Quando dois mais dois são cinco II
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Como visto na matéria de 9 de maio de 2023, o que aparece da contabilidade é a sua versão societária, mesmo porque há de se respeitar o sigilo fiscal. Infelizmente, para demonstrar como se podem maquiar os dados mantendo-se dentro da lei, será preciso viajar por alguns assuntos bastante técnicos, até áridos.
Quando um banco empresta a uma pessoa física, baseia-se principalmente em seu histórico. Antigamente, baseava-se mais no registrado em sua carteira de trabalho e nos últimos três recibos. Era a prova de capacidade de pagamento. Crédito pré-aprovado, só o cheque especial, que hoje se chamam de “limites”. Na medida em que as relações de trabalho foram mudando, também mudaram os meios de verificação de crédito. Por serem mais frágeis, procurou-se compensar via spread, que é a diferença entre os juros pagos a correntistas e aplicadores e a taxa cobrada dos devedores.
Para pessoas jurídicas, porém, há o balanço da empresa a ser analisado, assim como os contratos de fornecimento que elas mantêm com sua clientela, cuja solvência também é levada em conta. Não adianta nada a empresa ter um contrato de fornecimento para um cliente que está em recuperação judicial. Aliás, a qualidade do balanço de uma empresa acaba por afetar todo o possível crédito obtido pela sua cadeia de fornecedores. Para fazer essa análise, usam-se índices financeiros que medem, ao mesmo tempo, a capacidade de pagamento e o risco de negócio da empresa solicitante.
Esses índices baseiam-se na ideia de que o que importa são o peso e a duração da liquidez da empresa. Os ativos de liquidação mais certa, como títulos do governo e papéis resgatáveis de bancos de alta credibilidade, assim como o caixa e contas à vista nos bancos, compõem um grupo de contas conhecido como “disponível”. Só que ter dinheiro hoje não implica em que a empresa continue líquida amanhã, daí ser tão importante qualificar os clientes que estão registrados no “realizável”. Este é composto pelas contas a receber, pelos estoques, seja de matérias-primas, seja de produtos em elaboração e acabados. Todas essas contas, por representarem haveres, ficam no ativo e, por terem correção imediata com a atividade principal da empresa, ficam em um grupo chamado de ativo circulante. O leitor pode perguntar se os imóveis, veículos e outros bens permanentes não podem ser realizados. Claro que podem, mas abrir mão deles afeta permanentemente a capacidade produtiva, ou mesmo a continuidade da atividade. Por causa disso, há profissionais que chamam de ativo permanente ou imobilizado.
Pelo mesmo motivo, as dívidas com empregados e fornecedores, bem como os impostos a pagar, ficam no passivo circulante, enquanto as contas de capital ficam no não exigível.
Quanto mais longo for o prazo do empréstimo almejado, mais importante é a composição do realizável. Para medir isso, usam-se alguns índices que usam os dados do balanço. Um exemplo é a taxa de alavancagem financeira. Ela mede o quão a empresa depende de capital de terceiros para manter-se no mercado. Quanto mais alavancada ela trabalhar, maior poderá ser sua rentabilidade a curto prazo, mas maior será o risco de ela, por algum percalço, não honrar seus compromissos. Calcula-se dividindo o passivo circulante pela diferença entre o ativo circulante e o passivo circulante. A parte de cima da fração mostra quanto valem as obrigações inerentes à atividade principal da empresa, enquanto o denominador mede a capacidade de pagamento num prazo condizente com o endividamento. Esse é um dos principais índices que os bancos levam em consideração para emprestar. Para um banco, não interessam os ativos permanentes por dois motivos. O primeiro diz respeito à liquidez, ou seja, são mais demorados para vender e costumeiramente não se consegue obter o valor esperado. O segundo é que esses ativos dependem de avaliação cuja objetividade tende a ser duvidosa. Uma empresa que tem um ciclo longo de produção, como uma construtora ou um fabricante de aviões, que trabalham com adiantamentos de clientes costumam ficar mais alavancadas do que outras cujo ciclo é tão curto que toda a matéria-prima é processada em horas.
Não cabe aqui identificar todos os índices, sobre o que já se escreveram inúmeros livros. O que importa é que são eles que atraem ou repelem investidores, bem como são eles que motivam o mercado financeiro a fornecer recursos. Naturalmente, são eles que mais precisam ser “embelezados” para manter a empresa em alta e justamente essa maquiagem que transforma grandes empresários em grandes bolhas, como se verá na próxima matéria.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
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