Empresas públicas e retomada do desenvolvimento no Brasil, por Rita Serrano

Em artigo, Rita Serrano (foto à dir.) apresenta dados sobre investimentos realizados e dividendos pagos pelas empresas públicas federais nos últimos anos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Rita Serrano, nova presidente da Caixa Econômica Federal. Foto: Divulgação Rita Serrano

Publicado originalmente na 24ª Carta de Conjuntura da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Empresas públicas e retomada do desenvolvimento no Brasil

por Rita Serrano*

A história das empresas públicas no Brasil começou ainda no Brasil Colônia 1663, com a fundação da empresa de Correios do Brasil e, em seguida, em 1694, com a criação da CMB – Casa da Moeda do Brasil. No período do Império, foram criados o Banco do Brasil, em 1808, e a Caixa Econômica Federal, em 1861.

Durante os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, considerados estadistas do desenvolvimento brasileiro, um ecossistema de empresas públicas foi fundado. A missão era viabilizar o processo de produção econômica nacional. Destaque para Petrobrás, Eletrobrás e BNDE, hoje BNDES – Banco de Desenvolvimento Econômico e Social.

Apesar da regressão nos direitos políticos e sociais, durante o período da ditadura militar as estatais continuaram a ser utilizadas no processo de modernização conservadora da economia, construindo a infraestrutura basista para a industrialização e urbanização.

No final da década de 80, o texto da nova Constituição de 1988, definiu o provimento de uma série de bens e serviços como propriedade/competência da União e, em alguns casos, de estados e municípios. Dentre eles, podem ser mencionados as jazidas e demais recursos minerais; potenciais de energia elétrica; tratamento e distribuição de água e coleta de esgoto; gestão dos recursos hídricos; infraestrutura aeroportuária; serviços e instalações nucleares; serviços de transporte; e serviços postais.

Durante os primeiros governos eleitos depois da ditadura militar, com destaque para Fernando Henrique, o que se viu foi um processo de privatização e extinção de empresas estatais que, ao contrário da expectativa do governo, se mostraram incapazes de resolver a crise fiscal – entre 1995 e 2003, a dívida líquida do setor público passou de 28% para 52% do Produto Interno Bruto (PIB).

Em 2002, contudo, foi eleito o Presidente Lula, com um programa econômico distinto do período neoliberal. Houve então uma reorientação do papel das empresas estatais, que passaram a liderar os principais projetos estruturantes do país, por vezes, inclusive, por meio de parcerias com a iniciativa privada.

No período recente, em meio à crise econômica e suas repercussões sobre as contas públicas do país, as empresas estatais voltaram ao centro do debate público, em um contexto permeado por investigações da prática de corrupção envolvendo quadros de direção dessas e de grandes empresas do setor privado.

O governo de Jair Bolsonaro, desde sua posse, acentuou o discurso ideológico das privatizações. Sua equipe econômica listou a venda de empresas como, Correios, Dataprev, Serpro, subsidiárias da Petrobras, bancos públicos e outros. Conseguiu efetivar a venda da Eletrobrás, de subsidiárias da Petrobrás e liquidar empresas como a CEITEC – empresa estratégica na produção de semicondutores e, outras.

Dados mostram que até julho de 2022, o governo arrecadou, direta ou indiretamente, mais de R$300 bilhões com privatizações. Esse programa retomou uma série de conceitos hegemônicos na década de 1990, dentre os quais a desestatização e desregulamentação das relações econômicas e sociais.

Ao pretender renunciar ao controle público de setores estratégicos o Brasil atou nesses últimos anos em descompasso com o processo de reestatização pelo qual passam os países mais desenvolvidos. De acordo com o Instituto Transnacional (TNI, 2020), nos últimos anos ocorreram 1.400 casos de serviços estatizados em mais de 2.400 cidades em 58 países, entre eles os Estados Unidos, Japão, França, Alemanha e outros. A política destrutiva do atual governo acabou por desmantelar todo o patrimônio público brasileiro, educação, saúde, cultura, investimentos em habitação, infraestrutura.

As consequências são nefastas, destaca-se o aumento da pobreza no país, que em 2021 castigou 62,5 milhões de brasileiros e brasileiras (29,4% da população). Desses, 17,9 milhões de brasileiros (8,4%) se encontravam na extrema pobreza ano passado, passando fome e toda sorte de dificuldades. A pobreza e extrema pobreza bateram recorde no país em 2021, conforme informações divulgadas nesta sexta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em janeiro de 2023, assume o governo federal, Luis Inácio Lula da Silva, que pretende retomar projeto de desenvolvimento do país, reorganizar o estado utilizando investimentos públicos, advindos em parte das estatais, que devem ser fortalecidas, que como podemos verificar nos dados, tem capacidade de resiliência e potencial para contribuir com o país.

