Coluna Econômica: na Argentina, acesso à telefonia e à Internet vira direito público

A maior imprudência que pode ocorrer é a insensibilidade dos setores beneficiados, a síndrome do sapo em panela de água quente de setores que, por nunca terem sido regulados, imaginem que jamais o serão.

Ontem, o presidente da Argentina Alberto Fernandez tomou uma série de medidas que marca a virada social da América Latina, depois da lufada neoliberal de Rogerio Macri.

Fernandez declarou como serviço públicos a telefonia celular, os serviços de Internet e da TV paga. Com isso, ficam asseguradas metas de universalização. O passo seguinte será negociar com as concessionárias os termos da universalização.

Para enfrentar a crise atual, o governo argentino decidiu congelar até 31 de dezembro as tarifas telefônicas, de internet e TV paga valendo-se de um instrumento legal, O Decreto de Necessidade e Urgência (DNU)

Desta maneira, segundo Fernandez, a Argentina recupera ferramentas regulatórios que haviam sido revogadas pelo governo Maurício Macri. E os direitos dos usuários voltam a ser constitucionalmente reconhecidos. “Daqui por diante”, diz Fernandez, “não poderá haver nenhum aumento sem a prévia aprovação do Estado”.

Educação, acesso ao conhecimento e à cultura e a comunicação entram na lista dos direitos básicos como, aliás, é reconhecido pelos órgãos internacionais de direitos humanos. A orientação, agora, é a ênfase a programas inclusivos de universalização obrigatória a todos os argentinos.

Trata-se de uma volta radical no pêndulo, que expõe a vulnerabilidade dos pactos políticos na América Latina. Em democracias estáveis os movimentos são menos drásticos. Um governo social-democrata é eleito, destina mais recursos para a área social e avança em alguns pontos regulatórios de reconhecimento de direitos. Entram os liberais, reduzem os gastos sociais e promovem uma liberação relativa da economia, mas sem afrontar princípio básicos de funcionamento.

Quando há radicalização em um dos movimentos, vale o princípio da física que a um movimento em uma direção, há outro movimento em direção oposta tão ou mais radical.

Por trás de tudo, uma profunda incompreensão planejada do conceito de serviços públicos. Por tal entendam-se serviços prestados pelo setor público ou por empresas privadas, em setores de interesse público geral, englobados no conceito genérico de direitos fundamentais.

Alimentação, saúde, educação, acesso à informação, são direitos básicos. Nos níveis atuais de inclusão digital, celular e Internet também se enquadram nos direitos da cidadania.

Por tal, cabe ao Estado arbitrar. Períodos de muitos abusos, em uma direção, geram reações radicais contrárias em outra.

Tome-se a economia brasileira hoje em dia. Há uma ampla falta de regulação em relação a setores oligopolizados – aqueles em que a livre competição não é praticada adequadamente resultando em prejuízos para os consumidores. Planos de saúde, serviços bancários, custo da telefonia, ônibus urbanos, há um conjunto considerável de setores não submetidos a modelos de regulação adequados.

A maior imprudência que pode ocorrer é a insensibilidade dos setores beneficiados, a síndrome do sapo em panela de água quente de setores que, por nunca terem sido regulados, imaginem que jamais o serão.

O pacto ultraliberal começa com o segundo governo Dilma com o pacto Joaquim Levy, depois dos exageros intervencionistas do período anterior, de Dilma-Mantega. Aprofunda-se no governo Temer e, agora, com o governo Bolsonaro. O novo pacto, envolvendo Câmara, Paulo Guedes, Supremo Tribunal Federal, com seus instrumentos, de Lei do Teto, fim de todas as vinculações orçamentárias, legará um país extremamente vulnerável, no plano social e no desenvolvimentista.

Mais cedo ou mais tarde haverá a volta do pêndulo. E, em cada volta, perdem-se os avanços do período anterior.

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Isto não garante o acesso.
    Sem investimento não tem Internet.
    Senão pensar o como , o decreto pode virar utopia.
    Nossa CF por exemplo garante acesso à saúde, a realidade é outra.
    Poderia aproveitar e garantir também o direito ao teletransporte.

