Indicadores de Valorização pela Financeirização
por Fernando Nogueira da Costa
Os fundamentos para precificação de ações de uma sociedade aberta (ou “anônima”) se relacionam aos aspectos microeconômicos e setoriais da empresa dentro de contextos macroeconômicos variáveis. O Modelo de Precificação de Ativos de Capital (CAPM – Capital Asset Pricing Model) estabelece uma relação linear entre o risco e o retorno esperado de um ativo. No caso norte-americano com uma Economia de Mercado de Capitais, no qual a maioria dos manuais de Ciência Econômica se baseia, a manutenção da riqueza costuma ser em ações.
O CAPM convenciona todos os investidores serem racionais, terem expectativas homogêneas e buscarem maximizar a utilidade esperada de sua riqueza. Eles emprestariam ou tomariam emprestado à mesma taxa livre de risco.
Contra a contumaz crítica de irrealismo de premissas das teorias convencionais, Milton Friedman, em seu ensaio “The Methodology of Positive Economics” (1953), argumentou em favor da validade de uma teoria econômica ser julgada pela precisão de suas previsões – e não pelo realismo de suas premissas. A principal função de uma teoria seria a sua capacidade de fazer previsões úteis, não necessariamente a veracidade de suas premissas. Ora, vejam só…
A Economia lida com sistemas complexos e, por isso, simplificações são esperadas para tornar a análise inteligível à limitada capacidade de absorção dos cérebros humanos. As premissas irreais são vistas como abstrações capazes de isolar os principais mecanismos econômicos e a construir modelos possíveis de serem analisados e testados.
O foco está nos resultados das teorias e modelos. Se um modelo com premissas simplificadas fornece previsões precisas e úteis, ele é considerado válido dentro de seu contexto de aplicação.
A Economia ortodoxa usa a condição de ceteris paribus (tudo o mais constante) para isolar os efeitos de uma variável específica. Embora irrealista, essa abordagem permite a análise de relações causais sem a interferência de múltiplas variáveis simultaneamente.
Daí economistas elaboram modelos econômicos simplórios com foco em partes específicas do sistema econômico, permitindo uma análise mais controlada e incremental. Um modelo gera hipóteses possíveis de ser testadas empiricamente e, se forem falseadas, novas hipóteses serem levantadas. Por essa razão, a Economia convencional aceita abstrações ou premissas irreais, focando na pressuposta utilidade prática e capacidade preditiva dos modelos.
Por exemplo, a teoria econômica neoclássica baseia-se na premissa de os agentes econômicos serem racionais e tomarem decisões para maximizar sua utilidade ou lucro. Esse individualismo metodológico parte da microeconomia.
Utiliza modelos matemáticos para derivar conclusões a partir de premissas básicas. A lógica dedutiva pressupõe axiomas simples (como a racionalidade dos agentes) e constrói teorias a ser testadas empiricamente.
A análise ortodoxa se concentra no equilíbrio de mercado e na eficiência alocativa, assumindo “mercados completos e perfeitos”, onde todos os agentes econômicos estariam com seus planos satisfeitos, considerando suas restrições orçamentárias e dada disponibilidade de recursos. Esta “ideologia” sugere “o que deveria ser” em condições ideais de “livre-mercado”.
A abordagem heterodoxa enfatiza “o que é”, isto é, a importância do contexto histórico, social e institucional nas análises econômicas. Ao invés de generalizações universais, foca nas especificidades de cada situação econômica.
Utiliza métodos indutivos, partindo da observação empírica e histórica para formular teorias. A análise é mais descritiva e qualitativa ao explorar a complexidade das interações econômicas.
Integra insights de outras Ciências Humanas, como Sociologia, Política e Psicologia, para compreender os fenômenos econômicos de forma holística e sistêmica. Essas diferenças refletem visões divergentes sobre a natureza da economia e a melhor maneira de estudá-la.
Enquanto a teoria neoclássica busca simplicidade e universalidade, através de modelos matemáticos, a abordagem heterodoxa valoriza a complexidade e a especificidade histórica das interações econômicas. Busca uma representação mais realista da vida econômica.
