Estratégia para uma indústria de chips

ESTRATÉGIAS PARA UMA INDÚSTRIA DE CIRCUITOS INTEGRADOS NO BRASIL(PDF) 20 pgs
BNDES, 03/2004 
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Publicaco…
Regina Maria Vinhais Gutierrez Cláudio Figueiredo Coelho Leal*

Os autores agradecem a colaboração dos demais membros do grupo de trabalho interministerial de acompanhamento do estudo sobre microeletrônica:  Mauricio Serrão Piccinini (coordenador), Julio César Maciel Ramundo, Maurício dos Santos Neves, Carlos Henrique Cabral Duarte, Antonio Sérgio Martins Mello (MDIC), Henrique de Oliveira Miguel(MCT) e Roberto Pinto Martins (MCT).  Agradecem, principalmente, ao coordenador geral do trabalho – Paulo Roberto de Sousa Melo –, a quem este artigo é dedicado in memoriam.

Resumo
A importância crescente da eletrônica na vida do homem moderno, seja como setor econômico per se, seja como elemento transformador de outras cadeias produtivas, tem sido largamente noticiada. Além disso, a tendência de concentração de parcela cada vez maior do valor dos bens eletrônicos em dois pilares – microeletrônica, cujo representante mais notório é o circuito integrado, e software – fez com que estes fossem eleitos pelo governo, durante 2003, como setores prioritários para a formulação de uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior, ao lado de fármacos e bens de capital.

OBNDEO BNDES, no âmbito das ações promovidas pelo Fórum da Competitividade do Complexo Eletrônico, patrocinado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), realizou um estudo visando à implantação de uma indústria de circuitos integrados no Brasil. 

Tal estudo, contratado a um consórcio de consultores internacionais e acompanhado por um grupo interministerial do qual fazia parte, além do BNDES e do próprio MDIC, o Ministério da Ciência e Tecnologia, foi finalizado paralelamente às primeiras discussões sobre a política setorial de microeletrônica. Esta teve suas linhas básicas, que incluíam resultados do estudo, apresentadas à Câmara de Política Econômica do Conselho do Governo em janeiro de 2004.
O presente artigo resume os objetivos que nortearam a execução do estudo, trata da metodologia utilizada e apresenta conclusões, especialmente sobre a avaliação de estratégias – de produtos e modelos de negócio – de potenciais investidores. São enumerados também os requisitos básicos necessários a quaisquer empreendimentos voltados para a fabricação de componentes microeletrônicos, assim como as principais recomendações para os negociadores brasileiros………
……...ExperiênciaInternacional
Até o final da década de 1980, a maior parcela da produção de circuitos integrados era atendida pelos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos e o Japão. A primeira metade da década seguinte foi caracterizada pela forte expansão dos países denominados “Tigres Asiáticos”, que passaram a dominar a fabricação mundial de produtos eletrônicos. Essa rápida expansão foi resultado da aplicação de políticas governamentais de longo prazo visando, entre outros fatores, ao aumento do valor agregado de sua produção industrial. Para isso, políticas agressivas de atração de investimentos foram implementadas para impulsionar a produção de circuitos integrados localmente.

Atualmente, entre os países importantes na produção de circuitos integrados, existem economias em desenvolvimento com forte ênfase no comércio exterior, destacando-se, em 2002, as exportações da China (US$ 3 bilhões), Irlanda (US$ 6 bilhões), Malásia (US$ 13 bilhões) e Taiwan (US$ 15 bilhões). A China, que também é grande importadora de circuitos integrados, merece destaque pelo sucesso das iniciativas de atração dessa indústria, as quais tiveram início somente na década de 1990………
……..É importante assinalar que todos os países que atraíram fabricantes de circuitos integrados implementaram programas agressivos, que se traduziram em políticas de longo prazo ainda em vigor.
Em diversos casos, os governos analisados ofereceram incentivos iniciais para atrair investimentos no elo de fabricação através de investimentos diretos em fábricas, conforme demonstra a Tabela 2 a seguir.

