O anarco-cyber-rentismo ou anarco-rentismo digital!, por Felipe Silve

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O anarco-cyber-rentismo ou anarco-rentismo digital!

por Felipe Silve

Comentário ao post ‘Xadrez da geopolítica, do caso Huawei e da Lava Jato, por Luis Nassif

Uma boa olhada nos textos do grupo Krisis trazidos a esse blog por Wilton (Cardoso) Moreira nos proporcionará alguma luz sob o que aparentemente é só treva!

Conhecidos pela “Crítica do Valor”, rechaçados como profanadores dos cânones do marxismo, apenas por apontarem as insuficiências do pensamento marxiano, que aliás, não poderia prever tudo, tanto pelos seus limites contextuais, quanto pelas carências teóricas em si, o grupo Krisis é o que está mais avançado para nos fornecer as ferramentas teóricas para compreensão do momento atual.

Não se pode desprezar Harvey e outros.

No entanto, embora reconheçam que não se pode mais explicar o capital fictício (crédito e sistema rentista) a partir da acumulação de valor e mais-valor e sua monetização (capital produtivo), esses teóricos ainda insistem (pelo menos pelo que entendi) que a atual etapa de evolução histórica de acumulação ainda guarda relação de causa e efeito com o capital produtivo, ou como chamamos, o mundo real.

Não mais. 

A única semelhança ou ponto em comum é a acumulação (per si), mas isso sequer igualava as fases anteriores do capitalismo (mercantil ou pré-capitalista do século XV em diante, até o capitalismo industrial e suas fases – as revoluções tecnológicas).

Não é disso que trata o post de Luis Nassif, mas eu chego lá.

Nos vários textos acerca do assunto (o fim do capitalismo e o abandono de suas formas de organização social conhecidas: estado, sistemas representativos, polícia, justiça, moeda, sindicatos, e enfim, o trabalho, dentre outras instâncias), todos são unânimes em afirmar que o movimento atual empurra as chamadas empresas reminiscentes do estágio produtivo anterior, principalmente as de viés tecnológico avançado, em uma disputa fratricida na nova cadeia alimentar da acumulação sem causa, ou seja, no mundo convertido a algoritmos e alavancagem sem lastro, que gera dinheiro a partir de operações de crédito e não da produção ou da aquisição ou alienação de ativos, ou qualquer outra instância inerente aos processos conhecidos na produção capitalista (distribuição, logística, financiamento, comércio, etc).

Claro que não podemos resumir todos os problemas às facilidades oferecidas por um economicismo vulgar ou um determinismo das infraestruturas (econômicas) sobre as superestruturas (políticas).

Mas a desproporção entre os volumes de “riqueza” gerados entre o mundo real (capitalismo industrial) e o capital fictício (anarco-rentismo digital) certamente se reflete como causa e efeito, recíprocos, é verdade, na desproporção do poder de pressão política dos estados nacionais e seus representantes estatais ou não (sindicatos, partidos e outras formas de organização social) naquilo que antes já era frágil, ou seja, na capacidade de manter o monstro adormecido, a custa do permanente sacrifício de direitos de largas faixas de população ao redor do planeta.

Em outras palavras: a medida que o rentismo virou um elefante, e o capital produtivo permaneceu um rato (que pariu o elefante), as formas de representação política, as estruturas estatais burocráticas (judiciais, polícias, etc) e os mandatos parecem cada vez mais anacrônicos, e se inclinam a fragmentação comportamental, indicando que ninguém parece estar a salvo ou sob proteção de alguma regra que dure mais que a oportunidade em alterá-la, e os intreresses de quem se beneficia com isso.

Nada mais consegue alimentar esse monstro, que grosseiramente mudou a dieta, a passou a alimentar-se de si mesmo, enquanto se reproduz exponencialmente, mas ainda engole de sobremesa os “inúteis” expulsos dos esquemas de exploração anteriores.

Esse intrincado processo, como dizem os teóricos, reduz os combalidos e iminentemente mortos estados nacionais a cafetões lutando para oferecer os serviços nacionais pelo preço mais baixo, em uma reprodução global daquilo que já conhecemos internamente como guerras fiscais, fenômeno que aconteceu no Brasil “neoliberal”, e tolheu a capacidade (já falida) dos orçamentos em enfrentar as desigualdades promovidas pelo capital:

– Quanto mais desigualdade, menores os orçamentos públicos, maiores as demandas, maiores desigualdades, e assim vamos explodindo em conlfitos insolúveis.

Em escala global, na busca por estabelecimento de “novas” barreira competitivas entre si, os gigantes (outrora gigantes produtivos), acossados por enormes fundos de hedge e outras modalidades de consórcios rentistas, criaram toda uma nova “teologia” do capital, adaptada a sede de espetáculo das redes sociais e dos movimentos alucinados dos algoritimos financeiros, isto é: a moralidade pública expressa mormente como luta contra a corrupção.

Esse modelo, como as empresas de hedge são transnacionais, logo, EUA prendem uma chinesa em algum país!

Uma adaptação sem precedentes das jornadas anteriores, como as Cruzadas e Inquisição, o Macartismo, e tantos outros movimentos ideológicos que criavam a base de consenso para a implantação de ideologias econômicas irracionais, e que por isso, precisavam de uma base emocional gigantesca!!!

Como ensinam os teóricos do Krisis, cada país experimenta esse fenômeno de uma forma adstrita a seu lugar relativo no tabuleiro geopolítico e de acordo com sua História.

