O euro pode ser salvo?, por Joseph E. Stiglitz

Getty Images/H. Foerster

no Project Syndicate

O euro pode ser salvo?

por  Joseph E. Stiglitz

NOVA IORQUE – O euro poderá estar à beira de uma nova crise. A Itália, a terceira maior economia da zona euro, escolheu o que pode ser descrito como, na melhor das hipóteses, um governo eurocético. Isto não deveria surpreender ninguém. A reação negativa da Itália é um outro episódio previsível (e previsto) na longa saga de um acordo monetário deficientemente concebido, no qual a potência dominante, a Alemanha, entrava com as reformas necessárias e insiste em políticas que agravam os problemas inerentes, usando uma retórica aparentemente destinada a excitar os ânimos.

A Itália tem tido um fraco desempenho desde o lançamento do euro. O seu PIB real (ajustado pela inflação) em 2016 foi idêntico ao que era em 2001. Mas a zona euro, na sua totalidade, também não tem tido um bom desempenho. Entre 2008 e 2016, o seu PIB real aumentou apenas 3% no total. Em 2000, um ano depois da introdução do euro, a economia dos EUA era apenas 13% maior do que a zona euro; em 2016 era 26% maior. Depois de um crescimento real de cerca de 2,4% em 2017 – insuficiente para reverter os danos de uma década de mal-estar – a economia da zona euro está novamente a vacilar.

Se um país tem problemas, a culpa é do país; se muitos países têm problemas, a culpa é do sistema. E tal como explico no meu livro O Euro: Como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa, o euro era um sistema quase concebido para falhar. Retirou aos governos os seus principais mecanismos de ajuste (as taxas de juro e de câmbio); e, em vez de criar novas instituições que ajudassem os países a ultrapassar as várias situações em que hoje se encontram, impôs novas restrições – frequentemente baseadas em teorias econômicas e políticas desacreditadas – sobre os déficits, a dívida, e mesmo sobre políticas estruturais.

Supunha-se que o euro traria uma prosperidade partilhada, que melhoraria a solidariedade e promoveria o objetivo da integração Europeia. Com efeito, fez exatamente o contrário, ao retardar o crescimento e semear a discórdia.

O problema não está na falta de ideias para avançar. O presidente francês Emmanuel Macron, em dois discursos, na Sorbonne no passado mês de Setembro, e quando recebeu o Prémio Carlos Magno para a Unidade Europeia em Maio, defendeu uma visão clara para o futuro da Europa. Mas a chanceler alemã Angela Merkel acabou por lançar um balde de água fria sobre as suas propostas, sugerindo, por exemplo, quantias risivelmente reduzidas para investimento em áreas que dele necessitam urgentemente.

No meu livro, realcei a necessidade urgente de um modelo de seguros de depósitos, para evitar as corridas contra os sistemas bancários dos países mais fracos. A Alemanha parece reconhecer a importância de uma união bancária para o funcionamento da moeda única mas, tal com Santo Agostinho, a sua resposta tem sido “Senhor, dai-me a pureza, mas não agora”. A união bancária é aparentemente uma reforma a realizar algures no futuro, independentemente dos problemas que ocorram no presente.

O problema central de uma zona monetária reside na correção dos desajustamentos de taxas de câmbio, como o que afeta hoje a Itália. A resposta da Alemanha consiste em colocar o fardo sobre os países mais fracos, que já sofrem com o elevado desemprego e as baixas taxas de crescimento. Sabemos onde é que isto vai levar: mais dor, mais sofrimento, mais desemprego, e um crescimento ainda mais lento. Mesmo que o crescimento acabe por recuperar, o PIB nunca chegará ao nível que poderia atingir se tivesse sido prosseguida uma estratégia mais sensata. A alternativa consiste em transferir uma maior parte do fardo do ajustamento para os países mais fortes, e em programas de investimento governamental que apoiem salários mais elevados e uma procura mais dinâmica.

Já assistimos muitas vezes ao primeiro e segundo atos desta peça. É eleito um novo governo, que promete um melhor desempenho nas negociações com os alemães, para acabar com a austeridade e conceber um programa de reformas estruturais mais razoável. Se os alemães fizerem alguma concessão, não será suficiente para alterar a orientação da economia. O sentimento anti-alemão aumenta, e qualquer governo que sugira as reformas necessárias, independentemente de ser de centro-esquerda ou de centro-direita, é expulso do poder. Os partidos anti-sistema ganham terreno. E surge o impasse.

