A desconfortável incerteza, por Luiz Gonzaga Belluzzo

Sugerido por Maria do Carmo

Da Carta Capital

A desconfortável incerteza
 
As decisões capitalistas estão obrigadas a especular sobre o futuro e a inventá-lo
 
por Luiz Gonzaga Belluzzo

O futuro será melhor do que o presente?”, indagou o entrevistador ao filósofo italiano Giorgio Agambem. Ele respondeu: “Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar”.

Imagino que Agambem não tenha pensado nas alternâncias entre otimismo e pessimismo que marcam a vida dos negócios no capitalismo contemporâneo. Keynes desconfia de que as decisões dos proprietários de riqueza são tomadas em condições de incerteza radical. De nada adianta valer-se do conhecimento do passado ou das toadas do presente, projetando essas tendências para o futuro. Tampouco as decisões podem se amparar na atribuição de probabilidades numéricas às trajetórias imaginadas da economia.

Para vencer esse estado desconfortável de incerteza irredutível, cada um dos controladores da riqueza e do crédito tem de lançar mão de informações, avaliações e crenças a respeito das decisões dos demais. Incorporar nas próprias avaliações os julgamentos dos seus pares significa ser obrigado a decidir a despeito da mais profunda ignorância.

Os controladores da riqueza realizam seus cálculos prospectivos como um ritual de exorcismo para expulsar os demônios da ignorância e do medo. Frágeis e ariscas subjetividades, os escravos da imensa fábrica social montada para produzir riqueza abstrata agarram-se à utopia do mundo racional e calculável para fugir à realidade do imponderável.

A liberdade dos potentados do capitalismo os condena a realizar os desígnios da razão sistêmica: desejam sempre mais por temer ficar com menos, ou, pior, receiam o aniquilamento de seu poder-servidão.

Essa compulsão os afasta da utopia de Bentham e dos utilitaristas, cuja filosofia social está nas origens da teoria econômica. Os profetas do radicalismo burguês viam o metabolismo da nova sociedade mercantil-capitalista como o encontro do desejo com a sua satisfação, a realização da felicidade geral.

A felicidade sonhada pelos possuidores de riqueza está, no entanto, na liberdade de dispor da riqueza monetária, empreender e acumular mais riqueza sob a forma geral e abstrata do dinheiro. As almas torturadas pela sede insaciável de riqueza balançam entre os extremos fatais, o zênite da euforia compartilhada e o nadir do medo contagioso.

Os períodos de “normalidade”, esses são sustentados por arranjos sociais e formas institucionais que compõem um determinado “estado de crenças e convenções”. Nesse ambiente cognitivo e psicológico, o presente parece confirmar o passado e indicar os critérios para o futuro.

Desafortunadamente, no momento em que a cadeia de certezas e autocomplacência atinge o auge, irrompe a reversão e muitas vezes o colapso. Quando a maré sobe, não há prudência nem conselho capazes de resistir à liberação completa das forças da ambição. Estas se apresentam, aliás, como omniscientes e omnipotentes, sólidas e inexpugnáveis. Até o momento em que se desmancham nos ares do pessimismo.

No clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber procura desvendar os caminhos que levaram ao “desencantamento do mundo”. Da Reforma ao Iluminismo, o Ocidente buscou se desvencilhar do Império da Crença para se refugiar no Reino do Cálculo.

A concepção de ordem revelada foi progressivamente substituída pela ideia de ordem natural, cujos fundamentos estavam à mercê da análise racional. A sociedade, enquanto aglomerado de indivíduos, sedes da razão, estava submetida a leis de funcionamento semelhantes àquelas que presidiam o reino da natureza. O impulso de perseguir os próprios interesses expunha o indivíduo ao relacionamento com os demais, e o complexo dessas relações voluntárias constituía a sociedade global e ditava as normas de seu funcionamento.

A Reforma e a Ilustração construíram as novas subjetividades e, assim, rasgaram a cortina que enclausurava a visão dos homens nas crenças da Ordem Revelada e impuseram o calculo como único paradigma de avaliação e julgamento.

O espírito do capitalismo nascido da ética protestante, diz Bernard Stiegler, cedeu à tentação de dissolver o mundo da crença nos reagentes do cálculo racional.

