Fausto Godoy
Fausto Godoy, Serviu nas Embaixadas do Brasil em Bruxelas (1978); Buenos Aires, (1980); Nova Delhi (1984); Washington (1992) e Tóquio (2001). Foi designado Embaixador junto aos governos do Paquistão (2004) e Afeganistão (2005). Serviu posteriormente em Hanoi (2007); Consulado do Brasil em Tóquio; Escritório Comercial do Brasil em Taipé; e nas Embaixadas do Brasil em Bagdá (sediada em Amã), Daca, Astana e Yangon. Foi Cônsul-Geral do Brasil em Mumbai (2009). Aposentou-se do Serviço Exterior Brasileiro em 2015. É membro da Diretoria da Câmara de Comércio Brasil-Índia. É coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos na ESPM
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A saga da Índia (III) – A lua… a bomba… a ciência… e além…, por Fausto Godoy

A Índia moderna mantém um forte foco em ciência e tecnologia, área considerada chave para o seu crescimento econômico.

Divulgação documentário “Com Amor, Índia!”

do Observatório de Geopolítica

A saga da Índia (III) – A lua… a bomba… a ciência… e além…

por Fausto Godoy

Como acompanhamos pela imprensa, no dia 23 de agosto a Índia tornou-se o quarto país a enviar uma nave espacial à lua. Porém, diferentemente dos seus três antecessores – a Rússia (então União Soviética), o primeiro a realizar a façanha, em 1966; os Estados Unidos, três meses após os russos; e a China, em 2013 – , a iniciativa indiana foi mais ambiciosa: o “Chandrayaan-3” pousou no polo sul lunar, região considerada mais difícil do que a faixa equatorial do satélite, local onde os outros “alunaram”.

Agora, o foco dos cientistas indianos passou a ser a paralelamente pesquisar o sol. De acordo com a “Indian Space Research Organization”/”Organização Indiana de Pesquisa Espacial”/ISRO, estava previsto para o dia 2 de setembro o lançamento da espaçonave “Aditya-L1”, na tentativa de estudar o astro-rei. Esta operação, apontou a entidade, constituirá o primeiro observatório espacial do país para “desvendar” o sol. A missão focará o estudo das características do vento solar, que pode potencialmente causar perturbações nos sistemas de comunicações e navegação na Terra.

Qual é a motivação destas iniciativas?…Vamos à História…

Logo após a independência, em 1947, Jawaharlal Nehru, o primeiro Primeiro-Ministro da Índia, iniciou reformas para promover a área de ciência e tecnologia. Uma das primeiras iniciativas foi a criação do “Indian Institute of Technology” (IIT), concebido por uma comissão de acadêmicos e empresários. Inaugurado em 18/08/1951, o ITT foi a matriz de todo o processo subsequente .

A partir da década de 1960, laços estreitos do país com a União Soviética permitiram que paralelamente ao programa espacial, a ISRO avançasse nas pesquisas nucleares. Recordemos que as relações conturbadas com o vizinho Paquistão foi o principal motivo da autorização dada pela Primeira-Ministra Indira Gandhi para que a Índia detonasse um artefato nuclear – o “Pokran-I”- no deserto do Rajastão, na manhã de 18 de maio de 1974, transformando-se numa potência nuclear, ainda que não reconhecida pelo “Tratado de Não-Proliferação Nuclear”/TNP. Esta realidade foi um choque para o mundo inteiro… O Paquistão “reciprocaria” quando realizou com sucesso, em 28/05/98, o teste “Chagai-I”, codinome de cinco explosões subterrâneas simultâneas. na província do Baluquistão. Esta iniciativa, e o momento em que ocorreu, foi uma resposta direta ao segundo teste nuclear – “Pokhran-II”- que a Índia efetuara alguns dias antes. Nenhum dos dois aderiu até o momento ao TNP: são, portanto, “potências nucleares não-declaradas”. Mas ambos comprometeram-se com a política do “No First Use”, o que significa que nenhum deles será o primeiro a lançar mão desses artefatos num conflito. E ambos respeitaram este compromisso até agora.

Vamos à análise dos dados e fatos…

A Índia moderna mantém um forte foco em ciência e tecnologia, área considerada chave para o seu crescimento econômico. Com este objetivo, o governo introduziu várias políticas destinadas a projetar o país como potência nessa esfera e, para tanto, envolveu estreitamente os setores público e privado. As áreas de tecnologia da informação, biotecnologia, setor aeroespacial, ciência nuclear, tecnologia de fabricação, engenharia automobilística, engenharia química, construção naval, eletrônica, ciência da computação e ciências médicas incluem-se entre as que estão sendo promovidas em grande escala. Como resultado, a despesa bruta do governo em P&D vem aumentando consistentemente ao longo dos anos; fruto disto, a Índia responde atualmente por cerca de 10% de todas as despesas em P&D na Ásia.

