Trens e aviões
por Luís Antônio Waack Bambace
Aviões são muito seguros apesar do medo que as pessoas ainda tem deles, a chance de alguém morrer num voo comercial é de 1/13.700.000. São 103 mil voos diários no mundo e é raro alguém falar de um acidente grave. Trens se envolvem com mais frequência em acidentes que aviões, mas a fração de vítimas fatais é bem menor, isto porque eles são mais lentos. Mas já se teve graves choques de trens na Índia, Alemanha… Um trem pode descarrilhar por falha no seu controle de velocidade, bater de frente noutro por falha de controle na rede. Metrôs são mais seguros que trens de longa distância, pois, em viadutos e túneis não tem boi na linha. Mas linhas extensas com o nível de segurança de um metrô seriam muito caras.
O artigo DOI (Digital Object Identifier System) 10.3141/2261-21 dá uma taxa de descarrilhamentos mínima de 8,58×10-9/km, o que no Rio-São Paulo dá um descarrilhamento a cada 2,52 milhões de viagens com manutenção ideal. Olhando trens de baixa velocidade, seu número de fatalidades é menor que o de aeronaves, mas seu número de feridos e mortos, maior que o de mortos e feridos em aviões. Subindo a velocidade cresce a fração de vítimas fatais. Pouco se houve falar de acidentes com estes trens por só se ter 28 linhas com só 70.000 km totais.
Mas já teve um muito grave na Espanha onde, rápido demais, o trem descarrilhou, com 80 mortos e 140 feridos. Não faz duas semanas outro trem de alta velocidade tombou num túnel em Madri, mas estando devagar perto da estação não teve vítimas fatais.
A vantagem do trem é a facilidade de parada e troca de passageiros. O pouso de um avião é algo delicado e demorado, ele começa o procedimento a 26 km da pista, a cerca de 250 km por hora, levando 6 minutos para tocá-la, e ainda tem de frear a cerca de 2 m/s², 30 a 40 segundos, e ir até o ponto de desembarque devagarinho. Assim não pode ficar parando em uma cidade atrás da outra.
Já trens podem parar a toda hora, mas perdem energia ao fazê-lo. A 3 m/s2 um trem a 108 km/h para em 10 segundos só com o atrito no trilho em dia seco. A 160 km/h em 15 segundos. Como sua aceleração a vezes tempo de parada t é sua velocidade inicial v e seu percurso até a parada 0,5 a t2 se ele acelerar igual na saída da estação, perde-se 15 segundos na aceleração e desaceleração pouco. Mas isto sobe com chuva.
O Metrô de Londres usa pneu, para ter desacelerações e acelerações maiores e subir a frequência de trens, já que para a cada 800 m. Trens de longa distância usam rodas de ferro para economizar energia, pois elas deformam menos e têm resistências ao avanço dezenas de vezes menores. Mas nada impede o uso rodas de borracha para acelerar e desacelerar em estações que não toquem em nada longe delas, ou cremalheiras mais eficientes ainda mas com problemas de início de acoplamento, ou motores elétricos lineares, com partes no solo e no trem.
Mas o grosso da perda de tempo de trens comuns em estações é relativa a embarque e desembarque de passageiros, por isto muitas portas no metrô. Já trens de longa distância tem poucas portas. Muita gente descendo em um só ponto, como Aparecida, e o trem para muito tempo.
Um trem tem atrito lateral de guiagem nas rodas, de força fixa por roda independente do peso, a resistência a rolamento de cada roda, f P/D, onde f é seu coeficiente de rolamento, P é o peso que ela suporta e D seu diâmetro, um atrito viscoso proporcional a velocidade V, em zonas laminares do início de laterais, teto e assoalho, e perdas turbulentas proporcionais ao quadrado da velocidade no resto destas
zonas, onde o escoamento é turbulento, junto a irregularidades, na frente e na traseira. As perdas turbulentas predominam em trens de alta velocidade. Daí o consumo e potência deles serem quase que proporcionais a velocidade ao quadrado e ao cubo pela ordem. Potencia maior, motor maior, trem mais pesado. Curva, e a força centrífuga igual ao produto do peso pelo quadrado da velocidade dividido pelo raio de curva sobe mais que com o quadrado da velocidade. Aí ou se aumenta raios de curva, ou se reforça tudo, dormente, trilho, ponte… Trem lerdo dormente de madeira, rápido e dormente de concreto. O custo sobe de forma aproximada com a V 2,5, aí um projeto para 220 km/h custa 2,22 vezes mais que outro para 160 km/h, a 220 o trem consome 89% mais energia que a 160. Aí, claro, tem tarifa mais cara.
Da Praça da Sé em São Paulo à praia de Copacabana tem-se cerca de 360 km em linha reta. 446 km do Rio a São Paulo pela Dutra. De trem será quanto? Como será nas serras? Vai passar em grandes cidades do Vale do Paraíba? A quanto o trem-bala consegue andar na serra face a declives, curvas e segurança, tanto na subida como descida? Em tese se for paralelo a Dutra, a linha deve ter 462 km, para que o trem faça a serra num percurso igual ao dobro do usado pelos carros. Viagem sem paradas de 2 horas e 6 minutos a 220 km/h mais sua perda na serra, e 2 horas 53 minutos e 15 segundos mais perda na serra a 160 km/h.
