Verbo-Professor, por Célio Turino

Ordem unida no lugar de educação, ameaças no lugar de debate, dogmas no lugar de ideia... Dá para compreender o que está para acontecer?

Marcelo Camargo – Agência Brasil

Verbo-Professor

por Célio Turino

Escutando professoras e professores,
amigos dedicados à educação,
decidi fazer essa homenagem
ao dia do professor.
Observando alunos e alunas,
pensando em meu neto e minha neta,
ofereço essas palavras como atitude,
disposição,
luta e aliança.
Uma crônica e um poema em dez atos.
Se possível, leiam em uma tacada só,
palavras e lutas
se combinam e se entrelaçam.
Célio Turino

Escola fardada, ideologia ou negócio?

Escola fardada, ideologia ou negócio? Os dois.

A ideologia alavanca os negócios, e a negociata alavanca a ideologia. O objetivo é duplo, submeter a sociedade a uma ideologia e ganhar dinheiro; a ideologia para alavancar poder e o poder para amealhar dinheiro.

A história ensina. Toda dominação e opressão, mundo afora, é precedida pelo medo e a mentira desde o início das civilizações ao final do neolítico. É do início das civilizações, agricultores assustados, com medo de terem a colheita roubada após meses de trabalho, resolveram criar uma guarda para proteger suas plantações. Com isso deslocaram alguns dos seus, liberando-os do trabalho no arado, preparo da terra, cultivo e colheita, para serem guardas e guerreiros a vigiar a lavoura. Supunham que agindo assim impediriam o roubo por outras tribos e povos.

Com o tempo, aqueles que deveriam servir como guardas a darem segurança para a coletividade, passaram a servir-se de suas comunidades. O que antes era uma retribuição em alimentos, virou imposto (de imposição). Os guerreiros, que supostamente deveriam proteger suas tribos, criaram os tributos (do latim Tributum,“repartir na tribo”). Foi como surgiu o primeiro imposto do mundo, utilizado para pagar a guarda e os chefes da guarda, que ganhavam mais. Está na história, aprendamos com ela. 

Com a atual proposta das Escolas Cívico-Militares o procedimento é semelhante de quando a guarda cobrava tributos daqueles agricultores com as mãos calejadas e costas arcadas. Cria-se o medo e a cizânia para depois vender soluções falsas. Assim começam o aprisionamento, a exploração e as opressões. Como naquela época, não protegem do inimigo, eles são o inimigo.

Observemos a história recente do país.

Primeiro, o discurso de ódio, o desrespeito contra professores e escolas, a cantilena da “escola sem partido”, quando, na verdade, queriam doutrinar sob a ordem militar. Depois, o “papo” de disciplina, hierarquia, respeito (como aconteceu com o “papo” de proteger a plantação dos roubos das outras tribos). Pareceu até bom, não é? Aos agricultores que deixaram-se escravizar pelos irmãos, pareceu que sim.

Passada a fase dos ataques de artilharia ideológica com bombas de cizânia e descrédito, vieram com a “solução” das Escolas Cívico-Militares. Comparem com o que houve com os agricultores ao final da pré-história. Com o coturno nas Escolas começam a domar o pensamento livre e a mandar na aula; além do bônus de “dinheirinho” extra, bom dinheiro, por sinal. Pode-se chamar de “guarda da plantação” ou “disciplinador da educação”, o termo que for, esse tipo de esperteza há de sempre, pronto para dar o bote. Prevalece impondo o medo, fazendo o povo baixar a cabeça e obedecer sem perguntar, e assim pagar o Tributum sem reclamar.

Pesquisem, estudem, está na história. Só muda o nome do “esperto”: guerreiro, faraó, imperador, senhor feudal, burguês, milico, fascista, bufão… No fundo, mandriões que se travestem de vendedores de ilusões, ora se impondo pela força, ora pela engambelação. É o que começa a acontecer quando se mete farda no pátio das escolas. Ordem unida no lugar de educação, ameaças no lugar de debate, dogmas no lugar de ideia… Dá para compreender o que está para acontecer?

Essa gente não entende da arte de educar, como não entendia do ofício de plantar. Em seu modelo de disciplina escolar querem tratar o aluno como se fosse recruta, estudantes como infantes da obediência e da servidão.

