Crescimento do PIB: análise econômica ou viés político-ideológico?
por Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
O crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2024, que acabou fazendo com que o Banco Central revisasse as estimativas do PIB para 3,2% para o corrente ano, “surpreendeu” os analistas de mercado e jornalistas econômicos que esperavam, na grande maioria, uma taxa de crescimento bem menor.
Por outro lado, no início deste mês, o mercado foi mais uma vez “surpreendido” pela elevação, por parte da agência de rating Moody’s, da nota de crédito do Brasil de Ba2 para Ba1, com perspectiva positiva. Segundo a Moody’s, a elevação da nota brasileira reflete a melhora significativa no crédito do país, incluindo um crescimento mais robusto do PIB e um histórico crescente de reformas econômicas e fiscais.
Motivos para o bom resultado da atividade econômica não faltam: a taxa de desemprego caiu para 6,6% ao ano no trimestre junho-julho-agosto, a massa salarial cresceu, o salário-mínimo tem crescido em termos reais, os programas sociais do governo federal foram turbinados (incluindo o gasto com Bolsa Família) e o programa “Minha Casa, Minha Vida” voltou a estimular a construção civil.
Os principais componentes, tanto de demanda, quanto de produção, deste crescimento foram os seguintes. Pelo lado da demanda, a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu 5,7% e o consumo das famílias teve expansão de 4,9%, na comparação com o mesmo trimestre do ano passado. No que diz respeito ao lado da produção, o incremento da indústria foi 3,9% e o setor de serviços cresceu 3,5%, comparativamente ao segundo trimestre de 2023.
Analisando-se mais detalhadamente os dados divulgados pelo IBGE, chama atenção o indicador FBCF/PIB, que se elevou para 16,8%, e o crescimento de 3,5% da construção civil, importante setor que sinaliza o desempenho da economia. É importante ressaltar que as expansões do investimento e da construção civil ocorreram mesmo em um contexto monetário adverso, em que as taxas de juros, nominal e real, esta deflacionada pelo IPCA, atingem 10,75% ao ano e 5,7% ao ano, respectivamente, sendo que a última é uma das maiores do mundo. Essas considerações são importantes, pois o investimento produtivo é a “causa causans” da capacidade de expansão de longo prazo da economia.
O ponto negativo ficou por conta do setor agropecuário que apresentou queda de 2,9% ao ano, frente ao segundo trimestre de 2023. Segundo o IBGE, as explicações para o recuo do setor estão associadas ao fato de que no ano passado o agronegócio teve um desempenho robusto e, portanto, a base de comparação fica comprometida, e porque houve intempéries climáticas, tais como secas no centro-oeste e enchentes do sul do país, que acabaram afetando o setor.
A despeito dos bons indicadores da economia real, os analistas de mercado e jornalistas econômicos não somente se mostraram surpresos com a atual dinâmica da economia brasileira, mas, de forma exagerada, argumentaram que a irresponsabilidade fiscal do governo e o desequilíbrio do setor público, bem como a ausência de uma agenda de reformas estruturais, tendem a acelerar a inflação e comprometer a trajetória de crescimento do PIB.
Em outras palavras, o Brasil estaria fadado a um baixo crescimento, uma vez que as estimativas do PIB potencial apontariam para um crescimento de 2,0 a 2,5% ao ano, como se o produto potencial fosse uma variável estática no curto e médio prazo, não sendo influenciado pelo crescimento da demanda no longo prazo. Nesse particular, cabe lembrar que há vários estudos empíricos que mostram haver uma relação robusta entre crescimento da demanda e crescimento do PIB no longo prazo, pois as empresas somente estão dispostas a investir, ampliando capacidade produtiva e incorporando progresso técnico, se tiverem uma perspectiva de aumento de suas vendas no longo prazo.
Ademais, existe de fato um problema de histerese (entendido como uma posição cíclica da economia afetando sua tendência de crescimento) no cálculo do produto potencial: o relativamente baixo desempenho da economia brasileira entre 2014 e 2023, cujo PIB médio foi de 0,6% ao ano, ao contrário do forte crescimento médio anual de 3,9% no período 2004-2013, faz com que o cálculo do produto potencial – visto a partir de um espelho retrovisor – seja baixo. Isto porque sendo ele uma variável não observável, normalmente sua estimação é feita através de “média de métricas estatísticas”, incluindo extração de tendência linear, exponencial e quadrática e o Filtro Hodrick-Prescott (HP), com base em dados passados.
Essa discussão nos faz lembrar uma máxima do economista polonês Michal Kalecki: o longo prazo é uma sucessão de curto-prazos. Dado que não há nenhum descontrole inflacionário a vista, um crescimento moderado e sustentado da demanda deve ser visto como um fator positivo para o crescimento econômico de longo prazo, sem prejuízo de políticas industriais voltadas para estimular uma mudança estrutural na economia. Para tanto é fundamental que o governo – incluindo o Banco Central – consiga fazer um correto gerenciamento da demanda agregada da economia, utilizando um bom mix da política monetária, fiscal e cambial.
Concluindo, é oportuno lembrar que, como dizia a professora Maria da Conceição Tavares, recentemente falecida, análises econômicas devem ser feitas com base em argumentos lógicos e empíricos, e não com viés puramente político-ideológico. Acrescentaríamos, parafraseando e resgatando a passagem de uma carta escrita em 16 de julho de 1928 por John Maynard Keynes para seu amigo e discípulo Roy Harrod, na qual ele diz “[e]u também quero enfatizar com veemência a questão de a Economia ser uma ciência moral”, que princípios éticos e morais também são imprescindíveis para as análises econômicas.
Fernando Ferrari Filho – Professor Titular do PPGE/UFRGS e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB)
Luiz Fernando de Paula – Professor do IE/UFRJ, Coordenador do GEEP/IESP-UERJ ex-presidente da AKB
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Os possuidores de capital tem como objetivo a acumulação. As formas dessa acumulação são diversas. Existem àquelas que dependem de um dado risco para poder produzir ou reproduzir o volume de capital aplicado ou arriscado. Essa conversa acerca das questões fiscais no Brasil pelo mercado, não tem intenção de que isso seja resolvido. Com tudo o que se relaciona a juros sendo afetado a maior ou a menor por essas taxas aplicadas no País, essa condição para fazer investimentos é baixa. O crescimento médio citado de 0,6 pp ao ano entre 2014 e 2022, é pra ser pensado. A rolagem da dívida pública é feita e o tesouro nacional sofrerá um déficit que será pago pegando dinheiro emprestado. Com essas taxas de juros, quanto mais o governo corta despesas, sem um crescimento que cause dinâmica na economia, pior vai ficar o quadro. A economia é caso de realização. Os curtos prazos sucessivos citados e o colhido ao longo prazo.