Mas quanto tempo os trens vão parar no total? Fala-se, no caso do trem-bala, em 10 minutos em São José dos Campos, outros 10 em Aparecida, outros 10 em Resende, e mais 10 em Barra Mansa. Aí a viagem do trem-bala dura 2 horas e 46 minutos mais sua perda na serra. Já o superexpresso a 160 km/h, parando nestas cidades e mais Taubaté e Paracambi por 30 segundos para embarque e desembarque, e perda de aceleração desaceleração de 15 segundos, dura no total de 3 horas e 57 minutos e 45 segundos mais sua perda na serra. Mas a perda da serra é menor para o superexpresso, pois a diferença entre sua velocidade de cruzeiro e a que terá na serra cai. Fora o de parar ou não em Guarulhos.
O trem-bala São Paulo-Rio está orçado em 50 bilhões. Já um superexpresso de 160 km/h na mesma rota custaria 22,5 bilhões. Os 27,5 bilhões de diferença de custo podem financiar muitos outros projetos de interesse da população.
Chamaremos de margem por passagem a diferença entre o valor da passagem e o custo variável de operação (energia, funcionários, manutenção, peças de reposição e afins). Para pagar o investimento esta margem multiplicada pelo volume de passageiros deve pagar o financiamento do sistema. O trem bala é mais caro e gasta mais energia. Aí vem a questão do fator de utilização. O fluxo de passageiros é tanto maior quanto menor o preço da passagem e mais cidades tiverem estações.
O trem-bala tende a ter fluxo menor que um superexpresso de maior número de paradas. Menor fluxo do trem-bala e sua margem por passagem de equilíbrio dividida pela margem por passagem de equilíbrio do superexpresso é maior que a razão dos custos dos dois projetos. Isto ameaça o equilíbrio financeiro da operação do trem-bala, e aqui renda média da população é muito menor que aquela dos países onde há trens de alta velocidade, exceto a China que tem populações imensamente maiores.
Os trens húngaros, TUD Ganz-MÁVAG (RFFSA), que fizeram o trajeto Rio São Paulo de 1974 a 1978 andavam a 140 km/h de velocidade máxima. Sua linha pode ser recuperada a baixo custo e modificada para que o trem suba sua velocidade em trechos mais favoráveis para 160 km/h. Os trens húngaros saíram da rota SP-RJ por falta de público. Não era economicamente interessante. Foram deslocados para outras rotas mais curtas, como Campinas-São Paulo e rotas internas do estado do Rio de Janeiro. Nestas rotas de maior densidade, operaram em equilíbrio econômico um bom tempo, mas tiveram problemas de manutenção por falta de peças. Andei numa versão modificada do TUD Ganz-MÁVAG de Budapeste a Viena há uns anos atrás a cerca de 160 km/h o grosso do tempo.
Tudo na vida envolve coalizões e valor de Shapley, e quanto mais cada membro contribui para a coalizão mais ele ganha, e uma coalizão só é estável quando cada participante dela ganha a média do ganho da coalizão para todas as suas possíveis ordens de entrada. Mas se quem não faz parte da coalizão paga a conta, via imposto, tarifa, e perdas de bancos públicos de fomento, a teoria de Jogos, da qual o valor de Shapley é parte, diz que a conta vai ser mais salgada do que deveria ser, e vai ser tanto mais salgada, quanto menos a população questionar projetos ruins.
Este ponto independe de quem é que está no poder, direita ou esquerda, volver, mas certamente será tão mais salgada quanto mais difícil a população se manifestar, como ocorre em países sem uma democracia efetiva. Aí cedo ou tarde alguma coalizão de empreiteiras e fabricantes ilude gente no setor público e estoura um escândalo, e trens no Brasil já foram manchetes de jornal. Shapley ganhou o Nobel de Economia em 2012, pelos estudos aqui referenciados.
Por isto, acho que é extremamente necessária um amplo debate, sobre uma ligação ferroviária SP-RJ mais rápida, que envolva pesquisas amplamente divulgadas de origem e destino, algo que foi feito muito tempo na cidade em que moro para definição de linhas de ônibus e mudança da malha viária, definição de trajeto e paradas, velocidade máxima, velocidades restritas por trechos, auxílios a desaceleração e aceleração, tecnologia de embarque e desembarque. Já pensou quem entra ou sai estar em um contêiner, com um contêiner entrando por uma lateral do trem e outro saindo pela lateral oposta? Compensa se o tempo de parada total for 3 segundos? Pneu na chuva e se acelera ou desacelera a 5 m/s2 para não haver desconforto perde 9 segundos por estação. Aí para em que cidades? Usa o pneu em placas de concreto laterais ou no solo para se ter acelerações e desacelerações maiores junto a singularidades do trajeto, ganhando tempo sem subir a velocidade de pico? Quanto custa? A Bombardier faz trens, será que a Embraer não se interessa em parcerias com alguma empresa membro da ABIFER para fazê-los.
Luís Antônio Waack Bambace – Engenheiro Mecânico – PhD em Aerodinâmica Propulsão e Energia.
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