O Biden brasileiro, por Ivan Colangelo Salomão

É ingenuidade acreditar que a neutralização do fascismo poderá ser gestada num gabinete no Jardim Botânico carioca. Governar um país mosaico e complexo como o Brasil exige muito mais do que um microfone na mão e meia-dúzia de ideias elitistas na cabeça.

O Biden brasileiro

por Ivan Colangelo Salomão

Se houver eleição presidencial em 2022, a disputa se dará, de fato, entre polos extremos e diametralmente opostos. Dois radicalismos já vividos e testados pela população brasileira, cujos projetos e seus respectivos resultados poderão ser honestamente cotejados a fim de se dirimir eventuais dúvidas subjacentes àquela “escolha muito difícil”.

Ainda assim, diversos são os setores que vêm defendendo a necessidade de se construir uma terceira via eleitoral. Um candidato democrata, moderado, experiente. Que se afaste dos extremos desde sempre rejeitados pela sociedade brasileira. Em analogia plausível, muito se tem falado a respeito da urgência em se encontrar o Biden brasileiro.

Trata-se de tarefa com a qual eu não poderia concordar mais. Assim, gostaria de oferecer minha modesta contribuição ao debate nacional. Sim, eu sei onde está esse homem. Não foi tarefa trivial, reconheço, pois nem todo mundo já ouviu falar a seu respeito. Mas agora que o encontrei, nada mais justo do que colaborar com o destino do meu país. Para o bem de todos e felicidade geral da nação, podemos respirar aliviados. Eu achei o Biden brasileiro, e venho aqui revelar a sua identidade.

Do ponto de vista político, precisamos de um presidente que dialogue com todos os grupos sociais. Que negocie de forma republicana com todos os partidos políticos representados no Congresso Nacional a votação de reformas em benefício da população, em especial a camada mais carente. Que articule com todos os setores econômicos o apoio a pautas que visem ao desenvolvimento holístico e harmonioso, com destaque para a defesa do meio-ambiente e dos direitos sociais.

Do ponto de vista econômico, carecemos de um mandatário rigoroso do ponto de vista fiscal. Que nomeie uma equipe econômica prudente, capaz de entregar superávits primários vultosos a fim de controlar a deterioração da dívida pública e, consequentemente, das condições de endividamento. Que recuse aventuras do ponto de vista monetário e entregue o Banco Central a um banqueiro com credibilidade na praça. Com inflação não se brinca. E que lidere um projeto nacional de desenvolvimento capaz de (re)ativar todos os setores da economia brasileira, sobretudo o produtivo, responsável pela inovação tecnológica requerida pelo aumento da produtividade.

Precisamos de um presidente cuja política econômica seja capaz de manter a lucratividade do andar de cima ao mesmo tempo em que inclua dezenas de milhões de brasileiros historicamente sub-humanizados. De um líder habilitado a acalmar a Febraban com a mesma dedicação que procura resgatar a dignidade da massa de miseráveis que assiste passivamente ao genocídio de seu próprio futuro.

Do ponto de vista social, urge a ascensão de um presidente que ofereça migalhas para a patuleia que, de tão torturada, as recebe como se fossem uma dádiva dos deuses. Que lhes permita o acesso aos bancos universitários, talvez a única rota de escape jamais oferecida a milhões de seres humanos animalizados há séculos. Mais conservador do que isso, só a Nossa Senhora de Guadalupe. Esse candidato existe e está entre nós. Ponderado, agregador, experimentado.

Luiz Inácio, cuide da sua saúde e da sua segurança. O Brasil precisa de você como nunca se dependeu tanto de um único homem em toda sua história.

É ingenuidade acreditar que a neutralização do fascismo poderá ser gestada num gabinete no Jardim Botânico carioca. Governar um país mosaico e complexo como o Brasil exige muito mais do que um microfone na mão e meia-dúzia de ideias elitistas na cabeça. Apenas um político experiente, com larga envergadura política e atestada legitimidade social poderá congregar as forças democráticas nacionais e o apoio geopolítico internacional para embicar o país de volta à dignidade. Quando (e se) retornar, a normalidade não virá a cavalo. Serão anos, décadas de fisioterapia cívica para retornarmos a um patamar mínimo civilizatório.

Se analisadas com a devida detença, restará evidente a parcialidade com que se sopesa as duas principais candidaturas já colocadas. Trata-se, de fato, de dois projetos radicais: um terrivelmente fascista; o outro, radicalmente democrático, contemporizador e inclusivo.

Eis o único e insofismável veredito. Qualquer interpretação em contrário não passa de falsa simetria.

Ivan Colangelo Salomão, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Mestre e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutor em História pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA).

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