Por toda a zona euro, os líderes políticos estão entrando num estado de paralisia: os cidadãos querem permanecer na UE, mas também querem o fim da austeridade e o retorno da prosperidade. Dizem-lhes que não podem ter as duas coisas. Sempre na esperança de uma mudança de opinião no norte da Europa, os governos em apuros mantém a sua rota, e o sofrimento dos seus povos aumenta.

O governo do primeiro-ministro português António Costa, liderado pelos socialistas, é a exceção a este padrão. Costa conseguiu conduzir o seu país de volta ao crescimento (2,7% em 2017) e alcançar um elevado grau de popularidade (44% dos portugueses consideraram em abril de 2018 que o desempenho do governo estava acima das expectativas).

A Itália poderá vir a ser uma outra exceção – embora de um modo muito diferente. Aí, o sentimento anti-euro está presente tanto à esquerda como à direita. Com o seu partido de extrema-direita, a Liga, agora no poder, Matteo Salvini, líder do partido e político experiente, poderá levar a cabo os tipos de ameaças que neófitos de outras paragens recearam implementar. A Itália é suficientemente grande, e com suficientes economistas bons e criativos, para conseguir um afastamento de fato – implementando efetivamente uma moeda dual flexível que ajudasse a restaurar a prosperidade. Isto violaria as regras do euro, mas o fardo de um afastamento de jure, com todas as suas consequências, seria transferido para Bruxelas e Frankfurt, e a Itália contaria com a paralisia da UE para evitar a ruptura final. Independentemente do resultado, a zona euro ficaria desfeita.

Não precisaríamos de chegar a esse ponto. A Alemanha e outros países da Europa do norte podem salvar o euro, se demonstrarem mais humanidade e mais flexibilidade. Mas tendo assistido tantas vezes aos primeiros atos desta peça, não conto com eles para uma mudança de enredo.

 

Redação

5 Comentários

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  1. Joseph E. Stiglitz é um economista CAPITALISTA.

    Mais uma vez as pessoas se enganam com a notoriedade de alguns, que em momentos certos fazem análises corretas dos problemas, mas não tem a mínima capacidade de propor soluções que não sejam fora de sua casinha.

    Quando a campanha presidencial francesa Joseph E. Stiglitz participou como assessor do candidato do quase morto Partido Socialista Francês, partido que junto com outros partidos europeus de uma esquerda pequeno burguesa (como a italiana) levou ao descrédito para imensa parte da população do velho mundo nos que se chamava “esquerda”, inclusive levando a partidos realmente a esquerda, como a France Insumisse de Jean Luc Melenchon a recusarem a etiqueta de esquerda.

    Nesta campanha eleitoral houve debates entre economistas, e mais uma vez Stiglitz demonstrou a que vinha, o mais revolucionário que ele propunha era a criação de um Rendimento Universal, ou seja, uma Bolsa Família turbinada, algo como dez vezes a Bolsa Família brasileira que serve no nosso país para evitar que as pessoas morram de fome, por um rendimento universal que substituiria os inúmeros já existentes benefícios que os mais pobres recebem na França, por um só rendimento que garantiria que os desempregados estruturais franceses continuassem desempregados, que os pobres continuassem pobres, mas que os franceses das classes mais favorecidas continuassem a retirar empregos dos pobres e continuar a retirada da mais-valia dos trabalhadores. Ou seja, seria uma bolsa “cala o boca” e continue vivendo sua vidinha sem nos incomodarem.

    Neste artigo fica claro exatamente o que Stiglitz deseja através das suas últimas frases:

    “….Isto violaria as regras do euro, mas o fardo de um afastamento de jure, com todas as suas consequências, seria transferido para Bruxelas e Frankfurt, e a Itália contaria com a paralisia da UE para evitar a ruptura final. Independentemente do resultado, a zona euro ficaria desfeita.

    Não precisaríamos de chegar a esse ponto. A Alemanha e outros países da Europa do norte podem salvar o euro, se demonstrarem mais humanidade e mais flexibilidade. Mas tendo assistido tantas vezes aos primeiros atos desta peça, não conto com eles para uma mudança de enredo.”

    Em resumo, fica claro o que Stiglitz deseja, continua o saque do capitalismo sobre a população em geral, mas com mais humanidade, ou seja, no lugar de uma baguete pela manhã, seriam duas.

