Estrangular até o fim – Haddad e o déficit zero, por Bruno Alcebino da Silva

O ministro não descarta a possibilidade de enviar medidas ao Congresso Nacional ou recorrer ao STF para atingir o objetivo de zerar o déficit

Marcelo Camargo – Agência Brasil

Estrangular até o fim – Haddad e o déficit zero

por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na última sexta-feira (22), em Brasília, sua persistência na busca pelo déficit zero em 2024. Embora tenha admitido a desidratação de algumas medidas enviadas ao Congresso Nacional, Haddad reforçou a importância de equilibrar as contas públicas não apenas por meio do aumento da arrecadação, mas também do crescimento econômico, caso o Banco Central prossiga com o corte dos juros.

A manutenção do déficit primário zero para o próximo ano, conforme estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, levanta questionamentos sobre os impactos desse controle nas áreas sociais, ferindo potencialmente as diretrizes do governo Lula para os próximos três anos. A ênfase na austeridade fiscal pode restringir investimentos, principalmente em setores fundamentais para o desenvolvimento social.

Haddad destaca a importância da Fazenda perseguir a meta de equilíbrio fiscal, afirmando que será feito à luz dos acontecimentos. Contudo, é crucial questionar a lógica por trás da insistência no déficit zero como condição sine qua non para o desenvolvimento. A falácia de que é necessário primeiro crescer para distribuir, é respaldada por Haddad ao continuar buscando o déficit zero. Esse conceito é sintetizado na expressão “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, atribuída ao ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, um dos formuladores do chamado “milagre econômico”, que ocorreu entre os anos de 1967 e 1973.

O ministro não descarta a possibilidade de enviar novas medidas ao Congresso Nacional ou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para atingir o objetivo de zerar o déficit nas contas públicas. Essa postura revela a disposição do governo em implementar medidas de austeridade, mesmo que isso signifique buscar soluções judiciais para alcançar metas fiscais.

Para atingir o déficit primário zero em 2024, o governo precisará obter R$168 bilhões em receitas extras. Haddad destaca a aprovação de medidas de tributação de setores mais ricos como parte desse plano. No entanto, a ênfase em medidas de austeridade fiscal pode gerar desafios adicionais, afetando negativamente a dinâmica econômica e social do país.

O governo, por meio da proposta de orçamento propositalmente apertada, está colhendo no Congresso o fruto por ele plantado. Esta estratégia, muitas vezes, é parte do jogo político, onde o centrão busca garantir vantagens em troca de sua aprovação. A significativa contrapartida exigida pelo centrão, com mais recursos para o fundo eleitoral (R$4,96 bilhões) e recorde de emendas parlamentares (R$53 bilhões) como condição para aprovar o orçamento, expõe a intrincada dinâmica e os obstáculos típicos do cenário político brasileiro.

Essa abordagem, no entanto, não ocorre sem consequências. A inelasticidade da projeção de gastos implica que determinadas áreas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outras, serão penalizadas. As restrições orçamentárias resultantes dessa negociação podem comprometer o desenvolvimento de setores cruciais para o país.

Surpreendentemente, para Haddad, que parece não priorizar o desenvolvimento econômico, a situação parece aceitável. A manutenção do foco no déficit zero parece ser a principal prioridade, mesmo que isso signifique sacrificar áreas vitais para o crescimento e o bem-estar da sociedade.

O ministro agradeceu ao Congresso Nacional pelas aprovações, ressaltando a estratégia de enviar gradualmente projetos e medidas provisórias para garantir tempo suficiente de debate. Essa abordagem, comparada pelo ministro a uma “cartela de remédios”, levanta questionamentos sobre a transparência e a urgência na implementação de políticas necessárias para o desenvolvimento do país.

O déficit zero, nesse contexto, emerge como uma espécie de mantra intocável, independentemente das repercussões e das demandas por investimentos em setores essenciais. Essa postura levanta questionamentos sobre a visão estratégica do governo em relação ao papel do Estado na promoção do desenvolvimento.

Ao priorizar o equilíbrio fiscal de forma tão rígida, o governo arrisca comprometer o potencial de crescimento econômico a longo prazo. A busca incessante pelo déficit zero pode, paradoxalmente, resultar em um cenário onde a economia não possui os estímulos necessários para prosperar.

Nesse contexto, é imperativo que as decisões orçamentárias sejam mais ponderadas, levando em consideração não apenas a estabilidade fiscal, mas também as necessidades prementes de investimento em infraestrutura, educação, saúde e outros pilares fundamentais para o progresso do país.

A estratégia do governo de buscar o déficit zero pode ter implicações sérias para o desenvolvimento do Brasil, especialmente quando a negociação política resulta em cortes em áreas essenciais. Haddad destaca conquistas do governo, como a retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a taxação de fundos exclusivos e offshores. No entanto, a postura conservadora em relação às estimativas oficiais pode gerar incertezas quanto à viabilidade das metas fiscais, especialmente quando se trata de receitas provenientes de setores específicos.

A perspectiva de continuidade nos cortes da Taxa Selic é uma estratégia para estimular os investimentos privados e combater a inflação. Haddad argumenta que a política fiscal e monetária não são separadas, contradizendo a crença predominante no Brasil.

Em meio a essas considerações, é crucial questionar se a busca incessante pelo déficit zero é a estratégia mais adequada para promover o desenvolvimento sustentável e a equidade social. A falácia de que é necessário primeiro crescer para distribuir merece uma reflexão mais profunda diante das complexidades econômicas e sociais do país. O ministro Haddad enfrenta o desafio de equilibrar austeridade fiscal com a promoção do bem-estar social, uma tarefa que exigirá diálogo constante com o Judiciário, o Legislativo e a sociedade.


Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

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2 Comentários

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  1. Comparar a política econômica do governo atual com a teoria do bolo do Delfim é uma ser muito simplista, para não usar um termo mais forte que pudesse ser mais justo. Ninguém está esperando nenhum bolo crescer. É exatamente o contrário! As medidas aprovadas, bem como as que serão levadas no próximo ano, são todas para garantir uma arrecadação suficiente para pagar os gastos já contratados no orçamento. O bolo já foi repartido, as medidas para ele crescer estão implementadas. A maior parte dos bilhões requeridos, mal descritos pelo autor deste artigo, já está coberta pelas medidas já aprovadas. Se houver necessidade, já existem outras medidas estudas para votar. Ninguém está falando em cortar gastos. É muita má vontade desta pretensa esquerda dizer que estamos com política fiscal restritiva. Os governos Lula I e II sempre tiveram superávits fiscais grandes e Selic real mais que o dobro que a atual. O autor considera que aquele foi um período de austericídio?

    1. Excelente comentário, enxergo da mesma forma. Parte da esquerda parece esquecer que temos que sobreviver à faca no pescoço até o fim de 2024, quando Lula poderá nomear seu presidente do Banco Central. Baixar os juros tem que ser a prioridade máxima, até para o próprio aumento da arrecadação, e a estratégia de Haddad é claramente a de tentar deixar Campos Neto sem argumentos; diz déficit zero sim, mas mediante combate à sonegação, fechamento das muitas brechas na legislação, tributação progressiva e crescimento da base. Quem critica precisa propor uma alternativa viável, do contrário em nada ajuda.

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