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Queda do dólar e o Fiscal: Lições da Conduta do BC, por Eduardo Mantoan

A comunicação do BC é crucial na formação de expectativas, e certamente em 2024 a conduta em relação à comunicação não colaborou

Queda do dólar e o Fiscal: Lições da Conduta do Banco Central

por Eduardo Mantoan

Após a alta do dólar no ano passado, o Real brasileiro iniciou uma recuperação expressiva, acumulando valorização de cerca de 10% em 2025, com a taxa de câmbio recuando de R$ 6,29 no início do ano para R$ 5,65 neste final de março. Apesar desta recente melhora, ainda está longe de compensar a desvalorização de 2024 e o choque inflacionário por ela gerado. Sabe-se que a desvalorização, que ocorreu com moedas no mundo todo, teve como fator mais determinantes as incertezas no cenário externo ligadas especialmente ao processo eleitoral nos Estados Unidos. No entanto, a desvalorização do Real em 2024 de 27,6% foi expressiva e muito superior à desvalorização de 10% verificada nas demais economias emergentes no mesmo período pelo EME Index. Esta magnitude e discrepância sugerem que fatores internos também influenciaram estes movimentos da taxa de câmbio.

Além da melhora gradual no cenário externo após o início do mandato de Trump, as decisões do Banco Central do Brasil em relação às políticas de juros e câmbio também tiveram impacto nessas flutuações do dólar, conforme pesquisa recente de Marins, Summa e Consul [1]. No entanto, destaco ao menos três outros fatores que ajudam a explicar tanto a forte desvalorização do Real em 2024 quanto sua recente valorização neste ano: (a) a demora atípica do Banco Central em reagir ao choque cambial, (b) a disseminação da percepção de um suposto risco fiscal e (c) a condução da comunicação da autoridade monetária, que amplificou incertezas.

Batizado de “Trump Trade”, o processo eleitoral que levou Donald Trump à presidência dos EUA, em 2024, gerou incertezas globais e provocou uma forte saída de capitais das economias emergentes. O Brasil foi especialmente impactado devido à sua alta integração financeira e a liquidez de seu mercado de câmbio, que torna a taxa de câmbio sensível a especulações e eventos externos, além de pressionar a inflação interna, principalmente a de alimentos. Pois, os produtores de commodities agrícolas – como soja, milho, carne e café – ajustam os preços domésticos equiparando-os ao valor mais alto dos preços de exportação.

Além disso, uma série de comportamentos atípicos do Banco Central também tiveram seu papel nas oscilações do dólar. Em 2024, a instituição hesitou em intervir no câmbio, limitando-se a raros saldos líquidos positivos de swaps e vendas pontuais no mercado à vista até novembro, agindo de forma mais adequada tardiamente em dezembro. Essa inação contrastou com o histórico da instituição, analisado em artigo na época[2]. Além disso, o ex-presidente da instituição, Campos Neto, realizou ao longo do ano uma série de declarações de que não haveria intervenções no câmbio, o que amplificou as incertezas e a desancoragem das expectativas. Essa conduta alimentou mais saída de capitais, uma vez que os agentes buscaram se proteger de desvalorizações mais acentuadas diante da inação do Banco Central.

A comunicação do Banco Central é crucial na formação de expectativas, e certamente em 2024 a conduta em relação à comunicação não colaborou para amenizar o choque cambial. Além de meses de inação na política cambial, a gestão reforçou ativamente a narrativa de um suposto risco fiscal, ampliando as incertezas e agravando o choque cambial. Essa postura mostrou-se inconsistente, já que os dados oficiais do Tesouro revelaram o cumprimento da meta fiscal em 2024, com um déficit primário de apenas R$ 11,0 bilhões (-0,09% do PIB), excluindo os gastos com calamidade no Rio Grande do Sul e outros créditos não previstos na LOA. Pelo mesmo critério, o resultado acumulado em janeiro é de déficit de R$ 5,6 bilhões.

Vale destacar que, ao menos desde junho, já se observava um esforço consistente de consolidação fiscal, com expansão robusta das receitas e desaceleração do crescimento das despesas, conforme ilustra o gráfico. A partir desse período, as despesas do governo cresceram menos em comparação com mesmo mês do ano anterior. Mesmo havendo muito por fazer, o governo demonstrava compromisso com a consolidação fiscal, como os resultados evidenciam. Assim, a postura do Banco Central revelou certo grau de irresponsabilidade e nos leva a refletir se o uso de comunicação alarmista e precipitada, amparada por percepções frágeis, seja uma conduta institucional adequada para um Banco Central? Dado seu papel relevante como formador de expectativas, exigiria-se maior cautela e prudência.

Por efeito, o choque cambial resultou em uma inflação mais alta, com o IPCA de 2024 fechando em 4,83%, acima do teto da meta. E a inflação de alimentos em fevereiro acumula alta de 7,00%, impactando principalmente as famílias trabalhadoras. Como resposta, na reunião do Copom em dezembro o Banco Central fixou três altas seguidas de 1 ponto percentual. Mas, naquele momento, a medida não impediu outro forte choque no Real, que depreciou 5,5% em uma semana, de R$ 5,95 para R$ 6,28. Ironicamente, o caos parecia validar a tese de risco fiscal, mas, se tratava dos investidores, cientes da fixação (forward guidance), evitando a perda de valor presente dos títulos domésticos e migraram circunstancialmente para ativos em dólar. Agora, com o ciclo de aperto monetário executado e a melhora no cenário externo, os investidores têm retornado para ativos em Real, evidenciando não ter sido um movimento por conta de suposto risco fiscal, amplamente alimentado pela mídia, o mercado e o Banco Central.

O descuido com riscos do choque cambial sobre a inflação, evidenciou a incapacidade do Banco Central de administrar a situação, restando-lhe a elevação descompensada da taxa Selic e a retroalimentação da narrativa de suposto risco fiscal para justificar seus equívocos. Neste contexto, Gabriel Galípolo, assume a presidência da instituição também com a tarefa de suavizar o tom da comunicação. Até aqui, demonstra conduzir a instituição com uma postura mais sóbria e cautelosa que seu antecessor. Com poucas aparições, a sinalização de que continuará intervindo no câmbio por meio de leilões de dólares e cumprindo a decisão de dezembro de elevar Selic, o ciclo de recuperação do valor do Real deve continuar, como já estamos observando.

Como em economia a percepção muitas vezes pesa mais do que os dados reais, a comunicação e a conduta do Banco Central devem mitigar riscos, não amplificá-los. A queda de braço persuasiva travada por Campos Neto, aliada ao enfraquecimento da política cambial, minou duplamente a credibilidade da instituição: primeiro, ao apostar na narrativa de um suposto risco fiscal, que se desmanchou com a divulgação dos dados oficiais; segundo, ao descumprir a meta de inflação, alimentada, em parte, pela própria conduta da ex-gestão. Certamente foi uma postura comunicativa que fugiu de sua missão institucional e revelou-se pouco prudente e até mesmo maliciosa, reforçando a necessidade da recondução da instituição para uma postura mais responsável e uma comunicação baseada em dados críveis e menos apelativa.

[1] https://substack.com/home/post/p-159279386

[2] https://diplomatique.org.br/dolar-alto-no-governo-lula-razoes-e-impactos-de-uma-politica-cambial-passiva

Eduardo Mantoan é pesquisador visitante na University of Leeds, doutorando em economia pela UFRJ e pesquisador do FINDE/UFF.

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