
Cobertura da Remessa de Lucros e Juros pelo Superávit Comercial
por Fernando Nogueira da Costa
O Departamento de Estatística do Banco Central do Brasil faz um excelente trabalho ao permitir o usuário de seu site acompanhar as principais estatísticas econômico-financeiras do Brasil. Tem uma página onde ao clicar no título do gráfico chega-se ao detalhamento e à obtenção dos dados: https://www.bcb.gov.br/estatisticas.
No início de fevereiro, apresenta os dados de dezembro e completa a série anual. Nela, podemos analisar tendências ou inércias, ciclos e eventuais choques de preços relativos.
Por exemplo, desde 2004, portanto, há duas décadas, a inflação média se tornou inercial em torno de 5,73% aa. Houve dois choques inflacionários, um teve o pico em janeiro de 2016 (10,71%), outro o máximo em abril de 2022 (12,13%). Justifica-se o combate à inércia ou às eventuais quebras de oferta com choques de juros?

Os juros internos disparatados em relação aos juros externos ajudaram na estabilidade da taxa de câmbio nominal, depois de atingir o pico de R$ 5,80 / US$ em maio de 2020, após o início do distanciamento social, devido ao “pandemônio da pandemia”. Gira, atualmente, em torno de cinco reais por dólar.
Quando a taxa de câmbio flutuante se estabiliza, na história econômica brasileira, facilita a estabilidade da taxa de inflação – correlacione os gráficos pelos choques cambiais em 2015-16 e 2020-21. Não se sofre com elevada “inflação importada”.

A economia brasileira obteve o maior superávit comercial de sua história em 2023 com US$ 80,5 bilhões. Quase dobrou o do ano anterior, confirmando uma tendência crescente desde quando houve a emergência da China como o maior parceiro comercial.

Em termos de valor, a China foi destino de 30,7% do exportado pelo Brasil em 2023. Os EUA vieram em segundo, com 10,9%, e a Argentina, com 4,9%. Em quarto lugar ficou a Holanda, ponto de entrada de produtos para a União Europeia, bloco com absorção de 13,6% dos embarques. O México, em quinto, ficou com 2,5%.
Os chineses compraram 73% de toda soja exportada pelo Brasil em 2023, além de 64% do minério de ferro e de 47% do petróleo bruto, segundo dados da SECEX. Os três produtos representaram 75% do valor da exportação brasileira total à China no ano.
Os preços médios das exportações totais brasileiras caíram 6,3% em 2023, mas a receita de exportação subiu 1,7% em relação a 2022 porque a quantidade embarcada cresceu 8,7%, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX/MDIC). Em 2023, houve pico histórico do índice de quantum exportado. O recorde anterior havia sido em 2022, quando o volume exportado subiu 5,4% contra o ano anterior.
O superávit comercial resultou também de uma queda grande no déficit comercial da indústria de transformação: de US$ 57,2 bilhões em 2022 para US$ 37,7 bilhões em 2023. Ocorreu sobretudo pela queda no valor importado em bens industriais.
No ano de 2023, as exportações de bens registraram o maior valor da série histórica, US$ 344,4 bilhões, aumento de 1,2% em relação a 2022. As importações somaram US$ 263,9 bilhões, recuo de 10,9% em relação ao ano anterior. O fluxo comercial (acima de US$ 600 bilhões em cada um dos dois últimos anos) diante do PIB foi de 33% a 28%.
É um equívoco determinar o grau de abertura de mercado de um país pelo quociente das exportações mais as importações divididas pelo PIB. A lista é encabeçada por Hong Kong (377%), Luxemburgo (362%), Singapura (325%), colocando o Brasil em 165º. lugar desta relação na faixa citada (28%-33%) como fosse uma economia “fechada”.
Está entre os Estados Unidos (28%), China (37%) e Japão (37%)! Não se deve os comparar com Cidade-Nação com curta cadeia produtiva e baixo PIB, portanto, indicador muito elevado. Da mesma forma, pequenas populações de países com exportações elevadas têm indicadores per capita elevados.
O maior tem a 22ª. maior exportação no mundo, ficando abaixo dos países da União Europeia, América do Norte, os grandes exportadores asiáticos e petro-estados. Por proximidade, todos pertencem às cadeias globais de valor (CGV), ao contrário do Brasil.
No ano de 2023, o déficit no balanço de transações correntes somou US$ 28,6 bilhões (1,32% do PIB), ante US$ 48,3 bilhões (2,47% do PIB) em 2022. A redução de US$ 19,6 bilhões no déficit deveu-se à ampliação de US$ 36,4 bilhões no superávit do balanço comercial e à redução de US$ 2,0 bilhões no déficit de serviços, compensados parcialmente pelos aumentos nos déficits de renda primária, US$ 15,9 bilhões, e renda secundária, US$ 2,9 bilhões.
No ano de 2023, o déficit em serviços somou US$ 37,6 bilhões, recuo de 5,1% comparativamente ao déficit em 2022, US$ 39,6 bilhões. Destacaram-se as despesas líquidas de transportes, aluguel de equipamentos e viagens.
No ano de 2023, o déficit em renda primária totalizou US$ 72,4 bilhões, 28,1% acima do déficit de US$ 56,5 bilhões ocorrido em 2022. As despesas líquidas de lucros e dividendos de investimento direto e em carteira somaram US$ 45,0 bilhões em 2023, 21,5% acima dos US$ 37,1 bilhões observados em 2022. Nessa comparação, as despesas brutas decresceram US$ 1,6 bilhão, enquanto as receitas recuaram US$ 9,6 bilhões.
Interessante é destacar o superávit comercial (US$ 80,5 bilhões) ter coberto esse déficit, fenômeno não ocorrido no ano anterior (US$ 44,1 bilhões contra US$ 56,5 bilhões).


