
Preços mais sujeitos à influência da seca ainda explicam 73% da inflação
por Lauro Veiga Filho
O cenário entre a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês passado, aferido entre 30 de agosto e 27 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado há duas semanas, e o anúncio da “inflação prévia” de outubro, ocorrida na quinta-feira, 24, pouco se alterou. Na verdade, os preços seguiram fundamentalmente as tendências já esboçadas pelo IPCA “cheio” de setembro, mas com alguma aceleração observada “na margem” para os itens mais sujeitos aos impactos da estiagem mais alongada – um comportamento, no caso do clima, que vai se configurando como o que tem sido chamado de “o novo normal climático” nesses tempos de aquecimento das temperaturas médias em todo o globo.
Mas o mundo literalmente caiu logo na sequência da divulgação do IPCA-15 de outubro, medido entre 14 de setembro de 11 de outubro, incluindo quase integralmente, portanto, as duas últimas semanas do mês passado, parcialmente cobertas pela pesquisa que resultou no IPCA de setembro. De certa forma, as tendências agora anotadas para os preços em geral, mas sobretudo para alimentos e energia elétrica, estavam já esboçadas no índice que registrou a variação dos preços nas quatro semanas do mês passado. Bastou o IBGE divulgar o IPCA-15 de 0,54% para os 30 dias finalizados em 11 de outubro para a “guerrilha austericida” reforçar sua artilharia, não recomendando, mas exigindo mesmo uma atuação mais vigorosa da política monetária diante de uma suposta “leniência” da equipe econômica na área fiscal.
Círculo vicioso
Na visão dos “guerrilheiros da austeridade”, o combate à inflação deve se dar única e exclusivamente em duas frentes, de preferência em combinação perfeita: arrocho nas despesas públicas e arrocho ao crédito, com alta indeterminada e sequencial dos juros básicos, ainda que isso venha a sacrificar as possibilidades de crescimento futuro da economia, ao afugentar investimentos, bloqueando a capacidade de ampliação da oferta de bens e serviços mais à frente, o que poderia aliviar as pressões de alta eventualmente geradas por uma demanda mais aquecida. O que propõe é a continuidade de um círculo vicioso, perpetuando-se os gargalos na ponta da oferta em todo o setor econômico e potencializando os riscos de recaídas inflacionárias adiante, frente à incapacidade de a economia suprir toda a demanda futura.
O fato concreto é que o setor público brasileiro deverá realizar neste ano um esforço fiscal expressivo, mas não reconhecido pelo conservadorismo econômico que predomina no debate econômico, sustentado pela imprensa corporativa. Mais uma vez, são projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), não de alguma fundação, instituto ou organização “terrivelmente comunista”, para parafrasear uma construção medíocre em sua formulação e vazia de significados, mas adotada pelo extremismo de direita por aqui.
O déficit primário (receitas menos despesas, excluídos gastos com juros) do setor público brasileiro tende a baixar de 2,0% para 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2023 e 2024, num ajuste em torno de 1,5 pontos percentuais. Na média, as economias avançadas tenderão a repetir neste ano o rombo de 2,7% observado em 2023, com os países emergentes anotado ligeira elevação de 3,3% para 3,5%.
As projeções do fundo, nem sempre confirmadas pela realidade, é verdade, sugerem que o Brasil parece seguir na contramão do restante do mundo ou de grande parte dos países, pelo menos. Mas a “brigada austericida” cobra da equipe econômica um déficit próximo de zero ou mesmo um superávit, a pretexto de “estabilizar” as expectativas inflacionárias, ouriçadas pela perspectiva de avanço das despesas que beneficiam os mais pobres.
Efeitos da estiagem
A elevação do IPCA-15 para 0,54% em outubro, diante de 0,44% nas quatro semanas de setembro e de apenas 0,13% registrados entre as duas semanas finais de agosto e as duas iniciais de setembro, teve como principal fonte as altas nos preços dos alimentos e da energia. Ambos setores afetados pela estiagem, com impactos sobre carnes e leite, de um lado, e sobre as tarifas da energia elétrica residencial, diante da necessidade de adoção da bandeira tarifária vermelha. Neste último caso, o objetivo evidente é remunerar as termelétricas a diesel e óleo combustível extremamente caras e poluentes. Num efeito secundário, o encarecimento da energia tenderia a desestimular seu consumo de forma a poupar os reservatórios, esvaziados pela seca.
A normalização das chuvas tenderá a alterar esse cenário nas próximas semanas (obviamente, a depender da regularidade e intensidade das precipitações), o que deverá abrir espaço para uma redução nos custos da energia. A normalização da oferta de carnes e de leite tende a ser mais demorada, sinalizando o esgotamento ou pelo menos o esmorecimento das pressões altistas naquelas duas áreas. Acreditar que mais um aumento dos juros neste momento contribuiria para recompor a oferta daqueles serviços e produtos e fazer os preços refluírem parece ser um exercício de magia, para dizer o mínimo.
Os dados do IBGE mostram que 71,9% da inflação de setembro tiveram como origem as altas de 0,34% e de 0,56% na alimentação fora de casa e no domicílio e o aumento de 5,36% nas tarifas de energia. A contribuição de cada setor ficou assim distribuído: alimentação fora e dentro de casa com influência de 0,02% e de 0,09%, restando uma contribuição de 0,21% para a energia. Na soma geral, portanto, os três setores anotaram uma “inflação” de 0,32% aproximadamente. O que significa que a inflação dos demais setores teria alcançado perto de 0,12%.
No IPCA-15 de outubro, o custo da alimentação dentro de casa subiu para 0,66% ao mesmo tempo em que a “inflação” da alimentação fora do domicílio saltou para 0,95%, com elevação ainda de 5,29% para a energia. Somados, os três segmentos responderam por 73,2% da inflação, com variação conjunta de quase 0,40%, o que deixaria os demais setores com uma inflação de 0,14%. Com a exclusão das passagens aéreas, que haviam subido 4,64% em setembro e agora despencaram 11,4%, a taxa de alta dos demais preços avançou de 0,09% para 0,22% (o que sugere uma inflação anualizada de 2,57%).
Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.