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Os exemplos constantes da tabela, que não são exaustivos dos esforços de atração de fabricantes de circuitos integrados, evidenciam o fato de que tanto países em desenvolvimento quanto desenvolvidos adotaram ou ainda adotam políticas ativas para esse setor. O detalhamento de algumas dessas políticas também foi parte importante do estudo, que comparou diferentes experiências de fomento dos governos à indústria desses componentes em nove países.
A experiência dos países demonstra claramente que, se o governo brasileiro quiser atrair investimentos para a fabricação de circuitos integrados, com o objetivo de promover o aumento da competitividade da indústria, deverá apresentar uma política agressiva e competitiva em relação aos países concorrentes………….
…….Estratégias para Atração da Indústria de Circuitos Integrados
A escolha da melhor opção de entrada para o Brasil na indústria de circuitos integrados exigiu, ao longo do estudo, o mapeamento da cadeia produtiva e dos modelos de negócio existentes na indústria de semicondutores. Foram estudados também os circuitos integrados com maior expressão, atual e prevista, no mercado mundial. 
Em seguida, o estudo identificou a distribuição da indústria nos diversos países e o posicionamento dos principais competidores.
Esse trabalho prévio foi necessário para assegurar que a proposição e uma política de atração para a indústria de circuitos integrados estivesse sintonizada com as intenções de investimento das principais empresas. Os consultores responsáveis pela elaboração do estudo, com base em entrevistas diretas junto aos fabricantes, realizaram um levantamento bastante abrangente dessas intenções, o que deu suporte à análise da estratégia de entrada mais adequada para o Brasil.

A indústria de circuitos integrados é extremamente dinâmica, aliando o lançamento de produtos inovadores a progressos no processo produtivo, o que faz com que o investimento em novas plantas, mesmo em períodos de demanda pouco aquecida, seja constante. Na Tabela 3 a seguir estão apresentados os investimentos identificados no estudo a serem realizados até 2006. Como se pode observar, dadas as características do ciclo de inovação tecnológica na fabricação de circuitos integrados, os investimentos não se limitam às empresas
de maior projeção internacional em termos de marca ou produto, mas definem, para todas as empresas, a própria condição de sobrevivên cia na indústria. 

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A análise da cadeia de valor de um circuito integrado mostra que a sua produção envolve etapas distintas, quais sejam:

  • • a concepção do produto, que pode ser realizada em conjunto com o fabricante do bem final no caso dos circuitos integrados customizados, ou sob encomenda;
  • • o projeto do circuito integrado (design);
  • • a fabricação propriamente dita, compreendendo o processamento físico-químico (etapa denominada de front-end);
  • • a montagem, encapsulamento e teste do produto (etapa denominada de back-end); e
  • • o serviço ao cliente.

É relevante observar que a etapa de back-end para memórias é realizada no país, há cerca de 20 anos, pela Itautec Philco. O design é igualmente realizado no Brasil pela Motorola há cinco anos.
Contudo, de todas as etapas citadas, aquela que agrega mais valor ao produto é a de front-end, e esta não existe no Brasil.
Os fabricantes de circuitos integrados podem ser classificados segundo o seu tipo de negócio ou forma de atuação na cadeia de valor como se segue:
• os fabricantes integrados, cuja atividade vai da concepção e projeto do componente até a entrega ao consumidor do produto, o qual leva a sua marca, e são denominados internacionalmente integrated device manufacturers;
• as empresas sem fábrica (fabless), que realizam o projeto do produto e são as detentoras da marca e do mercado junto aos clientes -fabricantes de bens finais –, terceirizando a etapa de fabricação do componente às fundições especializadas (dedicated foundries);
• as fundições especializadas (dedicated foundries), que realizam unicamente o processamento físico-químico dos produtos;
• os encapsuladores, dedicados à etapa de back-end;
• as empresas de projeto (design houses) independentes, remuneradas pelos fabricantes integrados por tarefa realizada; e
• as empresas de propriedade intelectual (IP), que desenvolvem células específicas de projeto e as licenciam a terceiros, sendo remuneradas por meio de pagamento de royalties……..

…….Existem diversos tipos de circuitos integrados, cada qual configurando um subsegmento com diferentes dinâmicas tecnológicas, características de mercados e participantes. Os tipos de componentes atualmente mais significativos, considerando-se a sua participação no mercado mundial e a perspectiva de crescimento, são os seguintes:
• memórias voláteis DRAM;
• memórias não-voláteis flash;
• microprocessadores (MPU);
• microcontroladores (MCU);
• circuitos customizados, incluindo ASIC e SOC;
• analógicos tradicionais (SLIC); e
• sistemas microeletromecânicos (MEM).

