Ciromania, por Túlio Muniz

Até que se contenha, melhor parar de considerá-lo aliado para o que quer que seja, e seguir sem ele, ao menos que caia urgentemente na real,  e pondere. 

Publicado originalmente em 14 de outubro de 2019

Ciromania

por Túlio Muniz

Surpreende como Ciro Gomes angariou e por tanto tempo manteve simpatia da mídia progressista do Sudeste, inclusive tento sido colunista da Carta Capital por um bom tempo. 

Ciro nunca cumpriu a maioria dos (muitos) mandatos para os quais foi eleito, exceto o primeiro de deputado estadual, e o de deputado federal entre 2006-2010, mas desdenhou do Congresso na metade e nada fez, sequer renunciou, o que teria sido mais digno. Logo ele , que tanto criticava Serra pelo mesmo ‘dom’ de não cumprir mandatos eletivos, agora incorporado por Dória.

Foi eleito deputado estadual, em 1982 e 1986, pelo PDS – ironia das ironias: Brizola, figura maior do PDT de Ciro, teve o PDS de Maluf por ‘filhote da ditadura’.

Migrou para o PMDB em 1987 e abandonou a Assembleia para ser alçado à Prefeitura de Fortaleza por Tasso Jereissati em 1988. Deixa a Prefeitura em 1990 para suceder seu padrinho no governo do Estado, e, antes de concluir o mandato, vai tapar o buraco de FCH e Ricúpero no Ministério da Fazenda de Itamar.  

A trajetória partidária é caótica e incoerente, e sua presença no PDT, e a descaracterização do PSB (por onde Ciro passou, aliás)  leva a certeza de que não temos mais centro esquerda no país – exceto pelo PT, que tem no Ceará, sobretudo em Fortaleza, uma aliança na base de ‘tapas e beijos’ com os Ferreira Gomes.

A trajetória política e errática de Ciro até 2010 pode ser confirmada aqui. De lá pra cá, sabemos como foi.

Ciro nunca tolerou o debate público, nem o institucional, tampouco o do tipo ‘cara a cara’: já agrediu ambientalistas – Letícia Sabatela que o diga -, imprensa, estudantes, tudo diante das câmeras, sem disfarce algum. Uma busca na internet o comprova.

Em 2002 se desfez sozinho no embate que matinha com Serra para vaga no segundo turno das Presidenciais contra Lula. Primeiro, mentiu quando afirmou ter estudado toda a vida em escola pública, mas concluiu o antigo Segundo Grau (hoje Ensino Médio) em escolas privadas de Sobral e Fortaleza (aqui). 

A pá de cal, dada pela própria mão, veio na desastrada entrevista na qual atribuiu o papel da então companheira, a atriz Patrícia Pilar, a importância de ‘dormir comigo’ na campanha, numa resposta destemperada durante coletiva de imprensa. Poucos anos depois, Paulinho da Força, seu então vice, contaria que quando chegou em casa  naquela noite, sua própria esposa o questionou como ele suportava uma aliança com um tipo daqueles.

No pós 2002, Ciro só não desapareceu por ter tido a benevolência de Lula, que fez dele ministro da Integração Regional, e por manter o Ceará sob controle dos Ferreira Gomes: Cid Gomes, seu irmão, se elegeu governador em 2006 (justiça seja feita: após excelentes mandatos como deputado estadual e prefeito de Sobral),  o atual prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (no segundo mandato) é do seu time, e o atual governador, Camilo Santana, embora filiado ao PT, mantém boas relações com os Ferreira Gomes, graças a uma ala petista moderada ligada ao deputado José Guimarães – ‘moderada’ até demais, tanto que em 1994 só não apoiou Tasso para o Governo porque em âmbito nacional seria FHC x Lula, e a Executiva nacional do PT interveio na Regional do PT cearense. 

Resta saber, diante da “ciromania” persistente, até quando Camilo se manterá próximo e sob influência dos Gomes,  pois faz excelentes mandatos e dificilmente haverá força política para contê-lo, em caso de ruptura. O “Lula tá preso babaca” foi desferido por Cid Gomes em evento chamado por Camilo e pelo PT cearense para apoio a Haddad no segundo turno de 2018, e logo depois do ato desastroso de Cid, Ciro ‘pegou o beco’ para Paris.

Cid, aliás fez dois bons governos – com tensões com o professorado estadual, registremos –, foi apoiado pelo PT e PC do B, e aprovado pela população. Hoje é um senador pra lá de apagado. Quero crer que por falta de melhor assessoria, e por estar a investir num futuro demarcado do destempero do irmão mais velho, comportamento que ele às vezes, reproduziu, apesar de ser mais comedido e sensível.

De fato, têmpera Ciro jamais teve. Agora parece ter entrado numa espiral reativa que o faz regressar à mentalidade da Arena e do PDS, nos quais nasceu politicamente, nas disputas pelo DCE da UFC nos estertores da Ditadura, da qual estava ao lado, em seus ‘pecados de juventude’. Estes, vá lá, todos estão sujeitos a cometer, mas é suposto que aos 60 anos não os repita. Pelo menos não os que se pretendem como “alternativa” e como “novidade”. No Ceará, a sabedoria popular, quando diz “Uh! É o novo!”, é pra se referir ao antigo e mal passado. “ O novo sempre vem”, mas não como farsa, Ciro sabe disso, e o ouviu muito do sobralense Belchior.

