O Desequilíbrio Perfeito, por Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo

Derivativos são instrumentos financeiros que permitem a transferência do risco entre os participantes do mercado. É o risco de mercado

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O Desequilíbrio Perfeito

por Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo

Os preços teimam em ser desobedientes, irrequietos, inconformados, porque flutuam impiedosamente a toda hora! Teimam muitas vezes em subir e cair. Flutuam! Provocam neuroses e cardiopatias nos economistas, que teimam em controlar a realidade, são desmentidos todo dia! Viva a incerteza de não saber para onde vão no futuro!

Derivativos são instrumentos financeiros que permitem a transferência do risco entre os participantes do mercado. Refere-se ao risco de mercado, ou seja, aquele que envolve oscilações de preços.

Nos modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral a moeda é neutra, apenas unidade de conta e meio de troca. Os mercados financeiros, avaliadores da riqueza e definidores de sua distribuição entre as várias “oportunidades” da economia monetária, estão submetidos às amarras da Eficiência invocada por Eugene Fama.

Um derivativo ou contrato futuro, permite a qualquer um ter o direito de comprar e vender qualquer coisa hoje num futuro determinado. Qualquer coisa, de mercadoria a vento! Se você falar para um louco no hospício que ele pode comprar e vender uma taxa de juro ou um índice de ações, ele pede camisa de força!

Ao contrário do pensamento econômico mainstream, o mercado financeiro e principalmente, o mercado futuro, chega a transacionar trilhões de dólares por dia, uma capacidade produzir vento infinitamente maior do que produzir coisas. E, se esquecem ou fingem não perceber que um contrato futuro é capaz de transformar vento em dinheiro em apenas 24 horas!

Estima-se que o mercado de derivativos é parrudo. As avaliações mais certeiras garantem que é 10 vezes maior que PIB global. Seriam neutros, sem importância? Ao comprar ou vender um contrato futuro, é criado um fluxo de pagamentos e recebimentos diários, o chamado ajuste de margem de garantia. Esse ajuste pode ser positivo, um fluxo de caixa positivo em dinheiro, ou pode ser negativo. Se negativo, há necessidade de depositar dinheiro. A cada 24 horas esse fluxo pode mudar de positivo para negativo e vice-versa, dependendo do valor do ativo subjacente no dia.

“Em 2004, o preço do petróleo atingiu níveis recordes. À medida que o preço do petróleo WTI ultrapassou US$ 50/barril, tornou-se evidente que os interesses não petrolíferos – leia-se especuladores – detinham mais de 60% das posições nos mercados de derivativos de petróleo. O que esses investidores e traders estavam fazendo com o petróleo? Eles não pretendiam comprar ou vender o óleo físico. Investidores e traders compraram petróleo usando estruturas de derivativos para especular com as variações de preço.

O preço do petróleo deixou de refletir a dinâmica subjacente da oferta/demanda do mercado”. Hoje o volume de contratos futuro de petróleo negociados na bolsa de futuro é 30 vezes maior do que o mercado à vista.

Outro fenômeno constitutivo dos contratos futuros é alavancagem financeira, tanto de um especulador quanto de um produtor. Vejam:

“Digamos que você queira arriscar $ 1.000. Você pode comprar dez toneladas usando trigo para a frente, não a mísera tonelada se você realmente comprar o material real. Você usa seu dinheiro como depósito. Se o preço do trigo subir para US$ 1.500 (aumento de 50%), você ganha US$ 5.000 (cinco vezes o seu investimento). Há um problema. O que acontece se o preço do trigo não subir? Se o preço cair, você estará em apuros. Se o preço cair apenas 10% (para US$ 900/tonelada), você terá eliminado todo o seu investimento. Se o preço cair para US$ 500/tonelada (queda de 50%), você eliminará US$ 5.000 (cinco vezes o seu investimento original). Nero colocou de forma diferente: ‘Você acabou de limpar sua bunda com US $ 5.000.’ A alavancagem aumentou muito sua sensibilidade às flutuações de preços”.

Usam um véu para encobrir que tudo é precificado desde a taxa de juro e de câmbio. É bom lembrar que, a taxa de juros é o preço do dinheiro e a taxa de câmbio é o preço da moeda nacional em relação a moeda estrangeira e vice-versa. Flutuam que desgraça! Todo o santo dia! Quiçá minuto a minuto…

Os maiores volumes de operações no mercado futuro são de arbitragens entre moedas e taxa de juros, chegam a trilhões de dólares diários nos mercados organizados, as bolsas de futuros. O que é uma arbitragem, é apostar na diferença entre preços em duas praças diferentes. Onde o desvio abre, ou seja, é maior que a média histórica, abre oportunidade de ganho alavancagem, e acredita-se que volte para média.

Apostar nos dois preços mais importantes e incertos da economia, o juro e o câmbio, com derivativos é uma tentativa de ludibriar a incerteza quanto aos preços no futuro! Pergunto: se os modelos estocásticos de equilíbrio geral preveem o futuro com grau de certeza na casa dos decimais, por que o mercado futuro teima em não acreditar? Há algo de podre no reino na teoria econômica! Não?

Posso comprar e vender boi, soja, milho, arroz, petróleo etc., sem produzir nada!

“A diferença entre os contratos “a termo” e “a vista”, relativos a um bem como o trigo, que tem cotação no mercado, mantém uma relação definida com a taxa de juros do trigo, mas, desde que o contrato a termo é cotado em moeda para entrega futura e não em trigo para entrega imediata…” (Keynes, Teoria Geral, capítulo 17).

Posso apostar no juro americano, os treasuries, aqui na B3, sem ir ao Tio Sam, ou comprar qualquer título- em reais. Como posso apostar na taxa de juro do mercado interbancário, DI, na B3,sem comprar qualquer CDB e CDI. Porque títulos de renda fixa tem preço e oscilam todo santo dia, para cima e para baixo! Posso trocar juros por câmbio, através de um swap, onde duas partes definem prazo e valor do contrato, o perdedor paga ao ganhador, no vencimento o diferencial de preço de cada ativo!

Os derivativos foram criados como proteção às oscilações de preços no futuro para commodities e mercadorias. Mas viraram um fim em si mesmo. Essa é a forma da riqueza que realiza a supremacia do “capital fictício. Decisões de investimentos são mais rápidas que a velocidade da luz, guiadas pelas mudanças diárias dos preços futuros! No último dia 25 de outubro de 2024 foram negociados em
apenas um dia: Taxa de juros futura de DI 28 bilhões de dólares e de dólar futuro 35 bilhões de dólares.

“A usura centraliza a riqueza monetária”, elaborou Marx. “Não altera o modo de produção, mas se liga a ele como um parasita e o torna miserável. Ele suga seu sangue, mata seu nervo e obriga a reprodução a prosseguir em condições ainda mais desanimadoras. O capital do usurário não confronta o trabalhador como capital industrial’, mas “empobrece esse modo de produção, paralisa as forças produtivas em vez de desenvolvê-las”. Os derivativos não têm importância?

É o desequilíbrio perfeito! Porque ninguém sabe o futuro!

Só os economistas!

Manfred Back – Economista PUC-SP, mestrado FGV-SP. Ex-Trader (BOVESPA), ex-gestor de carteira e fundo de ações. Professor de economia e mercado de capitais.

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Desenvolvimento Econômico pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e doutor em economia pela Unicamp. Fundador da Facamp e conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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