O contorcionismo do Coronel Blanco na CPI, em 10 pontos

Coronel que teria levado representante da Davatti ao encontro de Roberto Dias mostra esforço na CPI para se desvincular de condutas que podem ser tipificadas como tráfico de influência ou advocacia administrativa

Ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco da Costa; presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM). Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Jornal GGN – O depoimento do coronel Marcelo Blanco à CPI da Covid ao longo desde quarta-feira (4) tem se mostrado uma espécie de malabarismo retórico possivelmente com o objetivo de contornar as condutas pelas quais ele poderá (ou não) ser indiciado pela CPI.

O militar disse à comissão que não “facilitou” a entrada da Davatti no Ministério da Saúde, mesmo praticando ações para facilitar. Admitiu que seu interesse pessoal era em negociar vacinas para o setor privado, mesmo expondo, ele próprio, um áudio que confirma tratativas prioritárias com a esfera pública.

Vejamos:

1 – Quando decidiu levar Luiz Paulo Dominguetti, representante da empresa Davatti, a um jantar com Roberto Dias, então diretor do setor de logística do Ministério da Saúde, em fevereiro de 2021, Marcelo Blanco já havia sido exonerado da Pasta. É com este “álibi” (o de não prestar mais “assessoria consultiva” em logística ao Ministério) que Blanco diz à CPI que não intermediou encontro da Davatti com o governo para negociar 400 milhões de doses fantasmas da vacina da Astrazeneca para o SUS. Assim, mostrou o esforço para afastar a conduta que poderia ser tipificada como advocacia administrativa.

2 – Blanco admitiu à CPI que foi procurado por Dominguetti e o ajudou primeiro indicando e-mails institucionais para os quais o representante da Davatti poderia enviar sua proposta ao Ministério. Depois, quando Davatti lhe pediu uma “agenda” com alguém que ainda estava na Pasta, Blanco conversou com Roberto Dias, ficou sabendo que este jantaria em um determinado restaurante em Brasília na noite de 25 de fevereiro, e decidiu fazer uso da infomação: levou Dominguetti ao restaurante, para que este pedisse sua agenda pessoalmente a Dias. E Dominguetti conseguiu o que queria.

3 – O coronel Blanco nega que Dominguetti e Dias tenham conversado sobre os detalhes da proposta para compra de 400 milhões de doses da Astranezena no jantar. Mas o representante da Davatti teria conseguido, de fato, a agenda oficial com Dias no Ministério. À CPI, porém, Dominguetti disse que foi no jantar que recebeu um pedido de propina no valor de 1 dólar por cada dose que o Ministério viesse a comprar via Davatti.

4 – Embora tenha feito (1) a ponte direta entre Dominguetti e o Ministério da Saúde, e (2) entre Dominguetti e Roberto Dias no jantar, o coronel Blanco negou à CPI que tenha “facilitado” a vida da Davatti. Ele rejeitou a alcunha de “lobista” ou que tenha praticado tráfico de influência, e afirmou que ajudou Dominguetti sem pedir ou receber nada em troca. “O senhor é um homem muito bondoso”, ironizou o senador Omar Aziz, presidente da CPI.

5 – Mais: acompanhado de um advogado, Blanco frisou que além de não ser mais funcionário do governo Bolsonaro quando passou a orientar Dominguetti, ele ainda abriu uma empresa privada de “consultoria financeira” que até hoje não prestou nenhum serviço. A intenção do coronel, contudo, era entrar no negócio das vacinas privadas, ele admitiu.

6 – Na sequência, em uma nova contradição, Blanco apresentou um áudio de WhatsApp à CPI, em que Dominguetti confirma que estaria negociando vacinas primeiro com o Ministério da Saúde e que “se o Ministério não ficar, o Mercosul vai ficar com toda a vacina.” E que, somente a depender do andar das tratativas, ele abriria uma segunda negociação para o setor privado, com preço mais caro. No áudio, Dominguetti fala como se tivesse contato com a Astrazeneca, mas no seu depoimento à CPI, o policial militar mineiro disse que quem tratava com a Astrazeneca era a Davatti nos EUA.