Sabem a origem da palavra Infantaria?

Infante, criança. Os meninos eram colocados na frente dos pelotões, usados como “bucha de canhão” nas batalhas, abrindo caminho para a cavalaria montada. Os “valentes” colocavam as crianças para morrerem na frente, só depois é que atacavam. Com o sangue das crianças foi feita a glória dos chefes militares. Do exército de Xerxes aos centuriões de Roma.

Dizem que Escola Cívico-Militar é para colocar ordem, acabar com a bagunça. Mas a intenção é outra, querem mesmo é domar a cabeça do povo antes que os jovens aprendam a pensar por suas cabeças. Escola Cívico-Militar é um novo jeito que se inventou para tirar dinheiro da educação; como na época dos agricultores assustados, de há cinco mil anos atrás. E não é pouco dinheiro.

Quando um militar reformado vai trabalhar numa Escola Cívico-Militar, ele dobra os vencimentos, recebe um complemento salarial em valor superior ao salário do professor, além da aposentadoria que já recebe. Isso sem qualificação pedagógica alguma, sem qualquer preparo para trabalhar em escola. Honestamente, reflitam. É justo, faz sentido?

Esse é o dinheiro que falta para a manutenção da Escolas, aparelhamento de Laboratórios de Ciências, aquisição de livros, contratação de bibliotecárias, psicólogas e assistentes sociais, dinheiro que falta para melhorar a merenda, o salário dos professores. Ao invés de policiais darem proteção no entorno das escolas, nas ruas do bairro, beneficiando toda comunidade, deram um jeito de pular muro adentro para trabalhar como Bedel.

Muro adentro, calam com os olhos e fazem crianças e jovens (e os pais) acreditarem que vida boa é de quartel, não de escola. Doutrinam para que a comunidade escolar tenha medo até do próprio pensamento. Assim que se perde uma geração. Assim se perde uma nação. Quem se deixou engambelar pela “conversa” de disciplina militar nas escolas um dia vai se dar conta do mal que produziu na vida de seus filhos e do país. Que esse dia não seja tarde demais.

Aos poucos, a Escola Cívico-Militar está virando um grande negócio a subtrair verbas da educação. Além do complemento na aposentadoria dos policiais militares designados para as escolas, outros, em negócio que vai passando despercebido, vendem consultoria para implantação e acompanhamento das Escolas Cívico-Militar. Cobram por Escola, e não é pouco.

São muitas as empresas de consultoria cívico-militar para escolas, criadas por militares da reserva; esses, de alta patente, porque o chão da escola é para cabos e sargentos. Daí vão expugnando escola a escola, prefeitura a prefeitura, governo estadual a governo estadual, até mesmo em estabelecimentos privados de ensino. Bem na tática militar de ocupação do território, palmo a palmo.

Entre 2020 e 2022, segundo dados do Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (SIOP), o Ministério da Educação gastou R$ 94 milhões em gestão cívico-militar para apenas 216 unidades escolares no país; afora o gasto de prefeituras e governos estaduais. Percebam, não é o custo total de manutenção da atividade escolar, mas apenas a parte correspondente às despesas militares nessas unidades. Dinheiro subtraído da atividade de ensino. Com esse recurso daria para realizar muita coisa boa nas escolas; vocês não acham?

Por isso tentam vencer na gritaria, no medo e no lobby. Sabem que o Negócio de Escola Cívico-Militar é inconstitucional. Ele fere a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). No rol de despesas e investimentos previstos pela LDB não cabe despesa militar. Em São Paulo a Justiça suspendeu lei do governo do estado que instituía programa de Escolas Cívico-Militares por conta disso. O sindicato dos professores da rede estadual de ensino, a APEOESP, entrou com Ação Direta de Constitucionalidade (Adin 7662) e teve o recurso acatado pelo Tribunal de Justiça.