As pretensões do mundo calculável naufragaram nas profundezas do tempo histórico. As decisões capitalistas estão não só obrigadas a especular sobre o futuro, mas condenadas a inventá-lo.  As decisões não têm bases firmes,  não há “fundamentos” racionais que possam livrá-las da incerteza. Apoiados em convenções e crenças precárias, os detentores de riqueza são compelidos a tomar decisões que podem dar origem a trajetórias eufóricas seguidas do colapso das expectativas e do mergulho nos abismos do pessimismo.

 

Redação

5 Comentários

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  1. desconfortável certeza certa!

    desconfortável certeza certa! é o meu parmera no fundo do poço sem fundo… depois que por lá gestou geriu, na segundona sem títulos, o planejamento econômico incerto do doutor belluzzzzo: uma sina maldita que nem os do além kardec dão jeito!

    essa desconfortável incerteza do mundo da economia é pinto perto das certezas incertas do meu parmera da sina maldita do doutor economia!

    1. Perfeitamente,

      Perfeitamente, Pompeu.

      Belluzzo afundou o alvi verde imponente na maior crise financeira dos seus 100 anos de História. E nem precisou de um mandato inteiro.  Até hoje, após a passagem do senhor doutor de economia mais incensado desse blog, estamos sem time e afundados em dívidas. Barbosa no STF e Belluzzzo no Ministério da Economia. Aí a coisa vai!

       

  2. interessante

    ESTA nao é macro  nem micro mas pode ter relaçao até com alta geopolitica.

    Denuncia mr. Paulo craig roberts – que geralmente  sabe do que esta falando- que a Belgica comprou , ou melhor “comprou’ de nov/2013 a jan 2014  a bagatela de 141 bi, bilhoes de dolares de TBonds, titulos do tesouro americano.

    Acontece que a belgica tem PIB de 480 bi… e comprou assim de uma porrada 30% do seu PIB nos papeluchos… FOI  operaçao estranha, logo depois voltou e representou uma reviravolta mas SECRETA da politica de reduçoes do FEDnas suas propaladas Q.E. 1, 2,3, et infinitum. Foi segundo roberts para esconder algo – algo que tem a ver com subida de juros dos tbonds, fuga dos titulos  por parte de algum pais grande detentor, e evitar panico e fuga desse magnifico mercado… Se non é vero, é potencialmente bem sério.Pesquisem.

     

     

     

  3. O reencantamento do mundo

    Ontem estava pesquizando sobre a equação de Boltzmann, aqui:

    Solutions to Boltzmann Equation: Diffusion Laws

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=fYNz3SsWf90%5D

    Devido a sua utilização num paper sobre o ótimo de Pareto, aqui:

    http://journals.aps.org/pre/pdf/10.1103/PhysRevE.89.042804

    E lá, me deparei com a Física Quantica e seus mistérios insondáveis.

    Concluo pois, que depois de voltas e reviravoltas, retornamos ao mundo encantado da mágica hehehe….

    1. Antes de mais nada, obrigado

      Antes de mais nada, obrigado por disponibilizar o link para que pudéssemos compreender melhor do que se trata. A Mecânica Estatística Clássica vem sendo usada por vários pesquisadores em diversos campos da ciência que envolvem o social. O desenvolvimento de políticas de vacinação é um desses. Se economiza ao evitar vacinar todo mundo, e por outro lado se imuniza a parcela mínima da população que impede a propagação da doença. A Economia é certamente, ao abordar a interação local de inúmeros agentes, um campo aberto para o emprego desses métodos formais, pois o preço de um produto produzido por muitos fabricantes e consumido por miríades de indivíduos independentes (não vale se uma rede de televisão provoca uma inversão de população-fenômeno quântico) é análogo a temperatura de um corpo em equilíbrio térmico. Por exemplo: o bombardeio sistemático e diário de mentiras e fatos negativos amplificados pela mídia, tem como objetivo provocar uma inversão de população (fenômeno de massa, no qual pessoas se comportam como bósons-fenômeno estatístico derivado da Mecânica Quântica) e levar o povo brasileiro a votar com raiva contra seus próprios interesses. Observem que o ódio está sendo plantado sistematicamente em nossa população. Estas são as técnicas publicitárias em sua essência. Homens não compram carros racionalmente, eles se apaixonam por estes…

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