
Questão de prioridade
por Antonio Machado
Distrações tiram foco do investimento transformador, inclusivo e que afasta riscos externos
A geopolítica global está bagunçada, sendo a reeleição contestada do presidente autocrata da Venezuela, Nicolás Maduro, só o último de tantos conflitos, além de mais próximo de nossos interesses que as disputas no Oriente Médio, a invasão da Ucrânia pela Rússia e o expansionismo marítimo da China no Sudeste e no Leste da Ásia.
Tudo isso é distração para um governo apegado à política externa, que desvia atenções sobre o que é prioritário na cena doméstica.
A realidade política e econômica continua volátil, condicionada por três fatores simultâneos, que deveriam estar mais bem avaliados.
O primeiro é que o presidente Lula foi eleito por margem estreita de votos, apenas 2,139 milhões, e ainda assim por ter sido apoiado no segundo turno por grupos de centro-direita e centro-esquerda não afins, historicamente, ao seu PT. E governa graças a um arranjo precário com partidos de direita, o centrão, e de centro (todos com projetos dissociados do governo para 2026), já que o bloco de esquerda é amplamente minoritário no Congresso.
O segundo fator condicionante da cena política doméstica vem da governança econômica, conduzida por objetivos de gestão centrados nas tentativas em geral frustradas de redução do ritmo de expansão da dívida pública bruta, hoje de 77,8% do PIB, ou 62,2% líquida.
Não é uma enormidade, exceto por ter sido contraída, grosso modo, não para alargar a base produtiva e de infraestrutura. Foi para bancar gastos ociosos dos três poderes, e redundantes nos três níveis federativos, acrescidos de transferências de renda para suprir a carência de bons empregos devido ao baixo dinamismo econômico, além de a educação não formar o cidadão para o mercado.
Isso tudo explica os desatinos da política, o crescimento que não é transformador nem inclusivo e a desconfiança da sociedade nas instituições, criando desarmonia social, violência e radicalismo.
Deformidades e distorções
Tais distorções estruturais das contas públicas são estressadas pela indexação das rubricas sociais ao desempenho da arrecadação tributária, além de outro tanto ser corrigido pela inflação. É uma corrida em que o gasto corre à frente da receita, gerando déficits primários (sem juros da dívida) e nominais (que os englobam).
Tais déficits obrigam o Tesouro a se endividar por meio de papéis colocados no mercado financeiro, tornando-o sócio da execução monetária do Banco Central, ou seja, da taxa básica de juro Selic, que contamina o custo do dinheiro em todas as formas de crédito.
Nessa maratona de interesses, o investimento é o maior derrotado, seja por ser a rubrica oferecida a corte nos planos de “arcabouço fiscal”, seja porque a política fiscal leniente torna restritiva a política monetária, que implica juros onerosos ao financiamento e ao crédito, especialmente de maior prazo. Assim estamos e não há base parlamentar para mudar nem vontade do executivo em tentar.
O terceiro fator condicionante deriva dos outros dois: o BC põe o juro nas alturas para conter a demanda impulsionada pela leniência fiscal e sua sequela inflacionária. Isso atende ao Tesouro, que se escora na Selic para empoçar no giro da dívida o caixa de empresas e bancos e o patrimônios de pessoas ricas daqui e de fora.
Não há investimento produtivo que resista às deformidades fiscal e monetária, ambas expressões da política lato sensu sem beira.
Cenários adversativos
As consequências deletérias desses impasses passam despercebidas na fotografia porque, no flagrante dos indicadores, há redução da taxa de desemprego (6,9% da força de trabalho, a menor taxa desde o segundo trimestre de 2014), o salário médio vem subindo, não se fala em recessão industrial (que voltou ao nível de 2009). Mas…
Sim, tem mas, porém, contudo, e todas as conjunções adversativas.
Esse é um crescimento econômico movido por gasto público, em boa parte, e alguma retomada do crédito, que até poderia ser maior se os programas para ajudar o desendividamento de pessoas e empresas fossem mais ousados e o BC sentisse conforto para desinflar como vinha fazendo a taxa Selic, parada em 10,5%, contra inflação de 4,23% em 12 meses até junho. É um bom cenário, mas não garantido.
O investimento em novas atividades, especialmente com atualização tecnológica de ponta, e em infraestrutura é o que tira a estagnação que nos prende ao que destaca estudo do Banco Mundial divulgado esta semana: a “armadilha da renda média”. Para rompê-la são necessárias reformas de todo tipo e, sobretudo, disposição dos empresários e vontade dos governantes e políticos em executá-las.
E voltamos às distrações já faladas: se é difícil fazer reformas e dar segurança econômica, jurídica, financeira ao capital privado e estatal em cenários de maioria parlamentar, além de um executivo capacitado para tanto, sem tais condições aí que não se faz mesmo.
Soluções para desengessar
O tempo passa, mas há tempo e jeito para ajustes de rota. Grandes mudanças no tal arcabouço não acontecerão com a atual configuração ministerial. Um ajuste principista seria assumir que, noves fora o desmonte de desonerações, chamadas de gasto tributário, obsoletas, não há força política e social para aumentar a carga tributária.
O que há é espaço para grandes ganhos na gestão pública por meio do emprego maciço de tecnologia da informação, vulgo digitalização de processos. Em dois anos, no Paraná, um programa que considera a redução orgânica do número de aposentados e o emprego de softwares racionalizadores de mão de obra, portanto, sem prejuízo tanto para os serviços à população quanto à gestão, deve liberar R$ 2 bilhões em investimentos públicos até meados de 2026.
Estendido a estados, municípios e sobretudo à União, um programa com tal envergadura deve economizar dezenas de bilhões de reais, e com o benefício de todas as ferramentas estarem à disposição.
Compreender também que, mais que financiamento público e privado, a carteira de obras de infraestrutura carece é de aportes diretos nos ativos licitados para deslanchar esse investimento, que alavanca a importante indústria de máquinas e equipamentos.
Como temos escrito aqui: soluções existem e são mais eficientes e atrativas que as políticas em curso. Só tem que conhecê-las.
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