O 1º de Maio foi um fiasco! Viva o 1º de Maio!
por Gilberto Maringoni
1- A PRINCIPAL COMEMORAÇÃO do Primeiro de Maio no Brasil foi um fiasco completo, de público e de conduta política. A principal comemoração do Primeiro de Maio não poderia ser um fiasco, mas isso não acontece por acaso. Fiascos são pacientemente planejados e construídos. Logo, o fiasco na comemoração do Principal ato de Primeiro de Maio não deve surpreender ninguém.
2- O PÚBLICO NO ESTACIONAMENTO do Itaquerão foi magro, magérrimo. Com muita boa vontade pode-se dizer que havia ali 4 mil pessoas. O problema não foi falha “na convocação”. O problema é perguntar o que levaria um trabalhador paulistano que rala a semana toda a sair de sua casa para ouvir passivamente um palavrório sem fim sob um sol saariano Sem que houvesse sequer um apelo político. “Venha comemorar o dia do trabalhador e da trabalhadora”, vamos combinar, não anima ninguém.
3- O FIASCO FICA MAIOR quando se sabe que no palco estaria o presidente Lula e o candidato favorito à disputa eleitoral da principal cidade do país.
4- A INTERVENÇÃO de Lula – ruim – nos fornece pistas do que está errado. O presidente da República não fala de política, não fala de enfrentamento, não chama ninguém a se engajar para disputar mais verbas para o desenvolvimento, mais financiamentos para a indústria e o emprego, não toca na chantagem que sofre por parte do centrão, do mercado e dos militares. Diz que tudo vai bem, que não há problemas, que o governo gerou xis milhões de empregos, entregou xis milhões de novas moradias, vai desonerar xis produtos, vai abrir xis institutos federais e que quem quiser saber mais que vá ao site ComunicaBR, feito pelo ministro Paulo Pimenta, que fica sabendo de tudo que o governo está fazendo pelo país. Números, números, feitos, feitos etc., etc. e muito mais.
5- É UM POLÍTICO TRADICIONAL jogando confete em sua gestão, que é acompanhado por um jovem político tradicional, candidato à prefeitura da principal cidade do país a dizer que Lula é o melhor presidente que esse país já teve e a dizer que vai fazer isso e aquilo, numa espécie de prestação de contas antecipada. Parece fazer cosplay do antigo político tradicional, até na modulação de voz.
6- O FIASCO DO PRIMEIRO DE MAIO não é a expressão da falta de uma palavra de ordem num panfleto, mas a resultante de um governo que – tirando o ajuste fiscal – não parece ter projeto ou rumo claro.
7- ESPERO QUE O PETISMO mais exaltado pare de comemorar o fato de Bolsonaro ter fracassado ao colocar apenas 32 mil pessoas em seu último ato em Copacabana, em 21 de abril, e busque examinar politicamente o que acontece quando se abre mão de enfrentamentos, como marcar o golpe de 1964 ou a Revolta da Chibata diante do golpismo militar, de se desmontar o austericídio, como avalia o próprio PT, quando se entrega sem resistências pedaços do Estado à extrema-direita na mão grande.
8- ESTE NÃO É UM GOVERNO de conciliação. Grandes ganhos foram conquistados pelos trabalhadores com políticas de conciliação. Ela ocorre quando um lado propõe algo, outro propõe coisa distinta e a resultante é um meio termo capaz de contantar a todos. O que temos não é isso. O que temos é um governo que abdica de colocar suas propostas na mesa contra os inimigos. Em outras palavras, trata-se de uma conduta que quase sempre leva à rendição sem luta.
9- POR FIM, UMA MENÇÃO ESPECIAL deve ser feita à atuação das centrais sindicais. Pela segunda vez, o 1º. de Maio resulta de ação conjunta de quase todas as entidades nacionais do setor. A responsabilidade dos dois fracassos deve também ser debitado a organizações sindicais cuja ação se mostra cada vez mais inócua. Golpeadas pela reforma trabalhista de Michel Temer, em 2017, que acabou com o imposto sindical – vitória estratégica da CUT, defensora dessa demanda desde sua fundação – elas perderam capacidade material de mobilização.
