
ESPORTE BRETÃO
Torcidas organizadas voltam à guerra
por Percival Maricato
Mais um lamentável episódio entre torcidas aconteceu nesta semana, o que teria sido segundo a imprensa uma emboscada de membros da Mancha Verde, que deixou o estádio do Palmeiras e foi ao encontro de três ônibus do Gaviões da Fiel, que vinha do jogo do Corinthians em São Bernardo. O embate deixou várias pessoas gravemente feridas, uma delas a tiro.
Essas agressões revelam que ainda temos em nós muito do primata do tempo das cavernas. Temos uma película civilizatória que em muitos casos cede espaço à violência pelo menor motivo. No dia de hoje um policial militar atirou três vezes na cabeça de um garçom de bar desarmado, porque os colegas deste reagiram contra um seu amigo que assediou uma garçonete. No caso das torcidas, sempre há um motivo que justificaria a agressão, às vezes , e em extrema covardia, até contra um indivíduo inadvertido que passa distraído pela rua usando uma camisa do time adversário.
Advoguei para algumas torcidas e percebe-se que na cúpula há pessoas mais maduras, mas à medida que o número dos que aderem a ela cresce e os jovens vão se tornando maioria, principalmente em dia de jogos, os dirigentes perdem o controle ou ás vezes acompanham atos violentos para manter a liderança e uns poucos líderes são tão ou mais agressivos..
No interior de cada uma delas há uma massa social de pessoas pobres, trabalhadores, muita gente da periferia, não poucas carregando as carências e as frustrações do dia a dia, dos subempregos, do salário que não paga as contas e outras tantas mazelas da opressão e da desigualdade característica do país, que afrontam a dignidade dos cidadãos. Gastar as energias torcendo faz bem a esse cidadão e não deixa de ser um tanto o efeito panis et circencis. Ele tem a chance de ser vitorioso; gritar alivia a pressão, até quando seu time perde. Há situações, porém, onde as energias negativas se somam, pessoas propensas a agressões se juntam e a história ensina que isso é muito perigoso e deve ser contido senão por dirigentes pela polícia, que não pode prescindir da inteligência para prever, acompanhar, reprimir se necessário os truculentos.
Outro sintoma de barbárie é a violência estúpida descarregada contra ônibus e carros e estações do metrô, às vezes carros particulares, pedestres que são atacados sem mais nem menos, fato que vinha diminuindo, mas ainda exige mobilização de policiais por toda a cidade em dias de clássicos.
Os dirigentes dessas torcidas nem sempre se manifestam, alguns dizem que esses episódios decorrem da formação de grupos de jovens membros da organizada e os que a eles se juntam nos dias de jogo, que eles não a representam, não são a maioria. Mas pouco fazem para controla-los, orienta-los, exclui-los se necessário.
Isso prejudica o futebol. Há pouco tempo as autoridades permitiram a entrada em estádios de cabos para levar bandeiras, já estava assumindo força o movimento para permitir torcidas dos dois times que disputavam a partida no mesmo jogos. E agora tudo isso pode voltar atrás. Não só não chegou a hora de ter duas torcidas no mesmo estádio com ficou claro que não pode haver duas partidas de times grandes no mesmo dia na Grande São Paulo. Como aconteceu nesse que houve o conflito narrado e que se deve-se pensar mais uma vez é em afastar certas torcidas dos estádios por algum tempo como punição. Afinal, como levar a família, crianças, a um lugar sem segurança.
Evidente que os atacados irão procurar vingança, e então teremos a vingança da vingança, da vingança, da vingança….Há grande apreensão que possa ocorrer fatos lamentáveis no Carnaval. Fui dirigente da União das Escolas de Samba na época em que o Gaviões da Fiel era bloco e queria virar escola de samba. Na época eu e vários colegas temíamos que fosse levado para o samba, para as pessoas que torcem para escolas no samba, a agressividade com que se torcia no futebol. A torcida é muito diferente no samba onde o adversário sempre admira, se emociona, aplaude para valer quem faz o melhor desfile. Mas a Gaviões foi admitida e depois a Mancha Verde, e vinham fazendo bonito. Esperemos que isso ocorra também este ano. Torcer não é ser violento com o próximo porque por um ou outro motivo, as vezes admiração pelo pai, ou pelo bairro onde mora, ele adota uma camisa do adversário.
Escrevo tudo isso com esperança que as torcidas fumem o cachimbo da paz, sentem juntas para acabar com essa guerra estúpida e se unam para enfrentar o maior dos desafios que é tornar o Brasil um país civilizado onde todos tenham habitação, alimentação, acesso à saúde, respeito ao meio ambiente, as crianças e os índios estejam protegidos, a democracia não seja ameaçada por delinquentes, o racismo e o desemprego sejam extirpados de vez. Esse é o grande desafio, é isso que exige coragem. As torcidas poderiam ser relevantes nessa luta, basta ver como em minutos fizeram o que a polícia não fez em um mês: limparam algumas estradas paralisadas por delinquentes , empresas donas de caminhões que ameaçavam a democracia.
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