
Lobby sionista domina o congresso dos EUA
por Ruben Rosenthal
O embate entre progressistas e o lobby pró-Israel já estava colocado mesmo antes do atual confronto Israel-Hamas.
Até o momento, os bombardeios da Faixa de Gaza promovido pelas tropas israelenses já causaram mais de 17 mil mortes, sendo a maioria destas de civis. Nas últimas semanas, o forte lobby sionista vem procurando evitar que as amplas manifestações que ocorrem em vários países do Ocidente, em repúdio contra o genocídio de mulheres, crianças e idosos, possam prejudicar o tradicional apoio diplomático e bélico desses países a Israel.
Nos Estados Unidos, principal aliado de Israel, congressistas de esquerda do Partido Democrata vêm sendo alvo de várias organizações lobistas pró-Israel, e estão ameaçados de não conseguir se reeleger por criticarem as ações do governo Netanyahu.
O chamado “Esquadrão Progressista” ou simplesmente “Esquadrão” deverá encarar uma dura batalha no ciclo eleitoral de 2024, no enfrentamento de várias organizações pró-sionismo. A principal destas organizações, AIPAC (Comitê Americano de Ações Públicas), deverá gastar pelo menos 100 milhões de dólares nas próximas primárias do Partido Democrata, com o intuito de derrotar os candidatos progressistas mais críticos de Israel.
Fazem parte atualmente do Esquadrão na Câmara, além das quatro fundadoras – Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), Ilhan Omar, Ayana Pressley e Rashida Tlaib, os congressistas Jamaal Bowman e Cori Bush, eleitos em 2020, além de Greg Casar e Summer Lee, eleitos em 2022.

Parte da mídia corporativa norte-americana costuma rotular o esquadrão como sendo de extrema esquerda, o que está longe da realidade. A bancada progressista na Câmara é composta por 100 deputados, enquanto que no Senado, o único progressista é Bernie Sanders.
Os votos de resistência ao sionismo
O embate entre progressistas e o lobby pró-Israel já estava colocado mesmo antes do atual confronto Israel-Hamas. Em fevereiro deste ano, Ilham Omar, muçulmana nascida na Somália, foi afastada do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, sob o pretexto de comentários que ela havia feito em relação a Israel. Entretanto, após a “punição”, ela alcançou maior notoriedade internacional.
Em julho deste ano, a Câmara votou a resolução 57, se posicionando por 412 a 9, que “Israel não é um estado racista ou de apartheid”. Dentre os 9 deputados democratas que votaram contrariamente à resolução, estavam sete membros do Esquadrão. O único do grupo a votar favoravelmente à resolução foi o novato Greg Casar, que optou por negar o óbvio, que as principais organizações de direitos humanos do Ocidente, Anistia Internacional e Human Rights Watch, já haviam demonstrado em extensos relatórios.
A votação ocorrera em função de uma declaração da deputada Pramila Jayapal, de que Israel é um estado racista. Pramila é líder da bancada progressista na Câmara, mas não faz parte do Esquadrão. No entanto, acuada com os ataques que sofreu na sequência de sua declaração, ela se retratou e votou a favor da resolução.
O episódio sugere que a forte pressão do lobby sionista e da mídia corporativa simpática a Israel intimida mesmo alguns dos progressistas mais assertivos, que por vezes titubeiam em suas convicções.
Na sequência dos ataques do Hamas de 7 de outubro e da retaliação do exército de Israel, foi colocada em votação a resolução 771, em 25 de outubro. A resolução inclui, desde o apoio ao direito de autodefesa de Israel, ao reforço de sanções contra o Irã, sem, no entanto, fazer qualquer menção à Questão Palestina ou ao morticínio da população civil de Gaza pelos bombardeios do exército israelense.
A entidade sionista J Street, tradicionalmente moderada, declarou na ocasião que iria atuar para barrar a reeleição de congressistas que não apoiassem a referida resolução, que, ao final, foi aprovada por 412 a 10, com 6 abstenções. Do esquadrão, Jamaal, Cori, AOC, Ilham, Rashida e Summer votaram contra a resolução; também do esquadrão, se abstiveram Ayanna e Greg Casar. A líder da bancada progressista, Pramila Jayapal, também se absteve.
AIPAC criticou os membros do esquadrão por não apoiarem a resolução 771. Em resposta, AOC chamou a organização sionista de “racista e preconceituosa”, e que ela “desestabiliza a democracia dos EUA”, por ter endossado 109 congressistas republicanos que haviam votado em 6 de janeiro de 2021 para deslegitimar a eleição de Joe Biden.
Uma pesquisa de opinião da Reuters, divulgada em 15 de novembro, indicou uma maioria da população a favor de que os EUA atuem como mediador neutro do conflito. Dos entrevistados, 68% foram favoráveis a que “Israel concordasse com um cessar fogo e tentasse negociar”. No entanto, as tentativas de aprovar na Câmara uma resolução nesse sentido estão emperradas.
Em 16 de outubro, alguns membros da bancada progressista deram entrada na resolução 786, que pede uma imediata desescalada e o cessar-fogo do conflito em Gaza. A moção foi encaminhada em 25 de outubro para o Comitê de Relações Exteriores da Câmara, e lá permanece até o momento, sem ser colocada em votação.
Em 7 de novembro, Rashida precisou enfrentar uma moção de censura na Câmara, com a acusação de que ela fizera uso de “retórica antissemita” na sequência da ação do Hamas de 7 de outubro. Alguns democratas se juntaram aos republicanos para aprovar a moção por 234 a 188. Assista aqui a defesa que Rashida fez de suas posições.