A Constituição Brasileira não prevê que militares possam exercer funções de ensino ou apoio escolar. O que está acontecendo com a implantação inconstitucional das Escolas Cívico-Militares não se trata da coexistência de dois modelos, cabendo aos militares “apenas” o regramento da disciplina das escolas, mas sim a gradual substituição de profissionais da educação. Educadores que devem prestar concurso público e passar pela análise de formação e títulos acadêmicos, não para policiais militares reformados, despreparados para a função e, pior, selecionados “a dedo”, sem qualquer critério transparente ou de competência. Não há amparo constitucional, nem formação pedagógica para Policial-Bedel, muito menos concurso, o que está acontecendo é desvio de função e falta de efetividade comprovada.

Tenham certeza, o estrago que estão produzindo será grande, agora e no futuro. Assim como foi negativo o impacto do golpe cívico-militar de 1964 na educação brasileira. Quem ama o Brasil, sua família, seus filhos, quem ama a educação, não compactua com o “golpe” das Escolas Cívico-Militares. Por isso essa crônica como alerta e homenagem às professoras e professores do Brasil. Um chamado à luta em forma de poema, estilhaçando o verso e métrica pelo Verbo-Professor. Parte superior do formulárioEscola não é quartel. Escola é para educar!

Verbo-Professor

(poema em dez atos)

Ato 1

Ato,
Do latim
Aptus,
Movimento,
Ação,
Atitude,
Atuação.

Movimento
Em forma de poema,
Como faca cortando o vento,
Impulso que rasga o ar,
Boca que grita,
Mão que não espera,
Pé que pisa o chão,
Corpo que não pede licença,
Pulso que pulsa
Até abrir a pedra.

Ação,
Verbo que explode no peito,
Corpos em luta,
Força que empurra o mundo,
Pensamento que ferve,
Resistência em carne.

Atitude
Na dança das horas e dos dias,
O Ato não se dobra ao medo,
Carrega a história,
Faz e refaz.
Escreve,
Risca e
Grava
O suor da persistência.

Atuação,
Vontade que não se cansa,
Sangue quente da rebeldia,
Semente no vento.
É luta,
É sonho,
É resistência,

Ato 2

Ação de Educar,
Diálogo.
Educar sem diálogo vira pedra.
Educar
Não é afogar
Sob palavras de comando.
Educar é desafogar,
Colocar pessoas em ação.
Movimento
Rumo ao horizonte,
À utopia.
Educar é fazer sonhar,
Ensinar a caminhar.

Educar é atitude.
Caminhar ao horizonte,
Colocar as pessoas
Em movimento.
Caminho que se faz ao caminhar
Rumo ao horizonte
Que se afasta
A cada novo passo.
Educar é ensinar as pessoas a caminhar,
Isso é educar!
Apontar sentidos,
Horizontes largos,
Tornar o que está distante,
Próximo.

Caminhar
Até encontrar:
O sonho,
A liberdade,
O futuro,
A bondade,
A curiosidade,
A sabedoria
E a coragem.
Isso é educar!

Educar é promover diversidade,
Aceitar as tranças em modelo afro,
Os cabelos coloridos…
Lindos!
O jeito descontraído de ser adolescente,
O riso leve da criança.

Educar não é marcha militar,
É caminhar sem medo,
É acolher
O diverso
E promover a convergência.
Educar é um ato de coragem
E amor.

Ato 3

Educar é diferente
Do que se prega nos quarteis.
Não é o olhar frio e cortante,
Fazendo a palma da mão
Se fechar.
Não é
Ordem unida,
Marcha constante,
Isso não é educar.

Educar é
Animar,
Se divertir com o riso solto,
Leve,
Desajeitado.
É
Recreio nas escolas,
Acolhimento,
Prazer em aprender,
Descobrir.
Não é
Sufocar
Sob o grito de “ordem”,
Enrijecer soldados de chumbo,
Moldar marionetes da obediência.
Não é marcha
Com passos alinhados,
pensamentos podados
e alma fardada.

Educar é sabedoria.
Estudantes são rio,
E suas águas jamais são as mesmas.
Puro movimento,
Fluido
Como água.

Educar
Não é
Pregar o terror,
As ameaças,
O assédio
De quem vigia o aluno e o professor.

Não!
Definitivamente, não!

Educar não é colocar viseira,
Nem marcha de quartel.
Educar não se faz com Escola Cívico-Militar,

Se querem educar,
Aprendam a educar,
Mudem de profissão,
Cursem universidade,
Aprendam a ensinar,
Façam magistério,
Comecem de novo.