O CAPM divide o risco total de um ativo é em risco sistemático (não diversificável) e risco idiossincrático (diversificável). Argumenta os investidores necessitarem se compensados apenas pelo sistemático, porque o idiossincrático é eliminado através da diversificação de portfólio, ou seja, pela seleção de ativos com movimentos de preços não correlacionados.
Esse modelo é utilizado para determinar o custo do capital próprio de uma empresa, fundamental para a avaliação de projetos de investimento. Ajuda os gestores de portfólios a calcular o retorno esperado de ativos individuais e a compor um portfólio para maximizar o retorno ajustado ao risco. Compara o desempenho de um portfólio em relação à média do mercado, considerando o risco assumido.
Utiliza apenas um fator (“O Mercado”) para comparar os retornos dos ativos. Estudos empíricos, no entanto, mostram múltiplos fatores (como tamanho da empresa, valor contábil em relação ao valor de mercado etc.) também influenciarem os retornos.
A análise da relação entre o valor de mercado das ações de uma empresa e o valor contábil do capital social tem implicações práticas significativas para a avaliação da alavancagem financeira de uma empresa. O primeiro valor é o preço total da empresa ao qual os investidores estão dispostos a pagar, calculado como a cotação de sua ação multiplicado pelo número total de ações em circulação. O valor contábil é o registrado nas escrituras da empresa, representando o capital investido pelos acionistas mais os lucros retidos.
A razão entre o valor de mercado e o valor contábil é chamado de valuation. Quando a razão é superior a 1 indica o mercado de ações valorizar a empresa acima do valor contábil, enquanto uma razão abaixo de 1 indica seus investidores acreditarem a empresa estar sobrevalorizada ou enfrentando dificuldades.
A alavancagem financeira é medida pela razão entre a dívida total e o patrimônio líquido. O patrimônio líquido é medido tanto pelo valor contábil quanto pelo valor de mercado. A escolha entre esses valores afeta a percepção dos investidores e credores a respeito da alavancagem da empresa.
O valor contábil é relativamente estável e baseado em custos históricos. Não reflete as flutuações diárias do mercado. O valor de mercado é volátil e reflete as expectativas futuras dos investidores. Varia devido a mudanças nas condições de mercado, notícias da empresa, variações setoriais e macroeconômicas etc.
Se o valor de mercado das ações cair significativamente, a razão de alavancagem financeira (dívida/patrimônio líquido) baseada nele aumenta, indicando uma maior alavancagem. Uma razão de alavancagem alta sinaliza um maior risco financeiro, potencialmente dificultando a capacidade da empresa de obter financiamento e aumentando o custo do capital.
Os investidores interpretam uma alta alavancagem financeira (se baseada no valor de mercado) como um sinal de risco elevado, exigindo um retorno mais elevado para compensar esse risco. Os credores a consideram como um sintoma de risco de crédito aumentado, só aceitando o refinanciamento demandado com maior exigência de colaterais (garantias) e taxas de juros mais altas.
Por isso, as próprias empresas usam informações sobre a relação entre valor de mercado e valor contábil para tomar decisões estratégicas, como emissão de novas ações, recompra de ações ou reestruturação de dívidas. Uma alta razão de mercado permite a empresa levantar capital adicional emitindo novas ações a preços favoráveis. Se as ações estão subvalorizadas, a empresa prefere outras formas de financiamento para evitar diluição desfavorável aos acionistas.
Portanto, a relação entre o valor de mercado das ações e o valor contábil do capital social oferece insights cruciais para medir a alavancagem financeira e entender a percepção dos investidores e credores sobre o valor e o risco da Sociedade Anônima. Flutuações no valor de mercado alteram as métricas de alavancagem e influenciam suas decisões estratégicas e operacionais. As SAs precisam monitorar essas flutuações e considerar tanto as medidas contábeis quanto as de mercado ao avaliar sua alavancagem e formular estratégias financeiras.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Economia de Mercado de capitais à Brasileira” (agosto de 2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.