7 – Para Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues, a cúpula da CPI, a narrativa de Blanco para escapar da advocacia administrativa não deixa de ser recheada de irregularidades, pois quando Dominguetti procurou Blanco pela primeira vez, a possibilidade de o setor privado comprar vacinas contra Covid-19 sequer havia sido discutida pelo Congresso.

Renan: Essa atividade era absolutamente irregular. Não foi aprovada [pelo Congresso]. É muito grave essa informação.
Randolfe: Nessas datas [de conversas entre Dominguetti e Blanco] não tinha sequer o debate sobre a lei no Congresso. O governo estava resistindo a esse debate. A primeira reunião [sobre a lei] ocorreu em 21 de fevereiro. É essa lei a que autoriza a aquisição das vacinas da Pfizer, e sequer cogitava aquisição pelo setor privado. A lei foi aprovada em 24 de fevereiro, e só foi sancionada em 11 de março. A lei não possibilita compra pelo setor privado. Essas tratativas com o setor privado que o senhor estava fazendo estavam na irregularidades.
Omar: Isso caracteriza, coronel Blanco, que o senhor tinha informações privilegiadas, sabia que [os parlamentares] iriam aprovar essa lei.

8 – Para sair pela tangente, Blanco disse que a movimentação do setor privado para adquirir vacinas era de conhecimento público desde janeiro de 2021, por meio de reportagem da Folha de S. Paulo. E que, inclusive, ele abriu a empresa Valorium para antecipar sua preparação e entrar no mercado da vacina privada com alguma vantagem sobre os concorrentes.

9 – Ao mesmo tempo em que diz que ficou sabendo pela imprensa da discussão sobre compra de vacinas pelo setor privado, mostrando que estava acompanhando de perto a questão da imunização em massa, Blanco também jura que não sabia que o coronel Elcio Franco, secretário-executivo da Saúde, teria centralizado nele todas as tratativas em torno das vacinas por meio de uma portaria de 29 de janeiro. Blanco alegou que não sabia pois fora exonerado 10 dias antes. Quando Blanco, Dominguetti, Dias e um quarto elemento identificado como Ricardo foram jantar em Brasília para discutir as 400 milhões de vacinas da Astrazeneca, com o suposto pedido de propina, “Dias já não apitava nada”, lembrou Omar Aziz.

10 – Questionado sobre suas relações atuais com os funcionários do Ministério, Blanco disse que mantém conversas principalmente com os militares, e pouco contato com alguns civis com quem teve uma relação amistosa na Pasta. Por outro lado, Cristiano Carvalho, da Davatti Medical Supply, disse à CPI que Blanco lhe parecia um “assessor oficioso”, que continuava exercendo as mesmas funções para o Roberto Dias mesmo após ter sido exonerado.

RAIO-X: Marcelo Blanco da Costa

Militar das Forças Armadas desde 1987, ficou 31 anos na ativa. Entrou para a reserva em 2018, já no posto de coronel. Em abril de 2020 foi convidado para compor a equipe de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. “Quem me indicou ao Pazuello foi o coronel Franco Duarte, que era amigo meu, de turma, conheço há mais de 35 anos.” Blanco Foi nomeado assessor do departamento logístico na Saúde, “função de natureza consultiva”. Era para ter ficado 90 dias, acabou ficando cerca de 8 meses. Foi exonerado em janeiro de 2021, com outros militares. Blanco foi procurado pelo representante da empresa Davatti, Luiz Paulo Dominguetti, que queria chegar em Roberto Dias para apresentar a oferta de 400 milhões de doses da Astrazeneca. Dominguetti diz que recebeu pedido de propina por parte dos gestores da Saúde. A Astrazeneca diz que não vende vacina por meio de terceiros.

Redação

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