Suas ordens e disciplina são assédio,
A elas dizemos:
Escola não é quartel!
Aprender não rima com ordem militar.
Escola Cívico-Militar não cabe na Constituição,

Na lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
A violência de vocês
Não nos intimida,
À violência de vocês, respondemos:
Escola não é quartel!
Voltem para a caserna,
Deixem nossos alunos em paz!

Ato 4

Nós não temos medo de vocês!
A vida das professoras e professores do Brasil
É difícil, dura,
Mas feita com muito esmero.
Somos gente dedicada
Que ama a arte de educar.
Nós não temos medo de vocês!

Apesar de tantas mentiras,
Tantas manipulações,
Tantos descasos e desrespeitos,
Seguimos aqui.

Há esperança.
Há esperança porque estamos aqui,
Sempre estivemos e estaremos aqui.

Era uma vez nas escolas.
Esse tempo houve,
Esse tempo existe,
O tempo de ensinar
Com amor, ciência e coragem.
Nós,
Apesar de todas as dificuldades,
Professoras e professores do Brasil,
Sentamo-nos à mesa e falamos de mundos e sonhos.

A voz de Paulo Freire ecoa:
“Educar é um ato de amor!”
É a nossa missão
Para salvar o nosso tempo
Da destruição.

Não é fácil,
Sabemos,
Não era fácil,
Nunca será fácil.
Por isso seguimos aqui
E não temos medo de vocês.
Escola não é quartel!

Não desistimos,
Sempre estaremos nas Escolas.
Somos educadoras e educadores do Brasil!

Tanta dureza,
Tanta descontinuidade,
Tanto descaso de quem governa
(também de quem elege os governos e representantes,
revelando descaso no ato de eleger).
Apesar de:
Carreira desrespeitada,
Precarizada,
Baixos salários,
Bibliotecas com livros desatualizados,
Falta de laboratórios
(e quando há, falta de laboratórios bem equipados),
Escolas mal conservadas…
Seguimos firmes
E dizemos:
Escola não é quartel!

Falta muita coisa,
Até água em banheiro falta.
Falta:
Segurança no entorno da Escola,
Funcionários,
Manutenção,  
Professores com estabilidade na unidade de ensino,
Psicólogas e Assistentes sociais…

Falta muita coisa:
Cultura e artes,
Esporte…
Falta tanta coisa,
Até papel higiênico falta.
Só não nos falta coragem.
Por isso dizemos em alto e bom som:
Escola não é quartel!

Nós não temos medo de vocês!
Sabemos da maneira sórdida com que vocês agem,
Cheia de mentiras,
Manipulações e
Desrespeitos.
Vocês não nos enganam,
Não vamos nos intimidar.
Escola não é quartel!

Ato 5

Para descredibilizar o ato de educar,
Disseram que a Escola era ideológica,
Com partido,
Doutrinadora.
Atacaram
A vida escolar
E a pluralidade.
Cheios de mentiras,
Vieram com a “Escola sem Partido”,
No fundo, a mais partidária de todas as Escolas,
A Escola que quer dominar.
Sob o nome “sem partido”,
Partidarizaram,
Ofendem,
Agridem.
Atacam a liberdade de cátedra,
O pluralismo de ideias.
Produzem
Cizânia,
Delações,
Intimidações,
Terror.
Induzem
Alunos e pais a afrontarem professores,
Filmarem e agredirem os mestres.
Que coisa feia!
Triste.
Deturpam tudo com as maldades.
Agem para
Doutrinar,
Desunir,
Dominar.

Depois…
Depois vêm com a farda,
Fazem a Escola se encher de comandos
Até que os alunos obedeçam sem questionar.

Depois…
A Escola ficará vazia,
Triste,
Em silêncio.

“-Aqui não se pensa! – Aqui se marcha!”
É a ordem da instrução fardada.
Livros, antes abertos,
Agora censurados.
Alunos cheios de vida,
Agora armados de medo.
“-Aqui não se pensa! – Aqui se marcha!”
E impõem novas lições:
“- Não pergunte, não duvide, não pense!”