    1. Vai ter investimento porque tem demanda reprimida e ávida por estes serviços/produtos. Os direitos e necessidades básicas de uma sociedade irão se aprimorando e evoluindo conforme ela mais se torna avançada e as lideranças políticas/econômicas/ sociais “andarem/perceberem” que o básico não é só suprimento e moradia. A economia avançará mais ainda neste sentido. Havendo regulamentação e proteção funcionará. Vontade, altruísmo, inteligência e visão do todo não são os fortes do brasil-colônia. Além de termos sido o último país a abolir a escravidão oficial no continente americano, hoje, muitos(as) cidadãos ainda acham que a pobreza e outras mazelas são consequências da preguiça, indolência e inferioridade cognitiva destes, pois eles não “lutam ou perseveram”. O maior desafio é romper a “bolha do não fazer e querer”. Os “deuses” foram bonzinhos e não nos deram uma população numericamente igual de uma Índia ou China para testar a “nossa capacidade”.

      1. Veremos , funcionar pode servir de experência para a gente.
        No Rio boa parte da população fica à mercê da “Gatonet” das milícias por exemplo.
        Mas decreto é só isto , um decreto , muitas vezes a realidade insiste em ficar distante.

  2. Por mais que se tente equilibrar, e as agências reguladoras nunca tentaram na medida necessária, não há como permitir a liberdade total para uma das partes sem prejudicar ou limitar a da outra…
    já está acontecendo no Brasil, do usuário ser obrigado a se adaptar ao prestador do serviço, quando, na minha modesta opinião, deveria ser o contrário. Foi dessa forma que os prestadores de serviços neutralizaram a força da concorrência. São iguais! Todos a mesma merda!

    e ainda há quem acredita que a livre concorrência é bom para todo mundo

    ideal que fosse, mas com o usuário sendo obrigado a se adaptar às condições impostas pelo prestador de serviço que, diga-se de passagem, são as mesmas para todos eles, nunca será

    O povo brasileiro já está cansado de ser enganado, de ser obrigado a isso ou aquilo ou de pagar por algo que não lhe é fornecido em sua totalidade

    No popular: para ter acesso a este canal, o Senhor é obrigado a comprar tal pacote…Ora bolas! eu não quero ter acesso às outras merdas de canais, só quero incluir este, pode? Não pode, Senhor!

  3. “Mais cedo ou mais tarde haverá a volta do pêndulo. E, em cada volta, perdem-se os avanços do período anterior.”

    Justamente. Depois da investida insana, bárbara e até criminosa da direita oligopolista, a reação dos humanistas não poderia se dar de outra forma. Ou alguém imagina que empresários e os políticos ligados a eles largariam o osso sem rosnar? Que deixassem de abusar dos empreendedores locais – pequenos ou até médios e grandes – e dos trabalhador assim, porque são bonzinhos, conscientes de suas responsabilidades sociais? Que o dólar fosse patriota em país estrangeiro a ele?

    Que a direita perca definitivamente os avanços que tiveram nesses anos em que o golpe durou. E afinal não há o que reclamar: um capitalismo regulado ainda é um capitalismo com todas as suas mazelas, desigualdades, elitismos e concentração. E os ganhos dos capitalistas apenas passarão de indecentes a excessivos. Se o capitalismo regulado não fosse lucrativo – e muito – capitalistas não estavam na China, por exemplo.

    Deixa a direita latir, esbravejar, choramingar, espernear, ameaçar, isso é direito de qualquer um.

  4. Greg News, de 21.08.2020: Day Trade

    Bolsonaro + Pandemia: O que falta acontecer no Brasil?
    R. O crash da Bovespa

    Não sabia que estava nesse nível, tenho visto a proliferação de coachs financeiros, youtubers e influencers nessa área, assim como o bolsonarismo exaltar o desempenho da Bovespa em meio à crise sanitária e econômica. Mas não imaginava que tinha chegado a esse ponto.

    Muitos vão perder, alguns vão ganhar, porque para que exista o esperto, necessariamente tem de haver um bando de otários. Como sempre, lei da vida. Pode-se dizer que é o novo Telex Free. Ou Fazendas Reunidas Boi Gordo.

    Os maiores culpados: os coachs financeiros, que ensinam a ganhar dinheiro acordando às onze horas da manhã, e que ostentam o sucesso no Instagram.

    Não tem como refundar esse país.

    https://www.youtube.com/watch?v=lBpXDKswsUk

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