Em 28 de novembro, foi votada a resolução 888 pela Câmara de Representantes, reafirmando o direito de existência de Israel, e determinando que negar este direito representa uma forma de antissemitismo. Esta resolução, em que o povo palestino não é sequer mencionado, foi aprovada com 412 votos a favor, 1 abstenção e 1 voto contrário, este do republicano Thomas Massie. A abstenção foi de Rashida Tlaib, que é filha de imigrantes palestinos da classe trabalhadora.
Também em 28 de novembro foi votada a resolução 894, que “estabelece clara e firmemente que antissionismo é antissemitismo”, tendo sido aprovada por 311 a 14, com 92 abstenções de membros democratas. É interessante observar que houve também um voto republicano contrário à resolução, novamente de Thomas Massie.
Já no Senado, não houve qualquer movimento em prol de um cessar-fogo. Apoiadores de Bernie Sanders ficaram descontentes por ele não submeter uma resolução no Senado a favor de um cessar-fogo, no momento em que já tinham ocorrido muitas mortes de civis em Gaza.
Quando da campanha presidencial de 2016, Bernie Sanders trouxe a questão da situação humanitária em Gaza e criticou o apoio incondicional que os EUA davam ao governo israelense, na época também sob o comando de Benjamin Netanyahu. O posicionamento de Sanders repercutiu favoravelmente junto às comunidades árabe e muçulmana dos EUA, e com o apoio destas, ele pode ganhar as primárias em Michigan. A expectativa agora de seus apoiadores em geral era, portanto, que ele defendesse o cessar-fogo no atual conflito.
Em discurso no Senado em dezembro, Sanders se colocou contra a aprovação de verba de 10,1 bilhões de dólares para fomentar a guerra na Ucrânia e fornecer armas para Israel que não fossem exclusivamente para defesa do estado judaico contra mísseis. Mas ainda não foi desta vez que o senador se manifestou a favor da cessação das hostilidades e início de negociações.
O lobby sionista nos EUA
Artigo de 2022 no blogue Chacoalhando mostrou como as diversas organizações do lobby pró-Israel nos Estados Unidos se aliaram aos interesses das grandes corporações, para interferir no processo de seleção de candidatos democratas ao congresso. Para as corporações, o objetivo da aliança era o de barrar a indicação de candidatos progressistas, e com isso evitar que pudessem ser aprovadas regulamentações que prejudicassem seus interesses.
O artigo descreve como o sistema de doações em campanhas eleitorais nos EUA é utilizado para interferir na “democracia” estadunidense. Um exemplo clássico foi a derrota nas primárias de um distrito em Ohio, da ex-senadora Nina Turner, que defendia que a ajuda dos EUA a Israel não devesse ser usada para perpetuar a ocupação israelense da Cisjordânia.
As organizações lobistas DMFI e America Pro-Israel investiram quase 3 milhões de dólares no candidato opositor de Nina. Também os lobistas pró-corporações declararam guerra a Nina Turner. Ao final, a vantagem inicial de 30 pontos de Nina foi revertida, e ela perdeu por 6 pontos.
Anteriormente, o lobby sionista havia encarado uma derrota, ao não conseguir barrar a vitória do educador Jamaal Bowman em uma primária democrata no distrito do Bronx, Nova Iorque. Jamaal era forte crítico da detenção de crianças palestinas por Israel. Eleito para a Câmara em 2021, ele se juntou ao Esquadrão. Entretanto, Jamaal votou contra o boicote econômico a Israel e a favor dos fundos suplementares de 1 bilhão de dólares para financiar o Iron Dome, o escudo protetor contra mísseis lançados de Gaza.
Campanhas financiadas pelo lobby sionista
No site da organização OpenSecrets é possível se identificar a origem das doações recebidas por políticos estadunidenses para promover suas campanhas eleitorais. Em particular, as doações provenientes do lobby pro-Israel também estão discriminadas.
Joe Biden, um caso de amor com o sionismo?
Durante seus 36 anos no Senado, Biden foi o maior recebedor de fundos de campanha dos grupos pró-Israel, totalizando 4,228 milhões de dólares desde 1990. Hillary Clinton vem na sequência, com 2,358 milhões de dólares.
Quando Biden se encontrou com Netanyahu durante sua visita a Israel em outubro, o presidente norte-americano declarou: “não acredito que alguém precise ser judeu para ser sionista, e eu sou sionista”. Talvez isso explique, em parte, a resistência de Biden em ser mais assertivo na contenção dos crimes de guerra e de genocídio cometidos contra os palestinos pelo governo de Israel. O dinheiro de campanha explicaria a outra parte dessa relação de amor.
O poder do lobby sionista no congresso dos EUA
Ainda segundo OpenSecrets, as contribuições em 2023 vindas do lobby pró-Israel já alcançaram 2,93 milhões de dólares até o momento. Como ocorrerão eleições em 2024, este valor deverá aumentar bastante. As doações de campanha não são provavelmente o único motivo para o apoio incondicional, por vezes quase que unânime, do congresso norte-americano a Israel. A geopolítica também tem influência significativa.
Nos anos recentes, vem ocorrendo aumento nas contribuições de campanha pelo lobby pró-Israel, com o intuito de interferir no resultado das eleições estadunidenses. O gráfico mostra que ocorreu um crescimento das contribuições para os partidos democrata e republicano a partir de 2020.

O surgimento de um movimento progressista mais radical no interior do Partido Democrata fez com que o lobby precisasse investir mais, para garantir o alinhamento da política externa estadunidense com os interesses de Israel.
Resta ver se os progressistas do Esquadrão vão manter suas convicções, e resistir às pressões do lobby sionista, conforme se aprofundam as políticas de limpeza étnica e de apartheid promovidas por Israel.
Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, veiculado no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.
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