A Greve dos Caminhoneiros e o biodiesel (1/2), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

O Brasil briga, cabeça a cabeça, com os Estados Unidos como maior produtor e exportador de soja do planeta. Como ambos exportam grãos, é de se supor que o processamento não seja significativo na geração de valor.

A Greve dos Caminhoneiros e o biodiesel (1/2)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

As últimas notícias consideram a possiblidade de a intenção da greve de caminhoneiros estar a serviço dos agronegócios, será?

Pelo que dizem, o propósito seria impelir o governo a aprovar pautas ambientais e fundiárias defendidas pelos ruralistas, mormente, pelos produtores de soja. Antes de discutir o assunto, é preciso entender o mercado do grão.

Ao contrário do milho, a soja é tóxica se ingerida em natura. Ela contém uma substância chamada sojina, que precisa ser eliminada no beneficiamento. Por causa disso, a venda é feita em coprodutos, como acontece com o petróleo quando é craqueado, ou com o boi ao ser esquartejado e desossado. Resumindo, é um produto que entra íntegro no processo e sai como vários itens. A soja se divide, basicamente, em óleo 18% e farelo 79%, ficando os 3% restantes por conta das perdas no esmagamento e arrasto.

Esmagamento ou moagem visa expor a maior área possível da massa ao contato com o exano, que é o principal hidrocarboneto formador da gasolina. Este, em forma de vapor, circula pela massa, diluindo o óleo que, em seguida é condensado, enquanto o exano volta a circular pela massa, repetindo o processo por até três vezes. Esse processo arrasta o óleo, daí ser conhecido como arrasto. O farelo, que é a soja sem óleo, pode conter 46% ou 48% de proteína.

O óleo pode ir para o refino e transformar-se em comestível, ou para a fabricação de maionese, margarina ou outros derivados, que incluem diluentes para tintas entre outros químicos. Já o farelo vai majoritariamente para ração animal e, minoritariamente, para massas de bolo, biscoitos e outros alimentícios industrializados.

O Brasil briga, cabeça a cabeça, com os Estados Unidos como maior produtor e exportador de soja do planeta. Como ambos exportam grãos, é de se supor que o processamento não seja significativo na geração de valor. Não é mesmo Se considerarmos R$6,76/l para o óleo e R$2.200,00/T para o farelo, com números obtidos na bolsa de Chicago para 17/09/2021, o faturamento por tonelada é processada é de R$3.278,00/T Com a soja a R$180,00/sc, ou R$3.000,00/T posto na usina, temos uma agregação de valor que gira em torno dos 9%, sem descontar o custo do processo. Isso se reflete no lucro operacional das esmagadoras, que não ultrapassam os 2,5% ao ano.

O ganho real das processadoras, que geralmente são tradings, ao bancarem o produtor em troca de insumos, é financeiro e declarado  como não operacional. Aí a margem é muito maior, além dos juros pela antecipação de recursos. Digamos que a produtividade seja de 60 sc/ha[1] e que o custo sem a depreciação seja de 42 sc/ha (com a depreciação sobe para 48 sc/ha). Digamos agora que a margem sobre os insumos seja de 10%, posto que alguns itens também são commodities e o fornecimento é feito por terceiros, como o combustível. Pode também haver monopólio alheio, como  a manutenção de máquinas. A lucratividade para a esmagadora será de 4,2 sc/ha referentes aos 10% sobre os insumos somadas a 1,5 sc/ha referentes ao beneficiamento. Isso resulta em 5,7 sc/ha sobre as 42 sc/ha, ou 13,57% sobre o volume financiado. O produtor, por sua vez, fica com as 60 sc/ha menos a quantidade financiada, reduzindo-se a depreciação, resultando em 12 sc/ha, a descontarem-se os juros sobre o financiamento, o que pode dar lucro muito similar ao da trading, desde que não se considere o investimento na terra.

Aos preços de hoje, bem como a taxa de câmbio, não é um lucro desprezível. É que o ciclo do produto é de, usando-se variedades precoces, quatro meses, ficando o restante do ano para outras atividades como milho e gado, que aproveitam o nitrogênio que a leguminosa fixou no solo. A taxa de câmbio pesa muito mais que a variação do preço internacional da commodity. É que, durante o plantio, todos os preços estão travados, seja pelo comprador, seja pelo vendedor. A trava do câmbio, por sua vez, pode custar muito caro e acaba sendo evitada pelos agentes de mercado, daí a aposta na subida da moeda estrangeira ser o maior incentivo ao aumento de produção.

E o biodiesel? Entra no próximo capítulo.


[1] Sacas de 60 kg por hectare, que corresponde a 10.000 m².

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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