Mathias Alencastro: ‘Ao contrário da brasileira, ultradireita indiana soube tornar país indispensável ao Ocidente’

“Para o governo Bolsonaro, foi a dificuldade em se situar geopoliticamente, e não necessariamente os reflexos autoritários, que criaram desconfiança entre os potenciais aliados"

Jornal GGN – “A escandalosa complacência da Europa com a Índia de Modi sugere que a indignação com o Brasil pode virar simpatia da noite para o dia”, avalia Mathias Alencastro, em sua coluna na Folha de S.Paulo, publicada nesta segunda-feira (2).

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, tem uma trajetória pouco adequada aos princípios da social-democracia ocidental. Ele é membro do RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh), organização voluntária paramilitar de direita responsável pelo assassinato de Mahatma Gandhi em 1948, e do partido de ultradireita BJP (Bharatiya Janata Party).

Alencastro ressalta que, em 2002, enquanto o então deputado federal brasileiro Jair Bolsonaro era um total desconhecido aos olhos do mundo, Modi já era uma figura execrada no Ocidente.

“À época ministro-chefe da província do Gujarat, ele era acusado de incitar uma insurreição mortífera contra os indianos muçulmanos. Seus pedidos de vistos eram negados nos Estados Unidos e na Europa”, destaca o articulista, que também é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Em 2014, por conta do descrédito do Partido do Congresso, em decorrência de uma sequência de escândalos de corrupção, Modi foi eleito primeiro-ministro na Índia. No seu primeiro mandato, o PIB anual no país aumentou 7%, média superior ao governo anterior (6,3%). Entretanto, as desigualdades sociais cresceram a ponto de o Ministério do Trabalho não fornecer mais as estatísticas sobre o desemprego.

Mesmo assim, em maio deste ano, Modi foi reeleito com uma vitória contundente, conquistando a maioria absoluta das cadeiras no Parlamento.

“Reeleito triunfalmente este ano, Modi realizou o sonho de todo líder de ultradireita em tempo recorde, promovendo a ascensão de uma nova Índia caracterizada pelo etnonacionalismo, onde a segunda maior população muçulmana do mundo simplesmente perdeu o seu lugar”, avalia Alencastro.

No cenário internacional, Modi passou a ser cortejado pelas principais lideranças, mesmo após seu governo retirar a autonomia da Caxemira, sinalizando que a Índia não se submeterá a nenhuma decisão internacional, e com a instauração de um culto à sua a personalidade, promovido pelo seu partido e o RSS.

“O quartel-general do RSS em Nagpur se tornou peregrinação obrigatória para investidores estrangeiros”, conta Alencastro. “A demolição da maior democracia do mundo vem sendo tratada com surpreendente descaso. Em setembro, Donald Trump passeou de mãos dadas com Modi num evento em Houston, e Bill Gates atribuiu ao indiano o maior prêmio da sua fundação filantrópica”, prossegue o analista político.

“Os supostos guardiões do templo liberal Justin Trudeau e Emmanuel Macron nunca perdem uma oportunidade de aparecerem abraçados a Narendra Modi”, pontua.

A explicação para essa mudança de tratamento, segundo Alencastro, se dá por um princípio “simples” na política: “hábil no trato diplomático, Modi soube posicionar a nova Índia como um sólido e fiável contraponto regional à China”.

“Uma lição de cinismo importante para os brasileiros. Para o governo Bolsonaro, foi a dificuldade em se situar geopoliticamente, e não necessariamente os reflexos autoritários, que criaram desconfiança entre os potenciais aliados”, observa.

“Se o Brasil voltar a tratar a política externa com seriedade, e o Brasil voltar a ser estratégico, ele será imediatamente visto com olhos mais tolerantes”, conclui.

*Clique aqui para ler a coluna de Mathias Alencastro na íntegra.

Leia também: ‘Fundamentalismo de mercado diferencia Bolsonaro de Trump e Órban’, aponta Laura Carvalho

Redação

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