Paul Krugman e o clima de guerra entre economistas

Da Exame

Hoje o clima é de guerra entre economistas, diz Paul Krugman

Antes de 2008, os economistas pareciam se entender, ilusão dissipada pela crise. Hoje, o clima na profissão é quase de guerra — reflexo da incompreensão geral sobre o mundo que nos cerca

São Paulo – O ano de 2008 foi um dos mais marcantes na vida do economista americano Paul Krugman, professor de economia e assuntos internacionais da Universidade de Princeton e articulista do jornal The New York Times. Foi premiado com o Nobel de Economia e viu suas previsões se materializar com o estouro da crise financeira e econômica nos Estados Unidos.

A partir de então, ganhou um status quase de astro de rock’n’roll — na medida em que isso é possível para um economista, claro. Krugman passou a despertar paixões — para o bem e para o mal — dignas do show­biz. Isso tudo porque se notabilizou como um dos expoentes da batalha intelectual deflagrada pela crise — a luta dos principais economistas do mundo para fazer valer a própria explicação do desastre e, principalmente, para propor soluções.

Com seus artigos e palestras, Krugman aumentou o tom das críticas aos defensores da tese do Estado mínimo e abriu uma trincheira para abrigar os adeptos das ideias do britânico John Maynard Keynes, economista que defendia o estímulo da demanda com o aumento dos gastos públicos para tirar um país da recessão. Passados quatro anos, Krugman, a pedido de EXAME, fez um balanço de como a crise afetou o pensamento econômico — e de como vai influenciar as tendências das próximas décadas.

A seguir, a entrevista.

EXAME – Até que ponto a crise de 2008 mudou o debate entre os economistas?

Paul Krugman – Bom, deveria ter mudado dramaticamente. As pessoas têm sido relutantes em questionar seus pontos de vista, embora a crise tenha confronta­do muitos deles. Alguns dos temas ficaram mais proeminentes no debate, como a questão de uma economia em depressão — situação em que a economia persistentemente não reage e políticas normais não funcionam.

Cinco anos atrás, esse era um assunto periférico nas discussões, mas agora se tornou central. Em parte do século 20, os eco­nomistas tinham uma boa noção do que significava uma aguda falta de demanda. O tempo passou, e esse ensinamento foi, infelizmente, esquecido.

Algo que me surpreendeu, que fez com que eu repensasse minhas convicções, foi o fato de não ter havido uma deflação mesmo com taxas de desemprego prolongadas. Aprendemos que a resistência dos preços é muito maior do que indicavam nossos modelos anteriores. No entanto, tem havido muito menos mudanças no debate econômico do que o esperado.

EXAME – Os defensores do Estado mínimo não estão agora na defensiva?

Paul Krugman – Claramente estão. É preciso muita ginástica intelectual para defender que o livre mercado estabiliza a si mesmo. Muitos economistas até criaram explicações para que as persistentes e elevadas taxas de desemprego não sejam mais consideradas deficiência do mercado. Mas certamente esse não é um ambiente muito amistoso a quem defenda o rigoroso funcionamento do livre mercado.

EXAME – O senhor diria que o debate está mais equilibrado hoje do que há cinco anos?

Paul Krugman – Por um lado, está mais equilibrado, mas também está mais polarizado. O estranho é que não houve reconhecimento de que havia algo errado com o paradigma anterior. O que há são algumas pessoas, como eu, dizendo que havia algo muito errado e sugerindo que precisamos repensar a questão de como as economias falham. Mas o outro lado desse debate fincou os pés no chão e não retrocedeu em nada nas suas posições.

EXAME – E por que é assim? 

Paul Krugman – Há muitas pessoas envolvidas pessoalmente e pro­fissionalmente nessa visão de livre mercado. Elas não são capazes de moderar seus pontos de vista. Também fica claro que a economia não está isolada do universo político. Como há uma disputa política sobre o futuro das sociedades ocidentais, isso afeta o debate econômico.

EXAME – Qual foi a última vez que a discussão esteve tão polarizada entre os economistas?

Paul Krugman – Temos de voltar aos anos 30 e 40 do século passado, quando a revolução keynesiana estava só começando e muitos economistas eram furiosamente contrários a qualquer uma dessas noções de intervenção do Estado para criar crescimento. Estamos, de certa forma, recapitu­lando a história intelectual dos anos 30. Isso é meio triste, pois imaginávamos ter progredido bastante. Agora, estamos passando pelas mesmas questões.

EXAME – A crise foi benéfica para o debate?

Paul Krugman – Tínhamos, antes, uma falsa sensação de sucesso. Muitos economistas acreditavam ter as ferramentas e a compreensão para oferecer recomendações úteis durante uma crise. Descobriu-se que, quando a crise chegou, esse kit de primeiros socorros não existia. Vivíamos até certo ponto em um paraíso de tolos, no qual achávamos que tínhamos dis­cussões coesas e coerentes sobre macroeconomia, mas, na verdade, havia muito pouca concordância.

Estamos vivendo uma época de fortes disputas e xingamentos entre velhos cansados, como eu, mas também de excelentes pesquisas feitas pelos mais jovens. Ou seja, colocando na balança, tudo isso é bom para o debate econômico, mesmo que seja de forma muito dolorida.

