Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela USP. Aposentou-se como professor universitário, e atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

Projeto de País e Outras Máximas, por Luiz Alberto Melchert

A tônica é viver da mão para a boca, seja pela miséria da maioria de seu povo, seja pela pobreza intelectual de sua elite econômica.

Projeto de País e Outras Máximas

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Interessante como os autores mais contestados são sumariamente omitidos; porém, quando seus pensamentos são citados, soam como máximas pertencentes à Humanidade. É como tais pensamentos tivessem brotado de uma sabedoria inerente ao ser humano como espécie. “Dividir para governar” está em “O Príncipe” de Maquiavel; “Da primeira vez é tragédia, da segunda vez é farsa” ou “relâmpago em céu azul” estão em “18 de Brumário de Luís Napoleão” de Marx. Livros que pouquíssimas pessoas leram, mas muitos citam com uma propriedade de quem tem todo o conhecimento do mundo. Já outros termos, por não significarem coisa alguma, vêm e vão sem deixar rastro. Frases como “Perdeu o bonde da História”, “Na contramão da História”, ou “Pôr o Brasil nos trilhos” vêm se sucedendo, sempre com o fito de enaltecer a apropriação do público pelo privado. Há, no entanto, conceitos que não se podem transformar em máximas, caso contrário, tudo pelo que se luta perde o sentido à partida. O melhor exemplo disso é “projeto de país”.

Em 1816, quando Monroe criou a máxima “América para ao americanos”, sintetizou o projeto de país que vigora até hoje. Ele não definiu quem eram os americanos, muito menos o que era América, mesmo assim, dado à interpretação espontânea de seus sucessores, consolidou-se o projeto de país, porém, de forma evolutiva. No início, americanos restringiam-se aos brancos calvinistas fugidos da Inglaterra. Índios e mexicanos representavam de quem as terras tinham de ser tomadas. Negros, por sua vez, entendiam-se como um ativo como uma mula ou um boi. Foi justamente esse entendimento que permitiu que o capitalismo convivesse com a escravidão. Com o passar do tempo, o conceito de americano, para os estadounidenses, restringiu-se a quem morasse nos Estados Unidos. O restante do território das Américas não precisaria ser incorporado, bastando apropriar-se de suas riquezas, sem o ônus de desenvolver seu povo. A forma mudou mas a essência do projeto de país continua a mesma.

O Brasil nunca teve um projeto duradouro. A tônica é viver da mão para a boca, seja pela miséria da maioria de seu povo, seja pela pobreza intelectual de sua elite econômica. A contraposição política reside justamente em haver ou não um projeto de país. Os que se dizem conservadores primam por defender a ausência de um futuro planejado. Para eles, basta o regime de exploração. É justamente por isso que passamos avalanches econômicas, que muitos historiadores caracterizam, equivocadamente, como ciclos. Foram as avalanches do açúcar, do ouro, do café, da indústria e, agora, do agronegócio calcado em commodities.

Houve tentativas de projetar um Brasil para o futuro. O nacionalismo desenvolvimentista de Getúlio Vargas, o plano de crescer cinquenta anos em cinco de JK são exemplos disso. Ocorre que qualquer tentativa de planejar o Brasil para nossos descendentes esbarra na diluição do poder, a que se contrapões selvagemente nossa elite tradicional.

Seria injusto negar que os militares que assumiram o poder em 1964 tivessem um projeto de país. Prova de que tinham foi a criação de instrumentos de longo prazo como o FGTS, o PIS-Pasep, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), o SFH (Sistema Financeiro da Habitação), o Banco Central, entre outras iniciativas fadadas a duradouras. Por ideologicamente distorcida que fosse, era um projeto. O grande problema é que, quando os modelos se esgotam, esvai-se o projeto e passamos décadas sem futuro, vivendo para hoje somente, enquanto tudo o que se construiu se deteriora até que a ruína bata à porta. É então que se retoma a necessidade de planejar o futuro como fez Lula com a meta de acabar com a fome entre 2003 e 2010. Depois de algum titubeio entre 2011 e 2014, o golpe, que começou em 2015 e se concretizou em 2016, trouxe uma década de não futuro, de pilhagem.

A máxima de Bolsonaro de que seria preciso destruir o país para que recomeçasse em outras bases não corresponde à destruição criativa de Schumpeter. Esse economista, que se notabilizou pela incursão na Teoria da Inovação, nunca falou em arraso institucional, muito menos em devastação ambiental como atitude disruptiva.

Nossos conservadores não conservam, deixam ir embora com o vento da concorrência mundial. Não se pode caracterizar essa classe como conservadora, está mais para inerte na mais ingênua crença de que o país passa e ela fica. A volta de Lula ao poder, com a expectativa da retomada do desenvolvimentismo, terá de romper amarras de há mais de quinhentos anos, vamos trabalhar para que dê certo, para que o Brasil deixe de ser o “país do futuro”, ou que “está deitado eternamente em berço esplêndido”. Façamos com que máximas positivas como “o petróleo é nosso” continuem valendo.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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