10- SEM CONDIÇÕES DE LEVAR ADIANTE a política clientelista de sorteios de carros e apartamentos, iniciativas que atraiam multidões, as limitações políticas e organizativas de direções acomodadas que pouca reação apresentam diante das transformações do mundo do trabalho completam um quadro da baixíssima capacidade de mobilização. Até hoje não se conhece uma posição clara dessas entidades sobre a duvidosa proposta de regulamentação dos trabalhadores de plataformas elaborado pelo governo. As chamadas direções não mais dirigem.
NA FOTO, o palco e o público do Itaquerão, no momento em que Lula discursava
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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A ano era 1989.
Zuleide sente o calor da luz do sol, que ilumina seu rosto pelas frestas e buracos do barraco onde vive na periferia de SP, mas que pode ser de qualquer outra periferia, é verdade.
A geografia da miséria não muda, e no Brasil, ela sabe, a cor também não.
Zuleide tem 23 anos, mas parece ter 40.
Não é preguiça e o cansaço que tornam o ato de despertar horrível, mas é o desalento, são 4 h e 30 min da manhã, as três crianças dormem (o único anestésico contra a fome que sentirão pela manhã).
Luana, Jonathan e Miguel.
Do seu barraco até o Morumbi são 2 horas, entre trem, ônibus e metrô.
Ela prepara um café fraco, com muito açúcar e corta pedaços de pão velho que conseguiu trazer da casa da patroa.
Corta para 1998.
Zuleide sente o calor da luz do sol, que ilumina seu rosto pelas frestas e buracos do barraco onde vive na periferia de SP, mas que pode ser de qualquer outra periferia, é verdade.
A geografia da miséria não muda, e no Brasil, ela sabe, a cor também não.
Zuleide tem 32 anos, mas parece ter 65.
Um dos filhos, Miguel, o mais velho, está preso, assalto à mão armada.
É domingo.
Ela não descansa, tem que ir ao CDP visitar o menino, levar comida, sabonete, etc.
A menina e o menino, que ainda ficaram em casa, dormem.
A menina tem 15 anos, está grávida, em breve, mais uma boca para Zuleide alimentar.
O garoto Jonathan parece que vai seguir rumo diferente do irmão, gosta da escola, e ela entristece e emudece toda vez que ele fala dos planos, de fazer uma faculdade, de ser alguém.
Zuleide sabe o peso da frustração, aliás, ela já sabe que frustração é o sobrenome do pobre.
Corta para 2024.
Zuleide sente o calor da luz do sol, que ilumina seu rosto pelas frestas e buracos do barraco onde vive na periferia de SP, mas que pode ser de qualquer outra periferia, é verdade.
A geografia da miséria não muda, e no Brasil, ela sabe, a cor também não.
Zuleide tem 58 anos, mas parece ter 89.
É finados, e embora seja feriado, ela tem que ir ao São Luiz visitar o túmulo do filho, que depois de preso, foi solto, e morto pela polícia.
A menina Luana tem três filhos, todos de pais diferentes, todos de pais ausentes, como o pai de Zuleide e de sua filha.
Jonathan largou a escola, teve que procurar emprego.
Tem dois filhos, e mora em Taubaté, se mudou.
Ela quase não vê os netos.
Parece que todos estão bem, o menino é bom, responsável, ganha 2 salários e meio por mês em um supermercado.
A nora é manicure.
Eles se viram como podem.
Zuleide se olha no espelho, suspira.
Ela já acreditou em todas as promessas que podia, viu a situação melhorar um pouquinho com Lula em 2003 até 2011, depois com a Dilma.
Depois tudo piorou muito mais, é verdade, porque a ajuda que vinha não deu para tirar ela dessa miséria, só acalmou um pouco as coisas.
Ela não andou de avião.
