A Regra de Ouro: muito barulho por nada, por José Luis Oreiro

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por José Luis Oreiro

Neste início de 2018 o Governo Temer, na sua ânsia de mostrar que não é “lame duck”, colocou em discussão a possibilidade de fazer uma PEC “flexibilizando” a assim chamada “regra de ouro”, definida no artigo 167 da Constituição Brasileira, a qual VETA a realização de operações de crédito por parte da União que sejam superiores as despesas de capital, rubrica na qual se incluem não apenas os investimentos da União, como também as despesas referentes as operações de financiamento da dívida pública, como o pagamento de juros e de amortizações sobre o principal.

O ponto que vem sendo debatido desde o final do ano passado é que o efeito combinado da ocorrência de um déficit primário das contas da União com a redução das despesas discricionárias – notadamente gastos de investimento – nos últimos 2 anos na tentativa vã de fazer um forte ajuste fiscal no meio da maior recessão da história do Brasil desde do final da Segunda Guerra Mundial – eliminou o espaço para o cumprimento da “regra de ouro”, a qual tem sido obedecida desde 2016 apenas devido a devolução gradativa, por parte do BNDES, dos vultosos empréstimos que o Tesouro Nacional fez ao banco de fomento a partir da eclosão da crise financeira internacional de 2008.  O problema posto no momento é que o cumprimento da regra de ouro para 2018 exigiria a devolução de R$ 130 bilhões por parte do BNDES, o que deixaria o Banco de fomento descapitalizado no momento em que a economia brasileira parece ter deixado para trás a recessão e, portanto, no exato momento em que os empréstimos do BNDES serão mais necessários para a retomada do investimento e do crescimento econômico em bases sustentáveis. Além disso, argumenta-se que mesmo que a regra de ouro seja cumprida em 2018, será impossível cumpri-la em 2019, de forma que uma PEC com uma “flexibilização” da “regra de ouro” será necessária para evitar que o governo cometa crime de responsabilidade fiscal, o qual daria ensejo a um possível pedido de impeachment do Presidente Michel Temer.

O que o governo e a grande imprensa não tem dito no debate público é que o inciso III do artigo 167 da Constituição Federal que estabelece a “regra de ouro” já prevê um dispositivo que pode ser usado para “flexibilizar” a mesma. Vejamos o que diz o Inciso :

“III – [São vedadas] a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.

O inciso III estabelece de forma clara e cristalina que O Poder Legislativo poderá aprovar, por maioria absoluta (no caso da câmara dos deputados 257 votos), operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital. Como a “maioria absoluta” é muito menor do que o quórum necessário para a aprovação de um PEC, percebe-se claramente que toda essa discussão sobre o não cumprimento da regra de ouro é, no fundo, uma grande enganação. Isso porque se o governo não tiver os votos necessários para aprovar um pedido de waiver por maioria absoluta também (257 votos na câmara dos deputados) não terá os votos para aprovar uma PEC (308 votos na câmara dos deputados). Sendo assim, porque razão o governo Temer está insistindo no caminho mais difícil, se a Constituição Federal estabelece um dispositivo muito mais simples?

Acredito que existam duas razões para isso. Em primeiro lugar, a equipe econômica do governo está adotando a velha estratégia de por o “bode na sala” para negociar a retirada do bode. É provável que a equipe econômica esteja criando todo esse terrorismo para negociar a postergação do aumento dos salários dos servidores públicos para 2019 ou ainda a aprovação da reforma da previdência. Se essa for a linha de pensamento de Dr. Meirelles, então ele demonstra ser de uma ingenuidade sem par. Acreditar que o Congresso Nacional, num ano eleitoral, com um governo com 3% de aprovação e rodeado de denuncias de corrupção irá aprovar DUAS emendas constitucionais é não conhecer o estofo com o qual os ilustres deputados e senadores do Brasil são feitos. Não acredito que Dr. Meirelles seja tão ingênuo.

A segunda razão é que o governo quer transferir para o congresso o ônus político da “flexibilização da regra de ouro”. A ideia seria dizer que a flexibilização não foi uma medida do governo, mas do congresso nacional. Isso livraria a cara do Dr. Meirelles durante a campanha presidencial de 2018, onde ele poderá dizer, com a convicção que lhe é característica, de que ele é o fiador da responsabilidade fiscal. Mas se o governo fizer o pedido de waiver para o congresso nacional, então Sr. Meirelles passará para a história da nova república como o Ministro da Fazenda que não cumpriu a “regra de ouro”. Se isso ocorrer, seus principais adversários, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes irão reduzi-lo a pó no debate macroeconômico.

P.S : Alguem realmente acredita na possibilidade de Michel Temer sofrer impeachment em 2018 por crime de responsabilidade? O cara se livrou de duas denuncias da PGR e eu duvido muito que o Congresso Nacional vá se mobilizar em 2018, num ano eleitoral, no apagar das luzes do governo Temer, para afasta-lo do cargo. Toda essa discussão em torno da regra de ouro tem claro viés politico-eleitoral, para tentar blindar a candidatura de Meirelles ao Palácio do Planalto.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Impressionante…

    Eu não tenho esse nível de abstração que me faça ser capaz de ignorar uma malta de ladrões que criam leis, executam leis e nos obrigam a segui-las!

    Cada vez que o rombo das contas pública aumenta, aumenta também o lucro dos financistas via PEC 55 o que significa aumento nas costas dos que pagam realmente impostos, não daqueles que repassam impostos, que é o caso dos grandes empresários!

    Não são apenas números!

    Quando colocam uma pessoa incompetente  para um ministério ou serviço público, aumenta a ineficiência e o retorno na economia real dos gastos feitos em indicações politicas!

    Investe 100 e tem retorno negativo de talvez menos 300!

    Isso só vai entrar no radar da preocupação dos empresários e do governo no dia em que os trouxas pagadores de impostos e compradores de bens e serviços começarem a rarear!

    Rombo só bate forte em assalariados, que vão ter que apertar os cintos!

    E isso não preocupa a mídia – rombos são apenas rombos, são financiáveis – isso por que ela também ganha nos juros!

    É irracional isso!

    Grandes empresários repassam impostos, diferentemente do assalariado que a cada aumento não será acompanhado por aumento de salários!

    Ou seja, se o Brasil não fizer uma reforma profunda nos poderes da república caminhamos para uma situação na qual teremos:

    Os que mais reclamam que são os grandes empresários, na verdade são repassadores de impostos!

    Os financistas estarão sempre sorridentes em qualquer situação!

    Os assalariados pagarão todas as contas!

    Mas como todo trouxa, ficará calado na situação!

    Estaremos oficializando uma situação injusta!

    Estaremos oficializando a pobreza de milhões!

    Estaremos incentivando ausências de serviços de saúde, educação que em sua inversão produz violência!

    Estaremos no final incentivando a violência contra nós mesmos!

    É irracional isso!

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