Clara Mattei: “O capitalismo, longe de ser algo natural, é na verdade bem frágil”

Camila Bezerra
Jornalista

Economista italiana participou encontro em São Paulo e falou sobre como a austeridade é estrategicamente aplicada para manter a ordem econômica vigente

Crédito: Twitter/ Reprodução

A economista italiana Clara Mattei, autora de “A ordem do capital: Como economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo”, uma das obras de política econômica mais importantes dos último anos, participou de um evento promovido pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) nesta terça-feira (30), em que garantiu que o capitalismo é frágil. A TVGGN transmitiu o encontro:

Clara comentou que a conclusão de seu trabalho, que analisa a evolução histórica de modelos econômicos e das relações trabalhistas, é a de que quando há um constante esforço empregado pelas organizações sociais para manter a ordem social é porque ela não é natural e teria pouca adesão popular se houvessem novas propostas. 

“Esse é o objetivo da austeridade: que o Estado mantenha a maioria da população fraca e doce para proteger o sistema de alternativas, evitar que as alternativas apareçam”, afirmou.

A economista explica que, em geral, o termo austeridade se resume a corte de orçamento e aumento de impostos. Porém, em seu livro, o conceito “não pode se reduzir ao ponto de virada ruim causada pelo novo liberalismo”, tendo em vista que o principal papel da austeridade é proteger a ordem capitalista, atualmente em crise. 

“A crise do capitalismo não é baixo crescimento, desemprego, volatilidade. Não. Essa é a crise para nós como pessoas, não para o capital. A crise do capitalismo é quando as pessoas decidem que eles não querem participar mais, querem algo diferente. Essa é a verdadeira crise que os economistas não falam”, continua Mattei. 

Consequentemente, economistas mascaram a verdadeira questão relacionada à austeridade, pois a preocupação não deveria estar em quanto o Estado gasta ou não, mas sim em como gasta. O mesmo vale para os impostos: não importa o nível de arrecadação, mas sim quem é realmente tributado. 

“Sem a austeridade, a racionalidade, a lógica que nos governa seria exposta e as pessoas não iam mais querer participar [do modelo vigente]”, emenda a economista. 

Um exemplo citado por Clara Mattei sobre a recusa popular foi a recusa dos empregados do Google em construir um sistema de nuvem para servir ao exército israelense. 

Genocídio

A economista iniciou seu discurso ressaltando o genocídio promovido por Israel sobre os palestinos na Faixa de Gaza, uma vez que, ao contrário dos números oficiais, que indicam 40 mil vítimas do conflito, o número de óbitos já ultrapassou 180 mil de acordo com médicos, que contabilizam não só as mortes causadas por ataques, mas também as provocadas por doenças e restrição ao acesso a recursos básicos, como água e comida. 

“O que está acontecendo em Gaza não é uma exceção, é simplesmente a expressão mais violenta e explícita da lógica do nosso sistema econômico”, afirma Mattei. 

A prova de que a guerra em Gaza evidencia as falhas do capitalismo é que a bolsa de valores subiu 25% desde 7 de outubro e que fabricantes de armas também estão lucrando em cima da morte de civis. “É toda uma rede de corporações e inteligência, mas na verdade é um genocídio com avanço tecnológico.”

Clara Mattei contou ainda que o seu trabalho consiste em dizer que a lógica do lucro contraria a lógica da necessidade. Assim, a impressão popular é a de que questões sociais, como precariedade, desemprego, problemas climáticos e baixos salários são problemas. Mas para a economista, tais problemas são a solução para o nosso sistema econômico. 

“O título do livro realmente tenta expressar como os economistas tendem a falar sobre o capital como objeto, como dinheiro, como riqueza, como crescimento de PIB [Produto Interno Bruto], mas fazendo isso, eles escondem o que é mais importante, que é o capital é baseado nas relações sociais de produção e as principais relações de produção social que são a base do crescimento econômico como conhecemos hoje é o pagamento ao trabalho”, emenda. 

Por hora, porém, a economista lembra que a maioria das pessoas em todo o mundo não têm alternativa para viver além de vender a sua capacidade de trabalho em troca de um salário, que tende a ser baixo, especialmente se comparamos a remuneração e o valor do que é produzido. 

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