A escolha pela área de ciência e tecnologia tem dois grandes êmulos: a China e o futuro de sua juventude.

Vamos ao primeiro: ainda que parceiras no clube – ainda – fechado do BRICS, a disputa pela liderança na Ásia entre as duas grandes potências regionais tem-se acirrado nesta última década. A China saiu na frente, como sabemos, e agora confronta-se com o desafio de consolidar o seu futuro segundo os padrões que definira, sobretudo o de ser a superpotência comercial do planeta. Para tanto, desenhou e está implementando os projetos “Belt and Road Initiative” – a “Nova Rota da Seda” – que unirá a Eurásia à África (“so far”) e o plano “Made in China 2025”, em que selecionou dez setores de tecnologia de ponta nos quais focará a sua política de desenvolvimento. Enfrenta, entretanto, uma percebida estagnação decorrente do seu próprio sucesso: a economia patina frente à resistência do Ocidente afluente em entregar-lhe esta liderança; e neste cenário, busca transferir o foco da sua política de desenvolvimento para o setor interno, ou seja, para a sua população cada vez mais afluente… mas declinante em número de indivíduos…Isto muito resumidamente, é claro…

Às voltas com os seus desafios de política interna, a Índia saiu depois, mas como vimos, empenha-se em resgatar o tempo perdido. A aposta principal é na sua juventude e na necessidade de suprir mercado de trabalho para mais de 50% de uma população com menos de 25 anos de idade, e mais de 65% com menos de 35 anos!

Através de Planos Quinquenais, o governo persegue quatro objetivos principais: Crescimento, Modernização, Autossuficiência e Equidade. No quesito crescimento inclui o aumento da capacidade do país de produzir bens e serviços internamente, e impulsionar as novas tecnologias que aumentem a produtividade e a eficiência das empresas indianas. Lançando mão da sua liderança na área da tecnologia da informação – a grande maioria das empresas de “call centers” no mundo é indiana – e da facilidade natural da sua juventude em lidar com dados abstratos – foram os indianos que inventaram o Zero – o governo e os setores empresariais adotaram a política de apoiar as campeãs de T.I., várias delas presentes no Brasil: Tata Consultancy, Infosys, Wipro são nomes reconhecidos pelos brasileiros.

No campo externo, a fim de se recuperar da perda no final da Guerra Fria, em 1991, da que fora sua parceira estratégica tradicional, a União Soviética, a Índia vem procurando construir uma relação “privilegiada” com os Estados Unidos e os aliados deste no Sudeste Asiático. Esta mudança visa reforçar sua posição como potência regional e criar um contrapeso à influência estratégica da China.

Para tanto, em novembro de 2014 o governo de Narendra Modi, do “Bharatiya Janata Party”, atualmente no poder, lançou o plano “Act East Policy”, que foi uma atualização da política “Look East” do governo anterior, do “Indian Congress”. Trata-se de uma iniciativa diplomática para promover relações econômicas, estratégicas e culturais em diferentes níveis com a vasta região da Ásia-Pacífico, sobretudo com os países-membros da ASEAN. As áreas priorizadas foram conectividade, comércio, cultura, defesa e as relações interpessoais nos níveis bilateral, regional e multilateral.

“Les jeux sont faits”…a roleta das relações entre as grandes potências da Ásia segue em movimento: Índia + China… Índia X China…´´India/China…Índia + Ásia-Pacífico… E o Japão, que na década de 90 chegou a atemorizar os americanos com seu desenvolvimento acelerado?…

Fausto Godoy

Fausto Godoy, Serviu nas Embaixadas do Brasil em Bruxelas (1978); Buenos Aires, (1980); Nova Delhi (1984); Washington (1992) e Tóquio (2001). Foi designado Embaixador junto aos governos do Paquistão (2004) e Afeganistão (2005). Serviu posteriormente em Hanoi (2007); Consulado do Brasil em Tóquio; Escritório Comercial do Brasil em Taipé; e nas Embaixadas do Brasil em Bagdá (sediada em Amã), Daca, Astana e Yangon. Foi Cônsul-Geral do Brasil em Mumbai (2009). Aposentou-se do Serviço Exterior Brasileiro em 2015. É membro da Diretoria da Câmara de Comércio Brasil-Índia. É coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos na ESPM

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