Na busca da estratégia ou conjunto de estratégias que maximizasse a relação entre os benefícios almejados e os custos associados à implantação dos novos investimentos, adotou-se uma metodologia que mesclou tipos de produtos com tipos de negócios, dando origem à lista de estratégias a seguir:
1) fabricante líder de memórias DRAM;
2) fabricante do segundo pelotão de memórias DRAM;
3) fabricante de microprocessadores (MPU);
4) fabricante de memórias flash;
5) fabricante de microcontroladores (MCU) e circuitos cus-
tomizados (ASIC e SOC);
6) fundição especializada líder;
7) fundição especializada de médio porte;
8) fabricante de analógicos SLIC; e
9) fabricante de MEM.

Observe-se que todas as estratégias listadas referem-se à etapa de fabricação de circuitos integrados (o elo número 3 na Figura 1), uma vez que a análise dos países com presença mais forte nessa indústria demonstra que, em todos os casos, foi a instalação de fábricas de difusão, isto é, a efetiva manufatura do chip, que assegurou maturidade industrial ao país. O estudo revelou que, em relação aos outros elos da cadeia, a fábrica de difusão proporciona maior valor agregado, pois: 
a) gera mais empregos; 
b) apresenta maior volume de faturamento; 
c) oferece maiores margens operacionais; e d) atraias demais etapas de produção.

As nove estratégias foram avaliadas em oficinas de trabalho a que compareceram especialistas e representantes do governo para: 
a) ordenar as estratégias em função dos objetivos qualitativos(adensamento da cadeia produtiva, geração de empregos qualificados, aumento da competitividade da indústria e fortalecimento do processo de inovação tecnológica) e quantitativos (diminuição do déficit comercial); e
b) ponderar a importância relativa dos objetivos qualitativos e quantitativos. Os benefícios assim avaliados foram confrontados com os custos e os riscos tecnológicos, de demanda e de gestão identificados em cada estratégia, resultando, através de metodologia específica, em dois grupos de estratégias dominantes, o primeiro respondendo melhor aos benefícios quantitativos da análise e o segundo aos efeitos qualitativos, tendo sido estes conside rados prioritários. A apresentação desses grupos é feita a seguir:
• Fabricante de Microprocessadores/Fundição Especializada Líder (Itens 3 e 6, Respectivamente, da Relação de Estratégias) Trata-se de segmento com poucas empresas ofertantes, caracterizadas pela produção em altíssimas escalas e por plantas situadas na fronteira da tecnologia microeletrônica. Os investimentos fixos superam US$ 1 bilhão e, em função da escala, há necessidade de exportações superiores a 70% da capacidade produtiva instalada. Daí o fato de essa estratégia produzir o maior impacto direto no saldo comercial.
É importante observar que em ambas as estratégias a governança da cadeia é compartilhada com o elo de projeto do componente a ser difundido, o qual atualmente está fora do país.
• Fabricante de Microcontroladores (MCU) e Circuitos Customizados (ASIC e SOC)/Fundição Especializada de Médio Porte/Fabricante de MEM (Itens 5, 7 e 9, Respectivamente, da Relação de Estratégias)
Esse segmento é representado por grande número de empresas ofertantes, algumas delas dedicadas a setores específicos ou a nichos de mercado. A produção é feita em escalas menores, utilizando tecnologias mais maduras. Os investimentos fixos, por sua vez, são da ordem de algumas centenas de milhões de dólares, havendo a necessidade de exportações de cerca de metade da capacidade produtiva instalada, tendo em vista a escala mínima de produção em relação ao mercado interno. Em comparação com a estratégia do grupo anterior, há menor geração direta de saldo comercial, embora a análise quantitativa realizada pelo estudo do Consórcio tenha se baseado no investimento de uma única planta. Dados os valores mais reduzidos de investimento e o maior efeito de adensamento desse conjunto de estratégias, não deve ser descartada a hipótese de o Brasil reverter o déficit comercial do segmento à medida que o país se torne atrativo para novos investimentos do setor.
A análise da governança da cadeia desses negócios mostra que ela está fortemente ligada ao elo de projeto dos bens finais aos quais os componentes fabricados são incorporados. O Brasil já possui uma grande e variada indústria de bens finais, eletrônicos e não-eletrônicos, a qual é candidata à utilização desses circuitos integrados e pode, com eles, ser estimulada à realização local de novos desenvolvimentos de produtos e aplicações………..

Luis Nassif

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