As despesas líquidas de juros somaram US$ 27,7 bilhões em 2023, aumento de 41,4% em relação aos US$ 19,6 bilhões em 2022. Em 2023 houve crescimentos de 33,7% nas receitas de juros, para US$ 10,0 bilhões, e de 39,3% nas despesas brutas de juros, para US$ 37,7 bilhões.
No ano de 2023, o Investimento Direto no País (IDP) totalizou US$ 62,0 bilhões (2,85% do PIB), ante US$ 74,6 bilhões (3,82% do PIB) em 2022. O ingresso líquido em participação no capital, exceto lucros reinvestidos, reduziu US$ 5,0 bilhões (US$31,6 bilhões em 2023 ante US$36,6 bilhões em 2022), enquanto os lucros reinvestidos cresceram US$ 662 milhões (US$ 21,2 bilhões em 2023 ante US$ 20,6 bilhões em 2022). O ingresso líquido em operações intercompanhia recuou US$ 8,4 bilhões (US$ 9,1 bilhões em 2023, ante US$ 17,5 bilhões em 2022).
Para uma abordagem sistêmica ou holista, no sentido de entender a essência da economia brasileira, pelo Censo de Capital Estrangeiro, efetuado pelo Banco Central do Brasil, com 2.461 declarantes (participação no capital de 18.285 empresas), o estoque de IDP em 2022 atingiu US$ 1,056 trilhão. O estoque IDP (participação no capital) / PIB foi a 42,4% contra 6,1% em 1995, ou seja, a abertura externa como componente-chave da globalização neoliberal levou à grande desnacionalização da economia.
Na renda primária, a despesa total de lucros de investimento direto e alteração na composição do lucro total afeta o déficit do balanço de transações correntes. As despesas de lucros remetidos são, em sua maioria, pagamentos efetuados sem contrato de câmbio, por meio de contas de depósito no exterior. Quando as despesas de lucros reinvestidos reduzem, impactam o IDP.
Em contrapartida, no ano de 2023, os fluxos de Investimento Direto no Exterior (IDE) totalizaram aplicações líquidas de US$ 28,3 bilhões, ante US$ 33,4 bilhões em 2022.
Em 2023, os ingressos líquidos de capitais somaram US$ 8,6 bilhões (saídas líquidas de US$ 1,1 bilhão em ações e fundos de investimentos e ingressos líquidos de US$ 9,8 bilhões em títulos de dívida) ante ingressos líquidos de US$ 7,7 bilhões em 2022. A disparidade entre os juros internos e juros externos atraem esse capital.
As reservas internacionais somaram US$ 355,0 bilhões, em dezembro de 2023, iniciando uma recuperação, depois de o Guedes ter “torrado” US$ 50 bilhões. Em 2022, com US$ 324,7 bilhões o Brasil tinha a 10ª. maior reserva em todo o mundo. Graças ao seu crescimento, desde o governo Lula I, afastou a periódicas crises cambiais do passado.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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