Não formou filho médico, e matutava:
– Será que a culpa é minha?
Esses pensamentos corroíam sua mente, sua alma mesmo, tipo ideia fixa.
– Será que não tentei o bastante?
Zuleide deixou flores no túmulo do filho.
Regou as flores e a terra com suas lágrimas.
Na volta, esperava o metrô.
Zuleide entendeu que não era culpa dela.
Mas Zuleide entendeu que não havia lugar para gente como ela nesse mundo, não um lugar decente, só há miséria e desalento.
Deu no Brasil Urgente:
Mulher se joga na linha do Metrô e morre.
Veja a seguir.
Zuleide, a resistente, em 2024, 58 anos, não precisava ter pressa: mais um pouquinho, com a vida que levava, iria de carona, sem esperar o metrô.
Conheci Zuleides, fortes, batalhadoras, mas sem culpa.
Sabiam que erraram nas escolhas da juventude, ainda que poucas escolhas lhes restassem, mas também sabiam que sempre se pode dizer um não. O estado está se lixando com os pobres: deles só querem a força e a prole. É aí que a Zuleide tem que dizer não. Tem que ignorar o pastor, o padre, o tesão, a tentação, a miséria e dizer não, eis que a continuação da miséria está no seu ventre.
Ela disse… não…
Tarde demais ela disse não à vida depois de tanto sim desenganado, segundo a sua história.
Na verdade, a história é toda composts de nãos.
Não direito, não dignidade, não alternativa, não esperança.
O não dela não é um não à vida, porque ela não viveu, de fato.
O não dela é um não a não-vida a que estão submetidos (as) todas as Zuleide, Severinos, silvas e Souzas desse não país.
A vida disse não a ela depois que ela resolveu reproduzir a miséria. Viver em miséria sozinho é contornável,porém a miséria conjunta é prolífica. Dizem os “coachs” americanos (antigamente palestrantes motivacionais), que ” A miséria adora companhia” é o que diz “Joseph Murphy no seu livro ” 1001 maneiras de enriquecer ” .https://youtu.be/CExAKBb07CI
Assim, repito, não é aconselhável que a pessoa resolva reproduzir-se enquanto não tiver como garantir a própria sobrevivência. Não é uma questão econômica ou social, é uma questão estritamente pessoal, tanto quanto é personalíssima a reprodução. Temos ou não racionalidade e consequente arbítrio?
“Todos os meus movimentos são friamente calculados” assim dizia o Chapolin Colorado, o herói máximo com que o povo mexicano podia contar para socorre-lo.
Lula, com esse comício magro passa a ser no Chapolin do Brasil.
Corrigindo: “Lula, com esse comício magro passa a ser o Chapolin do Brasil.
Foi magro o 1 de Maio? É. E daí? As coisas mudam constantemente. Acho que poucos estão dispostos a sair em feriado para manifestações comemorativas. É. Trabalhador também gosta de passear com a família, com a namorada, com os filhos nos dias de folga. Manifestações são interessantes quando é para contestar. Já para comemorar, nem tanto. Acho que o governo Lula está agindo com calma e sangue frio como o momento exige. Isso é o que importa. E os momentos em política, como todos sabem,podem se alterar repentinamente. Então, calma e olho vivo é o que cabe neste instante.
Nooooooossa.
Deve ser por isso que trabalhadores da Europa (ganham bem menos que nós, não?) encheram as ruas, e os brasileiros, cautelosos e felizes com uma renda média de 2, 3 mil reais (dá quanto isso em euros?), não saíram de casa.
Cautela, afinal, podemos perder esse transporte público majestoso, esses salários enormes, educação maravilhosa, enfim, esse estilo de vida muito melhor que na França ou Alemanha (países desiguais que só eles).
Também temos uma paz social que não podemos perder.
É na Itália ou na Bélgica que matam 40 mil pessoas com arma de fogo por ano.
Tá certo.
Então tá, então.
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Wu_wei
Exatamente!
Taoísmo na veia. Aprendendo com a China.