
A tentativa de digitalizar os materiais didáticos oferecidos aos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública do Estado de São Paulo, anunciada na última semana, vai de encontro à convicção de pesquisadores, associações educacionais a até às experiências internacionais comprovadamente frustradas.
Desde abril, a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) indica o uso do diário de classe digital, em que os professores têm de abrir as aulas organizadas em 20 slides no celular e projetá-las na TV da sala.
Mas o ápice da polêmica aconteceu no início do mês, com a recusa do secretário da Educação, Renato Feder, dos livros didáticos do programa nacional do Ministério da Educação, que fornece o material gratuitamente a todos os estados e destina 10 milhões de exemplares apenas para São Paulo.
A decisão, de gabinete, tendo em vista que não envolveu diálogo com docentes, pesquisadores e associações, é desmontada pela professora Theresa Adrião, docente da Faculdade de Educação da Unicamp e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE).
“O livro didático impresso é um recurso adotado em quase todas as escolas do mundo. Ainda que considere ser possível e até desejável que outras experiências e recursos pedagógicos devam ser acionados, especialmente aqueles que mobilizem a experimentação, a construção e a troca de informação entre educandos e docentes, é certo que o livro didático favorece a organização dos conteúdos e o acesso menos desigual ao conhecimento escolarizado”, comenta a pesquisadora.
Contra as evidências
Thereza ressalta ainda que o livro digital apresenta limitações em relação à exigência do equipamento para acessá-lo, somada à necessidade de contar com uma conexão de internet para garantir o acesso. “Além disso, conteúdos ou aulas assentadas em fontes digitais demandam equipamentos como lousas digitais para as estratégias didáticas e exigem formação de professores“, emenda.
A pesquisadora ressalta ainda que não há na Unesco pesquisas que demonstram que a substituição de livros impressos por digitais torna a educação mais eficaz.
Já a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é que a exposição às telas seja de, no máximo, uma hora por dia para crianças de 2 a 5 anos; até duas horas para as de 6 a 10 anos; e até três horas para os adolescentes e jovens entre 11 e 18 anos, sob o risco de trazer prejuízos à saúde dos estudantes.
Frustração
Experiências internacionais mostram que a educação 100% digital não é a melhor opção para garantir melhores desempenhos dos alunos.
Desde a década de 1990, a Suécia investiu na informatização de materiais didáticos e aulas. Mas, em 2022, o governo teve de rever a estratégia, tendo em vista o pior desempenho das crianças em leitura e provas, menor capacidade de concentração dos alunos e excesso de distração.
Verificou-se ainda que os alunos dedicam menor esforço para escrever bem, já que os programas de ortografia geram a impressão de que a escrita é mais fácil do que realmente é.
Em dezembro, ministra Lotta Edholm publicou um artigo no jornal Expressen em que descreve a educação 100% informatizada como uma grande experiência, mas que que “houve uma postura acrítica [do governo anterior] de considerar a tecnologia necessariamente boa, independentemente do conteúdo”.
Recuo
Depois que o assunto se tornou polêmica, Tarcísio de Freitas voltou atrás e afirmou que os livros seriam impressos a todos os alunos.
Mesmo assim, o problema continua. O Ministério Público Estadual informou a instauração de um inquérito para apurar a mudança por “potencial prejuízo à continuidade do processo educacional e risco para a garantia de acesso ao material didático”.
Nesta sexta-feira (10), os parlamentares do PSOL pediram na Justiça que o governo paulista seja obrigado a usar os livros do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), pois a decisão de digitalizar o ensino apresenta um latente conflito de interesses e desvio de finalidade.
Isso porque o governo do Estado tem um contrado milionário com a Multilaser, empresa de tecnologia que fabrica, entre outros produtos, materiais de informática, como tablets e notebooks. Vale ressaltar que o secretário de Educação é um dos acionistas da Multilaser.
A ação do PSOL evidencia ainda que a rejeição de Tarcísio ao material do MEC, que custaria R$ 200 mil em livros didáticos, configurando prejuízo ao patrimônio público.
*Com informações do G1.
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