Ciro é um caso perdido? Talvez, só depende dele. 

Até que se contenha, melhor parar de considerá-lo aliado para o que quer que seja, e seguir sem ele, ao menos que caia urgentemente na real,  e pondere. 

Pois seu próprio tempo, que é o tempo da manutenção da democracia no Brasil, se contrai. A vaga autoritária atual é grave, pode mesmo vir a desembocar num auto-golpe de Bolsonaro, que dificilmente o chega ao fim do mandato por vias ‘normais’ – aspas, pois o Brasil deixou de ser ‘normal’ desde o estelionato eleitoral de Dilma ao tomar posse em 2015, e, por fim, após o Golpe do impeachment de 2016.

Ciro ou aterrissa ou se dissolverá na busca atual de ser aceito pela direita, tal como ocorreu com Marina e mesmo com Marta Suplicy, que hoje faz ‘mea culpa’ errático e tardio.

Porque, da esquerda, o próprio Ciro trata de deixar claro que não quer mais saber, e que a ela nunca pertenceu, e que cada vez mais faz jus ao apelido que lhe dão em redes sociais: “Ciromaníaco”, que tal qual um Piro, vesgo – com bem diz Luís Nassif (aqui)– queima pontes e possibilidades de alianças.

Pode ser seu grande erro e mesmo encerramento precoce de carreira política, como fez Carlos Lacerda ao apoiar a Ditadura e depois ser perseguido por ela. Lacerda, que era da mesma UDN do pai de Ciro (ver aqui).

Túlio Muniz. Jornalista, historiados, doutor em Pós-Colonialismos e Cidadania Global  Sociologia pela Un. Dde Coimbra.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

9 Comentários

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  1. Não gosto de comentar a vida privalha alheia, porém, me ocorreu uma entrevista de Patricia Gomes quando candidata ao governo do Ceara ou a deputada, não lembro bem, à revista Veja. Estavamos nos anos 90 e então Veja pergunta à Patricia como ela se sentia por ter sido trocada pela outra Patricia. Tipica canalhice da Veja, à qual Patricia Gomes respondeu com muita dignidade e sensibilidade, dizendo que Ciro tinha se apaixonado por outra mulher, que isso é coisa da vida e que desejava que fossem felizes. Desde então admiro essa mulher e ja via em Ciro Gomes a representação do patriarcado que, no fundo, não quer que nada mude. Na verdade, tudo deve continuar mais ou menos como esta porque assim é e deve ser.
    Outra questão é o tempo. Ciro passou completou 60 anos e parece que esta, como o coelho apressado de Alice, correndo atras do tempo.

  2. A meu juízo , Ciro esta fazendo o que deveria ter feito a muito tempo, pelo menos depois da “lacrada” Ciro , nem com reza brava.
    “Unidade é o Cacete”.

  3. ciro quer ser o antilula dos antibozos e começou nessa empreitada logo após o resutado eleitoral. Mas ele não contava com a Vaza Jato… mas teimoso continua a insistir. Esse sujeito e suas grosserias me dão preguiça assim como os q o apoiam. Ele não tem perfil para o momento q exige união e formação de consensos. Ele é bom pra ofender jornalistas (faz parte da saga antilula), o Boff e quem mais quiser ou vier

  4. Ciro está claramente tentando atrair os anti-petistas que perceberam a merda que fizeram ao ajudar a eleger o Bozo e estão arrependidos. Acho uma péssima ideia, mas é compreensível.

  5. Essa matéria mostra uma série de inverdades, tornando clara a intenção do autor de desmoralizar Ciro Gomes. Parece um ataque desses proferidos pela velha mídia. Uma mentira nesse artigo refere-se à afirmação de que ele foi a Paris (o que na verdade foi Portugal para os informados) logo depois do irmão ter dito a frase “Lula está preso, babaca”. Os dois links a seguir provam isso:
    https://www.poder360.com.br/eleicoes/o-lula-ta-preso-babaca-grita-cid-gomes-para-petistas-em-ato-pro-haddad/ (15.10.)
    https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,ciro-viaja-para-o-exterior-e-frustra-planos-de-haddad,70002543924 (11.10)

    Mentiras como essa espalham-se por todo o texto. Vocês estão irritados que ele insultou colegas jornalistas? Podem até ficar, agora por favor, não façam o mesmo papel da grande mídia brasileira que tenta desmoralizá-lo pelo conteúdo de sua fala contra os mais ricos do Brasil. Vocês do GGN não percebem que o PT está matando o Brasil com suas imbecilidades? Esse Lulismo doente e o antipetismo trouxeram Bolsonaro ao poder, se alguém não acabar com isso de uma vez por todas os banqueiros ganharão mais três eleições. É isso que Ciro Gomes, na minha opinião, está tentando deixar claro de forma dura. E sofre ataques constantes desses blogueiros cegos que respondem a uma audiência petista. Nassif, estou decepcionado com você em geral. Era pra mim um grande jornalista

  6. Ciro é um ser humano que vale a pena ,um bom papo ra uma tarde quentissima em sobral
    Mas politicamente equivocado ,perdeu o bonde da história, coisa passada do campo progressista tenta o impossivel ser a opção centrista .
    nao percebeu que o Lula é a opção centrista e o lulismo a opção de esquerda

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