     

  2. Project Syndicate! Sindicato de quem, de ladrões?

    Até agora tenho lido estes artigos de este tal de Project Syndicate, que o nome pode parecer simpático a primeira vista, mas que é na realidade uma tentativa de estabelecer um liberalismo 3.0. Três ponto zero porque simplesmente ultrapassa o projeto original o 1.0, as variantes mais atenuadas e mais “civilizadas” que não gostariam de ver pobres morrendo de fome na frente de suas casas, ou seja, o “liberalismo 2.0” e evoluindo para um liberalismo travestido de esquerda o 3.0.

    Em resumo, estão vendo que vai para o saco o esquema, e se colocam adiante para terem credibilidade num futuro que não está muito longe.

  3. A pergunta correta deveria ser: O Euro deve ser salvo?

    Dentro do esquema liberal europeu, com um banco central praticamente independente, seguindo uma política mais liberal do que outros blocos, esta estrovenga que é o Euro, só pode dar problema.

  4. Não é economia, é política..

    A combinação de deficit extratosférico + eliminação de postos de trabalho/destruição da capacidade produtiva + a concentração de renda inerente ao sistema capitalista e turbinada nas últimas décadas pelo creditismo, vai produzir um colapso nos EUA à medida em que o comércio internacional abandonar o padrão petro-dolar, e isso já está acontecendo.

    Estima-se que até 2015 o dólar deixe de ser padrão para o comércio internacional.

    Sendo assim, Trump, que de burro só tem a cara, começou a reconstruir a indústria norte americana e vem criando barreiras protetivas através do aumento de impostos de importação, a chamada guerra comercial, que dizem que é contra a China, mas é bom a UE colocar as barbas de molho.

    O objetivo dele é um “pouso suave” do império.

    Sonha até com uma espécie de G3, composto por EUA, Rússia e China. Uh-la-la!

    Acontece que EUA/UE destruíram o Oriente Médio e a África Setentrional, certo?

    Desmontaram estados, assassinaram pessoas, roubaram, estruparam, fizeram o escambau.

    A Líbia é um símbolo.

    Um país próspero, estável, com uma grande quantidade de serviços públicos gratuitos para a população, não estava em guerra com ninguém, não invadiu país nenhum, nada.

    Mas o seu líder tentou vender uns litros de petróleo sem usar o dólar e foi decapitado..

    .. o país inteiro destruído..

    .. a situação social na Líbia está tão deteriorada a ponto de haver mercado de escravos por lá..

    .. sim, compra e venda de pessoas..

    Podíamos ficar o dia todo aqui citando exemplos, mas vamos pensar nas consequências..

    .. quais as chances desse povo, estou falando de milhões de pessoas, “fugir” para a Europa?

    Totais!

    Já está acontecendo.

    Já existe cidade na Europa onde a maioria da população é muçulmana..

    .. e eu tenho a impressão de que os muçulmanos, fazendo maioria na Europa, não vão rejeitar seus irmãos fugidos da desgraça que os europeus fizerem em seus países..

    Moral da história, eu acho que a Europa, tal qual a conhecemos, deixará de existir.

    Então, o questionamento do texto é um pouco superficial, a questão não é se o euro, mas sim a Europa vai sobreviver.

    Porque é óbvio que a reação a esse movimento, que é real, já está acontecendo nesse momento, será o aumento de barreiras, por si só uma antítese ao conceito de “união” europeia.

    Vão se separar e torcer para que o problema, que atingirá primeiro os países mais próximos das fronteiras com a África e Oriente Médio, não chegue até eles..

    .. e o Trump bonitão, na boa, separado por um oceano, mas por via das dúvidas já mandou fazer um muro na fronteira com o México e começou a implicar com os canadenses..

    É porque todos contam, também, com uma guerra do Irã contra os estados artificiais criados pelos europeus na região, e isso vai fechar a torneira do petróleo (é a primeira coisa que os caras bombardeiam) e produzir um colapso mundial.

    Prá onde o povo vai correr?

    Não é uma questão de economia.

  5. É bem possível que a vantagem

    É bem possível que a vantagem dos EUA sobre a Europa no desempenho econômico desapareça se levarmos em conta crescimento na renda per capita ao invés de crescimento econômico. A diferença de 13% em 18 anos é mais ou menos igual à diferença acumulada entre o crescimento populacional dos EUA no período (0,7-0,8% ao ano) e o creascimento da Europa (próximo de 0)

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