Investimentos das estatais brasileiras

De acordo com os dados mais recentes do “Panorama das Estatais” (referentes ao ano de 2022), divulgado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), na esfera federal existem 127 empresas estatais com concentração nos seguintes setores: petróleo, centrais elétricas e bancos. Do total, 44 estão sob controle direto da União e 83 sob controle indireto.

No ano de 2021, de acordo com informações do Tesouro Nacional, foram contabilizadas 302 empresas estatais estaduais (260 ativas e 42 em fase de liquidação), que atuam, entre outros, no setor financeiro, saneamento básico, transportes, infraestrutura, habitação, assistência técnica e extensão agropecuária, tecnologia da informação, abastecimento e desenvolvimento estadual.

Em 2021, apenas as estatais federais somavam cerca de R$ 901,7 bilhões em patrimônio, com ativos totais de R$ 5.486,8 bilhões. Essas empresas realizaram investimentos expressivos em 2021, que somaram R$ 57,5 bilhões, de um total de R$ 1.663,8 bilhões de investimento no país (tabela 1).

Além da importante participação no total de investimentos, as estatais federais brasileiras empregavam 445.120 trabalhadores próprios no final de 2021, número 19,0% menor que 2015, devido aos sucessivos incentivos à demissão realizados pelas empresas no último período.

TABELA 1 – Investimentos realizados por Empresas Estatais Federais e o investimento total no Brasil (em R$ bilhões)

Fonte: SEST – Ministério do Planejamento; Contas Nacionais – IBGE
Elaboração: Dieese/SS Fenae

Em 2021, Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, Eletrobras e a Petrobras – que representam mais de 96% dos ativos totais e mais de 93% do patrimônio líquido das estatais federais – recuperaram os resultados depois do primeiro ano da pandemia da Covid-19 e fecharam com R$ 187,6 bilhões de ganho. Esse valor representa um aumento de 209,6% em relação a 2020, quando o resultado foi de R$ 60,6 bilhões. Entre essas empresas, o maior crescimento verificado foi no Grupo Petrobrás, que saiu de um resultado líquido de R$ 6,3 bilhões em 2020 para R$ 107,3 bilhões em 2021 (aumento de mais de 1.600%).

Outro ponto que aumentou desde 2016 foi o total de dividendos e de juros sobre capital próprio (JCP) pagos pelas empresas de controle direto da União. No consolidado das empresas como Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, os valores passaram de R$ 3,7 bilhões em 2016 para R$ 43,5 bilhões no fim de 2021 (neste ano, 48,6% deste resultado foi proveniente dos dividendos pagos pela Petrobrás).

O valor de dividendos distribuídos pelas estatais exclusivamente para a União também é bastante expressivo, correspondendo a R$333 bilhões, no período compreendido entre 2002 e 2021, com média de R$ 22,8 bilhões por ano, conforme exposto na Tabela 2.

TABELA 2 – Dividendos das Empresas Estatais Federais pagos à União – 2002-2021 (em milhões de R$ – Valores de Dez/2021 – IPCA)

Fonte: SEST – Ministério do Planejamento; Contas Nacionais – IBGE
Elaboração: Dieese/SS Fenae

Bancos Públicos

A pandemia no Brasil teve início em 26 de fevereiro de 2020 e afetou a economia do país, que já sofria com a falta de investimentos.

Em crises anteriores, os bancos públicos já foram instrumentos de estabilização do “mercado”. Na crise bancária de 1995, por exemplo, quando os bancos Nacional e Econômico colapsaram, gerando instabilidade sistêmica, o governo FHC criou o Proer, um programa destinado a socorrer os bancos privados que entregou bilhões de reais de recursos públicos para instituições privadas mal geridas.

Nesse contexto, CAIXA e Banco do Brasil deram uma grande contribuição para salvaguardar os poupadores e debelar a crise sistêmica, adiantando recursos para a criação do Fundo Garantidor de Crédito – FGC, que garante aplicações financeiras dos poupadores, pessoas físicas e jurídicas, até o limite de R$ 1 milhão de reais.