Nós,
Mestras e mestres do Brasil,
Estamos aqui e não nos intimidaremos.
Escola não é lugar para impor o medo.
Educação não se faz com marcha,
Educação se faz com pensamento,
Generosidade,
Coragem.

Vocês não nos metem medo,
Nem vão controlar o pensamento.
Basta!
Deixem nossos alunos em paz!
Tirem as botas de nossas Escolas!
Nós não permitiremos que vocês arrombem
Os portões de nossas Escolas.
Escola não é quartel!

Parem de pisar em nossos jardins!
Pátio escolar é para Recreio
Encontro entre alunos.
Não permitiremos que vocês arranquem as flores de nossos jardins!
Nem a voz de nossas gargantas.

Ato 6

Sob o disfarce da disciplina e da ordem,
A Escola Cívico-Militar só produz
Desordem,
Assédio,
Intimidação.

Pela força bruta tentam arrancar o lápis,
Apagar a memória,
A liberdade.

Mas nós seguimos aqui, e resistimos.
Nossas mentes subsistem,
Nossas mãos ensinam a segurar o lápis,
Nossas perguntas são o primeiro passo
De quem ensina e questionar.

Quem pergunta, aprende.
Quem segura o lápis, escreve a história.
Quem resiste, vence
Ensinamos nossos alunos a segurar o lápis,
Não o fuzil.
Nós somos professoras e professores do Brasil!

Não vamos esconder a história nos armários.
Escola Cívico-Militar é a escola
Do fascismo
Que mora nas mentes degeneradas,
Se impõe pelo medo,
Por mentiras e
Imposturas.
Nós não temos medo de vocês!
O lápis vai vencer o fuzil.

Nós estamos aqui e resistimos em Ato.
Não nos calaremos!
Somos professores e professoras do Brasil,
Não vamos aceitar
O velho monstro
Vestido de novo.

Pelas mentes caladas se impõe a dominação.
Quem fala de vida vira alvo?
Falaremos de vida.

Na sala da infância,
onde o riso é livre,
o baque seco
da bota polida
surge para abafar o riso.

Farda, farda, farda!

Na lousa querem impor
Só a sombra do giz.
E o sonho, coitado,
se esconde no canto.

– Atenção! Alinhem-se!
A voz fardada manda,
Apagar o futuro
E o presente vira fileira reta.

Mas cadê o menino solto,
o brilho no olho,
cadê o livro aberto
que ensina a pensar?

Nós estamos aqui
Abrimos os braços
A esses meninos e meninas.
Resistimos.

Vocês não vão impor o medo travestido de ordem e disciplina,
Sabemos das maldades degeneradas que pretendem ordenar.
O fascismo caminha no passo marcado,
na espreita da ordem sem alma.

Oh, meu Brasil,
deixa a escola voar!
Não ponha corrente
no pensamento,
não prenda a palavra
no quartel do silêncio.
O perigo é a ideia calada
no peito da gente
que um dia foi livre
e esqueceu de sonhar.

Oh, meu Brasil,
Deixa a escola voar!
O futuro mora nas ladeiras do passado,
Vamos escutar a história,
Lembranças do tempo da lança
Que não conhece a covardia.
Lembranças de vida e de amor.
Oh, meu Brasil,
Deixa a escola voar!

Ato 7

Ei, você aí,
soldado fantasiado de professor,
para que essa farda?
Para que esse grito duro
no pátio onde deveria ecoar
a palavra viva?

Transformar a escola
num quartel,
numa linha reta,
onde os corpos das crianças
aprendem a marchar
em vez de sonhar.

Não pode!
Aqui não se afia ordem unida,
Se afia sonhos, ideias, pensamentos.
Sonhos, ideias e pensamentos,
Não cabem em fardas.
Farda no corpo é prisão no peito.
Sonho que fenece,
Pensamento sem futuro.

Não ensinamos a temer,
A calar,
A ser só mais um
Neste exército do cumprimento de ordens.
Nós somos os que gritam,
Os que rasgam essa farsa.

Nós ensinamos a voar
Em revoada.
Voem!
A caminhar de braços dados
Rumo ao horizonte,
Que fica logo ali.
Caminhem!
Mesmo que logo ali seja tão distante,
Caminhem,
Mesmo que o horizonte se afaste.
Caminhar e voar, é o que ensinamos,
Isso não ensina o militar.

