Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela USP. Aposentou-se como professor universitário, e atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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Da Revolução Francesa à Revolução Evangélica, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Interessante é que as igrejas aproveitam-se justamente das distorções de mercado para prosperarem.

Agência Brasil

Da Revolução Francesa à Revolução Evangélica

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Nos tempos que precederam a Revolução Francesa de 1789, o rei Luís XVI de França, querendo manter a coroa sobre a cabeça, bem como esta última sobre os ombros, aceitou que se criasse um parlamento. Os representantes não tinha onde se encontrar, então usou-se um estádio, onde se praticava o jogo da “pela”, algo entre o squash e o tênis. Na arquibancada da esquerda de quem entrava no recinto, ficavam os liberais; na da direita, ficavam os conservadores. Os liberais eram os que queriam ver suas empresas prosperarem, eram contra os privilégios dos nobres que, naturalmente, não queriam que nada mudasse. Os nobres não plantavam, não produziam bens e serviços, mas tomavam parte da produção para si, pensando em somente divertir-se. Some-se a isso o fato de a França vir de três anos de seca. Um terço do gado ter morrido, as plantações minguarem e, como se não bastasse, chegarem novas pragas do Novo Mundo, trazidas com as plantas das colônias francesas da América do Norte e o resultado não poderia ser diferente. Adveio uma revolução que abalou o pensamento da sociedade ocidental. Com o passar do tempo, a esquerda identificou-se com as mudanças e o progresso, enquanto a direita com a manutenção de valores, com o conservadorismo. Daí, um camarada dizer-se conservador nos costumes e liberal na economia ser um contrassenso, pois ele diz que está com um pé na esquerda e outro na direita. Quem sustenta essa pessoa num equilíbrio tão precário? Quem as impede de cair sentadas e de pernas abertas?

As igrejas evangélicas, assim como o ramo da Renovação Carismática Católica que usa as mesmas práticas dos neopentecostais, exacerbaram a ideia de que o indivíduo deve buscar a graça, que se apresenta como o sucesso financeiro. A isso, os filósofos chamam de teologia da Prosperidade em oposição à Teologia da Libertação, que norteia o Estado de bem-estar social. Já os ligados ao mundo dos negócios chamam o mesmo pensamento de meritocracia, já discutida na matéria anterior.

Muitas dessas igrejas induzem o fiel a entender o dízimo como investimento num pretenso sucesso futuro, transformando em unidades monetárias a graça a que Calvino se referia. Cristaliza-se a ideia de que todos nascem com as mesmas oportunidades e, caso se dediquem o suficiente, poderão chegar ao mesmo resultado econômico. Se o sucesso não vier, a culpa será sempre do indivíduo, que não se terá esforçado o suficiente. O resultado disso é o enaltecimento do individualismo, da divisão da sociedade entre ganhadores e perdedores, como se, ao contrário do que prega a Teologia da Libertação, os seres humanos devessem viver numa eterna competição.

Disso deriva a ideia de que a economia seja redimida pela competição, ou seja, que todos os mercados possam atingir a máxima eficiência pelo fato de os participantes competirem entre si. O fato de os mercados conterem barreiras de entrada e custo de abandono fica para o segundo plano, quando não se adota a negação como argumento.

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Interessante é que as igrejas aproveitam-se justamente das distorções de mercado para prosperarem. Pelo lado da oferta, há os custos de formação, assim como os de montagem dos templos, tal e qual uma franquia. Pelo lado da demanda, o atrativo é o desalento da população, a intenção de encontrar na fé o conforto que o trabalho não proporcionou. Vende-se a crença de que basta investir o dízimo e seguir os dogmas da religião para  obter a graça, que vem na forma do sucesso financeiro e, consequentemente, a chave para a porta do paraíso. Cativa-se o consumidor muito mais pelo medo do inferno, do que pela qualidade do serviço que lhe é prestado.

A obediência aos preceitos da fé é, em essência, a tradução do conservadorismo, haja vista que pretende perpetuar as práticas que podem levar à graça. Ao mesmo tempo, a ideia de ser liberal na economia se sustenta na crença de que a mesma graça se apresente na melhoria das condições financeiras e que isso seja resultado do mérito.

Como dogmas devem ser seguidos sem discussão, caso contrário demonstra-se falta de fé, estabelece-se uma relação que ultrapassa a confiança e assenta-se na obediência cega, indo de como se vestir ao em quem votar, passando pelo que comer e o que beber. Daí a frequência com que se ouve o mantra “sou conservador nos costumes e liberal na economia”.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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