Os efeitos da crise de 2008 também foram amenizados com a ação contracíclica dos bancos públicos, em especial da CAIXA e do BNDES. Naquela ocasião, o Banco Central disponibilizou liquidez ao mercado com uma política monetária expansiva, mas os bancos privados não se dispuseram a tomar risco. Acabaram por aumentar sua rentabilidade, mas não em função do crédito. Tomaram recursos e alocaram em títulos públicos. Houve um empoçamento de liquidez, e os recursos não chegaram às empresas.

O incremento de operações de crédito dos bancos públicos, somado ao lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV, operado pela CAIXA, e do Programa de Aceleração de Crescimento – PAC, estimularam fortemente a indústria da construção civil e a geração de empregos, diminuindo as consequências da crise.

Em 2020, o grande destaque foi a atuação da Caixa. Para executar a tarefa de pagar o auxílio emergencial, programa criado para amenizar os efeitos da crise sanitária e econômica, o banco se superou, quebrou o paradigma do atraso tecnológico, e graças a qualidade de seu corpo técnico, criou aplicativos para cadastro, movimentação de contas, e realizou a abertura de milhões de contas, em prazo excepcionalmente rápido.

Muitos setores de atividade econômica, devido a suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que pode se estender por décadas, tais como as estradas e as ferrovias. Há, por sua vez, algumas atividades que proveem serviços essenciais à vida – como captação, tratamento e distribuição de água e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Na maioria dos países, procura-se assegurar, como questão estratégica e de segurança nacional, o provimento de tais serviços na quantidade e qualidade necessárias e a preços acessíveis tanto para consumo da população, quanto dos diversos setores de atividade econômica.

A atuação e os investimentos estatais também podem ser fatores de estabilização econômica, do nível de emprego e da renda, à medida que, por não obedecerem apenas à lógica de mercado, asseguram um mínimo de expansão da demanda agregada, atuando como instrumento de políticas anticíclicas. Foi o que se viu no Brasil durante a crise financeira internacional de 2008, quando os bancos públicos, por meio da expansão do crédito e da redução dos juros, exerceram importante papel anticíclico.

Por todos esses fatores, em nome do interesse e da soberania nacionais, diversos países têm adotado medidas de “restrição” ao investimento estrangeiro em setores estratégicos, principalmente àqueles na forma de fusões e aquisições. Caso emblemático é a China, que, por meio de suas grandes empresas estatais, têm adotado uma política agressiva de investimento em nível mundial.

Importante lembrar, ainda, que as empresas estatais diferem das empresas privadas na medida em que, por sua natureza, deveriam tomar decisões orientadas pelo interesse coletivo e não apenas por critérios econômico-financeiros. É possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sob a perspectiva do interesse público.

A análise das experiências de países desenvolvidos mostra a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social, que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados.

O que é público é para todos

O futuro do Brasil e a superação da crise sanitária e econômica, assim como o modelo de desenvolvimento para a humanidade no próximo período, será determinado pelo conceito que as pessoas têm do que é público, pelo modelo de Estado.

Queremos um Brasil em que todos possam ter o mínimo necessário para viver, em que os recursos naturais sejam preservados para as futuras gerações, em que as pessoas possam ser livres e felizes, com igualdade de oportunidades, ou um Brasil no qual só um pequeno número de privilegiados tenha esse direito?

Referências Bibliográficas
Dowbor, L. (2017). A Era do capital improdutivo. São Paulo: Autonomia Literária.
Economia, M. d. (2021). Boletim das Empresas Estatais Federais .
Sader, o. E. (2018). Se é Público é para todos. Rio de Janeiro: LPP.
Serrano, M. R. (2020). Estado pós-pandemia e as empresas públicas. Em o. D. Stedile, Banestado (pp. 187-205). Paraná: Contactos.
sociais., S. d. (02 de 12 de 2022). IBGE. Fonte: IBGE: www.ibge.gov.br
TNI. (2020). O futuro é Público. SP: Comitê nacional em Defesa das Empresas Públicas.

*Rita Serrano – Mestra em Administração, representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, conselheira fiscal da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae) e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. Rita Serrano foi nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da Caixa Econômica Federal

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Redação

1 Comentário

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  1. Descontada a pandêmia mas os prometidos investimentos privados não vieram , como no filme Campo dos Sonhos, destruímos o milharal só que “eles” não vieram.
    Alguns até “vazaram” …
    Vamos ver , já temos quase uma semana de governo e mudou pouca coisa …

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