Juntando mãos com mãos
O futuro
Corre, pula, explode
em mil cores.
Não há muro,
Não há grade
Que detenha mãos com mãos.

Escola soldada,
Calada,
Escola do temor,
Da ordem unida,
Do individualismo,
Da ganância,
Da delação e desconfiança,
Do “um contra todos”
Do “todos contra um”.
Dessa Escola não se avista o horizonte.
Nem nasce o amanhã.

Tirem suas botas do chão das escolas!
Aqui é terra de sonho,
E sonho não se pisa com coturno.
Sonho não se submete.

Ato 8

Não é fácil enfrentar
Tanto desrespeito,
Tanta agressão.
Mas nós estamos aqui,
Nas Escolas.
Não desistimos.
Nós somos professoras e professores do Brasil!

Magistério,
carreira nobre,
Vocacionada
E desrespeitada
Agredida, acuada…
Ainda assim,
Lindamente talhada
Na coragem,
Na dedicação.

Seguimos o chamado,
Estamos aqui por vocação.
Nós somos professoras e professores do Brasil!

Magistério
É para aquelas e aqueles
Que voam sem medo.
Por isso dizemos em alto e bom som:
Escola não é quartel!
E repetimos:
Escola não é quartel!
Nós não temos medo de vocês!

Anunciamos agora e sempre:
Não permitiremos
Que nos pátios das escolas
Se imponha a disciplina falsa,
A ordem vazia,
O medo.
Não permitiremos
O civismo de fanfarronice,
O patriotismo entreguista,
Falso, vazio de sentido.

Nosso civismo,
O civismo das professoras e professores do Brasil,
Zela pelo bem comum,
Se dedica ao próximo
Com fidelidade à vida coletiva,
Ama a pátria e a mátria,
Vai à raiz,
É ancestral.
É visceral.

Nosso civismo
É harmonioso,
Respeitoso,
Ubuntu!
Não se impõe,
Se comparte,
Tekoá Porã!
Voa ao futuro com os olhos no passado,
Sankofa!
Educamos para a Cultura Viva e o Bem Viver.

A beleza salvará o mundo
Escreveu Dostoiévski
A vida tem que ser
Bela, boa e justa para todo mundo.
Só é belo o que é verdadeiro,
Só é bom o que é real,
Só é justo o que vem da alma,
Com ciência,
Consciência,
Verdade, bondade e justiça,
É o que ensinamos.
A beleza salvará o mundo!

Ato 9

Escola não combina com assédio,
Ameaças,
Doutrinação pelo medo,
Ignorância e agressões.

Nosso civismo é civilista,
Não militarista.
Nós ensinamos
Igualdade,
Liberdade.
Fraternidade,
SO-LI-DA-RI-E-DA-DE.
Não odiamos
O povo livre,
Como vocês odeiam
E temem.
Não manipulamos
Corações e mentes
Como vocês pretendem manipular.
Não impomos
O domínio
Do medo
Social,
Teológico,
Politico,
Econômico.
Nosso civismo é civilista!

Nosso civismo é o civismo do povo
Brasileiro,
Sofrido,
Desrespeitado,
Ofendido,
Humilhado…
Ainda assim,
Solidário,
Alegre,
Vivendo na base da pirâmide social
De um país
Tão desigual.

Nosso civismo não se impõe,
Se educa.

Escola é lugar de educação, jamais de destruição,
Escola é lugar de amor, jamais de ordem vazia.
Escola é lugar de sensibilidade,
Conhecimento,
Equipe.

Escola não rima com quartel,
Educação não rima com tacão.

Escutem!
Policiais Militares
Não são preparados para serem
Bedel de crianças e adolescentes.

Escola é para educar, não para obrigar o silêncio.
Escola é para aprender, não para a disciplina vazia.
Educar não é impor ignorância.
Educar não são bravatas de quartel.
Não é ordem unida na colina.

Educar é buscar sabedoria,
No lugar da redundância
A teoria.

Escola é para educar!
Educar!!!
Escutem!