EXAME – Que tipo de pesquisa tem sido desenvolvido? 

Paul Krugman – Há muita pesquisa sobre assuntos como os impactos da dívida e da alavancagem. Esses eram assuntos pouco estudados. Há mais pesquisa sobre o setor financeiro e como ele afeta a economia real — área que era surpreendentemente pouco investigada.

A política fiscal e o efeito de mudanças nos gastos e impostos governamentais também eram pouco analisados, pois todos achavam que precisávamos apenas de política monetária. Na academia, o quadro está muito diferente. Houve mais pesquisa séria, informativa e empírica sobre a política fiscal nos últimos cinco anos do que nos 25 anteriores.

EXAME – Isso quer dizer que a economia está no caminho para ser uma ciência mais próxima das exatas?

Paul Krugman – A economia não é uma ciência experimental, como a física. O que temos são experiências naturais: o país “A” segue um plano de austeridade e o país “B” não segue. Como seus desempenhos se comparam? Esse tipo de abordagem é o principal caminho que temos para trilhar.

Agora, é inegável que a economia está ficando mais científica. Antes da crise, alguns economistas permitiram que construções teóricas definissem sua visão de mundo. Seus modelos teóricos falavam mais de como as coisas deveriam acontecer do que como funcionavam na realidade. Ao adotar essa postura, não deixavam que os dados falassem por si mesmos. Isso mudou. Estamos seguindo em outra direção agora.

EXAME – Se essa abordagem mais “científica” continuar avançando, a polarização entre os economistas pode um dia acabar?

Paul Krugman – Tenho minhas dúvidas. Sempre haverá pessoas com interesse em apoiar visões que as beneficiem. Fora isso, as ciências estão cheias de exemplos de pessoas que continuam trombando contra as verdades estabelecidas. Pense, por exemplo, em quem nega o aquecimento global ou, até mesmo, a Teoria da Evolução. Vai demorar muito para que tenhamos algo que se pareça com uma economia neutra. Certamente devemos ter isso como ideal, mas não acredito que vá ocorrer.

EXAME – O senhor parece se referir a quem discorda de suas opiniões como pessoas mais comprometidas com os próprios interesses do que com a verdade. É isso mesmo?

Paul Krugman – Nem todos os que discordam das minhas opiniões são desonestos. Posso ter discussões sérias com pessoas que chegam com dados e têm in­ter­pretações diferentes das minhas. No entanto, muita gente descarta qualquer tipo de pensamento analítico. Simplesmente começa a discussão pelas con­clusões e, depois, se tranca em sua fortaleza. Comporta-se mais como um advogado defendendo um caso do que como um economista tentando analisar uma situação.

EXAME – Uma das ideias que ganharam força nos mercados emergentes nos últimos anos é a do capitalismo de Estado. O senhor acredita que isso será uma tendência? 

Paul Krugman – Não tenho certeza. Temos muitos países emergentes tentando manter sua moeda subvalorizada, acumulando grandes reservas em moeda estrangeira e ficando sem saber bem o que fazer com elas. Então, esses países acabam utilizando esse dinheiro para realizar investimentos no exterior por meio de suas empresas estatais. Esse claramente é o caso da China. No longo prazo, essa estratégia não deve dar muito certo simplesmente porque os retornos dessas aplicações realizadas no exterior tendem a ser baixos.

EXAME – Há anos os economistas preveem uma grande crise na China. Primeiro devido às fraquezas de seu sistema bancário, depois por causa da crise nos principais destinos das exportações chinesas. Qual é sua opinião?

Paul Krugman – Embora tenha feito várias coisas que pareçam economicamente irracionais, a China tem forte crescimento e um governo preparado para investir e estimular quando necessário. Mas pode ser que, em algum momento, venha a ocorrer uma crise que os chineses não consigam gerir.

A história do Japão foi exatamente assim. Por vários anos, alguns economistas previam coisas ruins, que nunca aconteciam. Os analistas não demoraram a declarar que o Japão tinha tudo sob controle e que absolutamente nada podia dar errado com a economia do país. Aí, claro, deu tudo errado.

EXAME – O governo brasileiro parece empenhado na criação de campeões nacionais — a formação de empresas com tamanho suficiente para brigar pelos primeiros lugares no ranking internacional dos setores em que atuam. O que o senhor acha dessa estratégia?

Paul Krugman – Essa estratégia não funcionou bem em nenhum lugar do mundo. Quem defende essa tese costuma citar a experiência francesa, mas a verdade é que as evidências não são convincentes. O fato é: não há empresas com importância e sucesso global que sejam produto dessa estratégia.

EXAME – Há quem argumente que as empresas da Coreia do Sul e do Japão são exemplos bem-sucedidos dessa política?

Paul Krugman – No caso da Coreia do Sul, o sucesso não foi ba­sea­do nas empresas que o governo decidiu promover. No caso do Japão, essa afirmação é mais absurda ainda. O clássico argumento de que foi a promoção de empresas pelo governo japonês que resultou no sucesso do país não é válido. Falo isso porque trabalhei muito nesse tema quando o Japão era considerado um grande sucesso global e nunca encontrei comprovação nenhuma de que esse tenha sido o caso.

Luis Nassif

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