS para os casos em que os estudos para licitação da prestação regionalizada apontarem inviabilidade econômico-financeira para a universalização no prazo inicialmente determinado. Assim, os municípios que optarem pela prestação direta e aqueles com contratos vigentes das concessionárias estaduais não são objeto dessa facilitação. No entanto, nas falas dos representantes da ARSAE e do BDMG este ponto passou ileso, subentendido como uma possibilidade estendida a todos os municípios, o que não é verdade.

Outro aspecto que chamou a atenção no evento foram as manifestações da representante da diretoria executiva COPASA. Em seus quase 21 minutos de exposição no painel, a palavra “população” foi mencionada apenas uma vez, assim mesmo em um contexto onde ela ressaltava a importância de as tarifas incorporarem valores destinados à reposição dos ativos, para que ao final dos contratos não restasse uma infraestrutura inadequada para prestação dos serviços à população. Mesmo o painel sendo intitulado “expectativas para a regulação sob o aspecto estadual”, sua fala priorizou a defesa de uma competição não predatória pelos serviços – um claro apelo para que não haja uma disputa baseada em baixas tarifas – e um olhar sobre as tarifas que atendam às expectativas dos investidores. Chegou a rogar pelo afastamento das tarifas daquilo que chamou de “preço político”, deixando quem acompanhava sua exposição preocupado quanto a um dos princípios do direito humano de acesso à água: a modicidade tarifária. Por fim, justificou a participação nas unidades regionais de saneamento daqueles municípios financeiramente independentes, mesmo sendo capazes de assumir a prestação direta dos serviços, em nome da governança interfederativa – a mesma que a Lei 14.026 extinguiu com a vedação dos contratos de programa entre os municípios e as concessionárias estaduais.

Não restam dúvidas, portanto, que a estrutura de governo de Minas Gerais se empenha em assumir a alternativa de privatização da operação dos serviços de saneamento no estado, e que a atual diretoria executiva da COPASA trabalha com foco na desestatização da empresa, alinhada com a política do atual governador do estado.

Com isso, não seria equivocado temer pelos impactos dessas mudanças junto à população usuária dos serviços. Tem sido manifestada a necessidade de centenas de bilhões em investimentos para alcance das metas estabelecidas pela Lei 14.026. Ora, todo esse investimento, além dos custos de operação e manutenção, de reposição dos ativos operacionais e, adicionalmente, os lucros das empresas prestadoras serão bancados pela tarifa paga pelos usuários.

Desse modo, é de se esperar um aumento significativo das tarifas atualmente praticadas no país, mesmo que não imediato. O histórico da evolução tarifária durante a prestação privada dos serviços no Brasil e no mundo torna essa expectativa mais real. Em um painel discutindo a desestatização da COPASA, foi apresentada uma comparação dos indicadores nas cidades de Arraial do Cabo/RJ, operada pela PROLAGOS, empresa privada de atuação microrregional, e Santa Luzia/MG, operada pela COPASA. A PROLAGOS, do grupo AEGEA, atende cinco municípios na Região dos Lagos, cobrindo uma população de mais de 350.000 habitantes. Os palestrantes se omitiram em informar que as tarifas cobradas pela PROLAGOS em Arraial do Cabo, mesmo sendo as mais baixas do grupo de cidades atendidas pela PROLAGOS, são superiores à da COPASA ( e também à da CEDAE, concessionária do estado do RJ), ainda que a tarifa da COPASA seja estipulada de modo a equilibrar os serviços em quase 300 municípios deficitários.

Por fim, os prefeitos de Andradas (40.000 habitantes), Pirajuba (6.300 habitantes), e Augusto de Lima (4.800 habitantes) manifestaram inúmeras queixas com respeito à atuação da COPASA em seus municípios, tendo sido mencionados a impossibilidade de transferência dos serviços de coleta e tratamento de esgotos à COPASA, o descumprimento de metas, a falta de investimentos e o não atendimento às áreas rurais dos municípios pela empresa.

É importante ressaltar que essas falhas na atuação da COPASA seriam corrigidas mediante a estruturação de um arcabouço legal que dirigisse a condução da empresa com foco na universalização do atendimento e na expansão dos serviços em todo o estado, independente dos gestores da empresa ou do estado, seu socio majoritário.

Desse modo, após acompanhar os painéis do evento, fica evidente que a visão do estado de Minas Gerais está voltada exclusivamente para o contexto negocial do saneamento, desconsiderando a população usuária dos serviços, sua baixa capacidade de pagamento, e as perspectivas de acesso regular aos serviços. Nenhuma discussão a respeito de atendimento às áreas rurais, às comunidades em áreas de ocupação subnormal, ou mesmo às populações de baixa renda foi realizada. Não houve qualquer argumentação quanto à vedação aos contratos de programa, tendo sido defendida a licitação pelos representantes do grupo de desestatização do governo mineiro.

Se as empresas privadas têm o legítimo direito de buscar o lucro, cabe ao estado cumprir, por meio de políticas públicas, mecanismos que assegurem limites na operação dos serviços para assegurar a aplicação dos princípios do direito humano fundamental de acesso à água e ao esgotamento sanitário. Infelizmente, o seminário deu evidências de que, em detrimento desta postura, o governo mineiro busca tão somente a eficiência negocial dos serviços, o que é incompatível com as necessidades da população. Não é animadora a perspectiva do que vem por aí.

Alex M.S. Aguiar – Engenheiro Civil e Sanitarista, M.Sc. em saneamento pela UFMG, diretor da H&A Saneamento e Meio Ambiente.

Redação

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