São tantas as notícias de assédio
Nas Escolas Cívico-Militares,
Tantas e tão feias
Que não cabem em um poema.
Não cabem!
Ainda assim, falaremos de algumas,
Já divulgadas em jornal,
Não nos calaremos!

Parem!
Deixem nossas alunas em paz,
São meninas, doze, treze anos.
Parem de assediar!
Cobiçar,
Oferecer presentes e dinheiro
Em troca de favores,
Um toque erotizado,
Um olhar lascivo,
Ou coisa pior.
Deixem nossas alunas em paz!

Parem de assediar nossos alunos!
São meninos.
Numa Escola Cívico-Militar,
Milicos fazendo vez de Bedel,
Se divertiam ao assistir briga entre alunos
No portão da escola;
Ao final,
Tiro ao alto,
Que não se sabe de onde veio.
Só se sabe
Que aqueles que deveriam proteger
Se riam da cena triste
Como em um deboche.
Noutra,
Um policial-bedel
Ameaçou um aluno com a seguinte frase:
“- Já matei muitos, um estudante a mais não fará diferença!”
Deixem nossos alunos em paz!
São meninos.

Deixem nossas alunas e alunos em paz!
São meninas e meninos.
Das escolas que viraram quartel
As notícias chegam a cada dia.
Tantas e tão feias
Que não cabem em um poema.
Deixem nossas alunas e alunos em paz!

Pais!
Não se deixem enganar,
Sob o manto da hipocrisia,
De palavras de ordem e disciplina,
Estão assediando seus filhos.

Nós somos professoras e professores do Brasil,
Não vamos deixar o sonho morrer
Sob coturnos.
Sonhos não cabem
nos quartéis da mente.
Pássaros ensinados
A voar alto,
Vão voltar a voar.
Nosso ofício é abrir gaiolas.
Nós vamos abrir as gaiolas!

Estamos avisando.
Somos Educadores por vocação,
Não mantemos pássaros enclausurados
sem que saibam que têm asas.
Nós vamos abrir as gaiolas!!!

Ato 10

O futuro
Se constrói com perguntas,
Dúvidas e erros, assim se aprende.
O futuro
Não se constrói com regras duras,
Certezas cegas e paredes invisíveis.

“Educar é um ato de amor”,
Ensinou Paulo Freire,
Nosso mestre tão amado.

Repetimos as palavras
Do grande educador brasileiro,
Respeitado em todo mundo,
Porém,
Amaldiçoado por uns tantos por aqui,
Gente estúpida,
Covarde,
Ignorante,
Que nunca leu uma única linha do pensamento do mestre.

Pelas Escolas de Esparta
Só podem surgir soldados
Prontos para morrer e viver sem razão.
Nossos alunos não serão soldados de Esparta!

Não permitiremos
Que brotem gerações
de olhos sem brilho
e corações mudos.

Nosso compromisso é:
Cultivar esperança.
Sabedoria,
Ciência,
Filosofia,
Respeito ao próximo,
Compaixão,
Solidariedade.
Cultivamos amor;
Amor!!!

O amor não vai perder lugar,
Nem na lousa, nem no pátio de Escola,
Nem intramuros, nem além muros.

Se não fizermos nada,
Quem pagará o preço?
Os jovens de agora,
Assediados,
Formatados,
Brutalizados,
Apagados.
Não vamos abandoná-los!
Estamos avisando.

Educamos jovens
E crianças
Para que suas asas
lhes permitam
voar sem medo.

Voar
Com ciência,
Humanismo,
Disciplina no estudo,
Arte,
Esporte,
Matemática,
História,
Geografia,
Literatura
E linguagens.
Por isso educamos,
Por eles lutamos!

Por eles, por nós,
Resistimos.
E gritamos em alto e bom som:
Escola não é quartel!

Escolhemos a palavra que ensina,
Mas se só nos ouvirem no grito,
Saberemos gritar.

Nós somos professoras e professores
E não temos medo de vocês.
Escola não é quartel!
Nosso verbo é o Verbo-Professor

Célio Turino – Historiador, escritor. Doutor em Humanidades pela Universidade de São Paulo, caminha por aí semeando as ideias da Cultura Viva e do Bem Viver.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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