Redes sociais e crises democráticas, por Thiago Antônio de Oliveira Sá

A era dos desinformados da era da informação desafia a legitimidade dos sistemas peritos, isto é, dos sistemas de conhecimento especializado, pois as diversas áreas do saber são confrontadas por discursos alternativos sem qualquer chancela ou reconhecimento, porém facilmente acessíveis

Redes sociais e crises democráticas

por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Tecnologias digitais de informação como aplicativos de mensagens e redes sociais destruíram o monopólio da informação por rádio, TV, conglomerados midiáticos, etc). De certa forma, converteram todo indivíduo num meio de comunicação potencial. Basta um celular na mão. Porém, tais tecnologias facilitaram o compartilhamento de desinformação – de notícias falsas a teorias conspiratórias – com grande potencial de viralização justamente por seu simplismo e pela disposição do cidadão médio a crer em fatos pitorescos.

A era dos desinformados da era da informação desafia a legitimidade dos sistemas peritos, isto é, dos sistemas de conhecimento especializado, pois as diversas áreas do saber são confrontadas por discursos alternativos sem qualquer chancela ou reconhecimento, porém facilmente acessíveis. “Especialistas espontâneos”, munidos de seus saberes de internet, questionam a autoridade e o saber validado dos profissionais da Educação, da Medicina, da Economia, da Botânica, da Física, da Engenharia, etc. Tais “peritos” autodeclarados inclusive, algumas vezes, logram cooptar peritos credenciados, como médicas que prescrevem cloroquina para Covid, enfermeiros antivacinas ou geógrafos terraplanistas.

Plataformas digitais como Facebook, Twitter ou Youtube tratam a questão com permissividade. Dificilmente retiram do ar conteúdos falsos, anticientíficos e radicalizados a não ser por decisão judicial, pois têm todo interesse na frequência de suas visualizações. É por meio do consumo destas “informações” que estas plataformas recolhem dados de navegação de seus usuários, a fim de dirigir-lhes publicidade programática, isto é, direcionada para seus perfis particulares.  

Os riscos sociais dessa infodemia são imensos. Manipulação em massa, desinformação, automedicação, estímulo à polarização, incitação ao ódio e influência em resultados eleitorais são apenas alguns deles. Populistas de extrema-direita têm explorado intensamente essa arma informacional a fim de erodir democracias mundo afora. Negacionistas disputam espaço com doutores de diversas áreas. Obscurantistas confundem a população e atrapalham a execução de políticas públicas, como a vacinação em massa. Facções supremacistas encontram meios para encorajar intolerância e violência contra minorias étnicas. Na escola, docentes já identificam estudantes donos da (pós) verdade.

São inúmeros os desafios políticos, tecnológicos, jurídicos e informacionais que se colocam. O primeiro passo no enfrentamento desse fenômeno perigoso é sua compreensão adequada. O segundo, atualizar as legislações nacionais para caracterizar crimes digitais. O terceiro, construir um marco regulatório da produção de conteúdo virtual, afinal, liberdade de expressão não significa licença para desinformar. Quem imaginaria que o acesso pleno à informação surtiria efeito contrário?

Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo, professor e doutor em Sociologia.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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