Influência das teles no setor elétrico e vice-versa, por Luiz Alberto Melchert

Ficou acertado que empresas de energia não poderiam transmitir dados e as empresas de telecomunicações não poderiam distribuir energia.

Neoenergia

Influência das teles no setor elétrico e vice-versa

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Não há quem ignore que parte importante do faturamento das distribuidoras de energia vem do aluguel de postes para as empresas de telecomunicação, atualmente, quase que como suporte à fibra óptica. O que poucos sabem é que elas poderiam ser concorrentes e a balança penderia fortemente para as distribuidoras de energia. Mais que isso, os “gatos”, como conhecemos as ligações clandestinas, poderiam já não existir há décadas.

Já houve testes de transmissão de dados pela rede elétrica na Copel (Companhia Paranaense de Eletricidade). Na época, ainda nos anos 1990, chamava-se PLC (Power Line Carreier). Hoje, essa tecnologia manteve a sigla mas significa Powers Line Communications. É que o uso de voz sobre IP aumentou sua abrangência. Essa tecnologia, amplamente usada no Japão, inicialmente, ela era muito limitada em velocidade, pois usava somente uma das fases do sistema elétrico comercial. Ainda nos anos 2000, houve um avanço pelo aproveitamento das três fases e o problema de velocidade foi totalmente resolvido. O investimento para a adoção do PLC é relativamente baixo, bastando fazer ligações adicionais em fibra óptica para ultrapassar o amortecimento de sinal provocado pelos transformadores. Cada instalação corresponderia a um endereço IP (Internet Protocol). Isso, além de eliminar o leiturista, permitiria monitorar o consumo on line, o que acusa a existência de gatos, provocando o desligamento do enlace à distância. Num trabalho que orientei em 2001 na graduação em Administração da FAAP, ficou evidente que a então Eletropaulo já fazia estudos para aderir à tecnologia PLC, já tendo feito até o plano de negócios para ir atrás de financiamento.

Foi então que começaram as lutas nas agências reguladoras. É que as teles alegavam – não sem razão – que haveria uma concorrência desleal, visto que as distribuidoras de energia estariam em clara vantagem  ao não se exigir estrutura adicional para obter acesso à internet, ou mesmo aos serviços de telefonia baseada em IP. Assim, ficou acertado que empresas de energia não poderiam transmitir dados e as empresas de telecomunicações não poderiam distribuir energia.

Mais tarde, lá por 2009, orientei outro trabalho, dessa vez na pós-graduação, cuja proposta conciliadora seria a criação de uma empresa, cujas ações seriam distribuídas entre as teles e as distribuidoras de energia, para manter cabos e conexões, tal que todos pudessem concorrer em pé de igualdade. Foi então que entrou a Anac, alegando que isso poderia interferir nas comunicações aeronáuticas, o que é bem discutível. Naturalmente, era uma época em que os protocolos de terceira geração eram ainda alvo de desejo. A comunicação 5G tende a desbancar qualquer  conexão física no varejo. A rigor, as conexões wi-fi domésticas já não fazem grande sentido e sua eliminação faria a felicidade das teles, que sempre quiseram controlar o consumo pelo trânsito de pacotes.

Mais uma vez entra o argumento de que nós só podemos administrar o futuro; o presente é um átimo e o passado é imutável. Assim, não cabe especular o que teria acontecido com o mercado, caso as distribuidoras de energia compartilhassem o mercado de telecomunicações. Não há, porém, como fechar os olhos às limitações que impedir a adoção dessa tecnologia impôs às distribuidoras. Só o fato de eliminarem-se os gatos já redundaria num ganho de faturamento na casa dos bilhões ao ano e sem investimento de monta. Muito dos déficits que se vêm contabilizando poderiam transformar-se em lucro, mesmo não levando em consideração os ganhos com a comunicação. Talvez o acréscimo de goodwill a ser obtido pelas distribuidoras tenha sido o motor da reação das teles. O mínimo a esperar seria que essas últimas entrassem firmemente como adquirentes nos leilões de privatização. Como sempre, as mazelas de hoje são frutos das decisões do passado.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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