O texto de Luis Nassif comete algumas impropriedades, dentre as quais destaco a principal:

– O sistema representativo brasileiro estava contaminado, mas o que foi alvejado foi a engenharia!

Aqui o erro comum a esquerda e aos progressistas, frequentemente revelado no texto do Krisis, onde se imagina que haveria uma realidade alternativa, ou uma forma de elaborar um capitalismo nacional e um sistema representativo que escapasse a essa “contaminação” no campo político, e bebendo na fonte keynesiana, em seus aspectos de política econômica.

Não havia.

A “contaminação” aqui não é diferente de outros sistemas representativos ao redor do mundo, e a promiscuidade entre capital e tais sistemas representativos foi (até ontem) a própria razão de ser do capitalismo e vice-versa.

Não havia capitalismo sem essa contaminação de seu poder de pressão sobre os sistema legais e representativos.

Lógico que os EUA chamam isso de lobby. Nós chamamos de crime.

Assim como a lógica (irracional, termo emprestado do último livro de Harvey) do capital não permitiria o surgimento de um competidor global sem uma boa dose de conflito e oposição.

Em tempos de fim do capitalismo produtivo, isso é improvável, sem a recuperação ou a criação de uma forte consciência política que abandone a luta pelos escombros do capitalismo produtivo e passe a imaginar e pensar formas de intervir na nova realidade que se apresenta.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Há vinte e quatro séculos

    Há vinte e quatro séculos Platão parece ter antevisto o mundo em que vivemos:

    “O livro VIII de A República estabelece, por sua vez, que o desequilíbrio das funções da alma e das funções da cidade, em que consiste a injustiça, acarreta fatalmente o ciclo dos cinco regimes políticos e dos cinco tipos humanos por meio de sua gênese mútua até o seu termo: o mundo do apeiron, marcado pela esterilidade absoluta da tirania.” (Platão, Jean-François Mattei, editora Uniesp, São Paulo, 2010, p. 145/146)

    1. O anarco-cyber-rentismo ou anarco-rentismo digital!

      Na verdade, se entendermos o tempo como única medida de nossa passagem pela terra, e sendo o tempo uma grandeza diferente daquele que dividimos em cronogramas lineares, de fato ele não anteviu, mas só percebeu aquilo que se repete e se repete, como uma espiral cujos ciclos vão se expandindo de maneira incontrolável.

      Se observares uma espiral, a sua representação gráfica, verá que podemos tracar uma linha de dentro para fora (a partir da sua partida) ou de fora para dentro (até seu ponto de partida) e termos nos contatos perpendiculares uma ideia sobre nossos processos históricos.

      Sempre parece que a cada volta as coisas se agudizam e ficam mais e mais dramáticas.

      Uns escolhem o caminho gnóstico para explicar esse deja-vu. Outros a Matrix. 

      De fato, as premissas estão sempre aí:

      a) as relações de poder;

      b) a perplexidade frente a morte;

      c) o sadismo inato;

      d) a sexualidade ambígua e reprimida;

      e) o paradoxo entre a necessidade de andar em grupos (sociais) e desejar ganhar a corrida evolutiva de forma individual (relaciona-se com o item “a”).

      f) e enfim, a eterna dúvida entre o mundo como realidade ou representação da nossa vontade (que valeu uma orelha a Schopenhauer, que via o mundo de forma tão sofrida – e talentosa – como  Van Gogh).

  2. anarco-cyber-rentismo

    Prezados,

     

    Os tempos são difíceis, há mudanças estruturais em curso e não há consenso sobre teorias e explicações que contemplem a totalidade dos elementos em transformação.

    O certo é que o capital, tal qual definido por Marx, é agente político de primeira linha e domina o conjunto da vida social por meio de de uma lógica tipicamente financeirizada. Isto não significa, necessariamente, um descolamento da base material de produção industrial ou do mecanismo de reprodução dos seus operadores assalariados nem uma verdadeira antinomia entre uma fração produtiva do capital e outra especulativa ou financeira.

    Significa que a lógica sistêmica do capital no século XXI logrou realizar o seu objetivo inicial, já delineado desde o século XIX, de gerar mais dinheiro a partir de dinheiro em uma escala sem precedentes. A tecnologia industrial de processamento de informação, os processos de desenvolvimento de inteligência artificial certamente são parte essencial desse sucesso.

    Agora os algoritmos delineados não são apenas de previsão de cenários possíveis mais de construção ativa de novas configurações geopolíticas convenientes aos interesses do capital global.

    Penso que os desfechos, como sempre, são incertos, mas os limites da contradição entre capital e trabalho nunca estiveram submetidos a uma prova tão abrangente.

  3. Há aspectos e processos que,

    Há aspectos e processos que, a meu ver, passam despercebidos: a infraestrutura tecnológica. Pensemos na energia elétrica necessária para rodar os poderosos servidores de big data. Pensemos também em todos os equipamentos necessários, o cabeamento, os satélites, as antenas, os dispositivos móveis, os terminais… Toda essa infraestrutura provém do capital produtivo.

    1. Telegramas do fim do mundo
      Pelo pouco que entendi não se trata de negar que aspectos materiais agregados a produção de valor oersistam, assim como persistiram aspectos materiais na transição do feudalismo para o capitalismo… Como a terra… nobreza e monarquia… etc… e persistem até hoje outros aspectos… Como o trabalho escravo!!!

      Mas se trara de entender que no capitalismo produtivo de valor (e maus valoe)esses aspectos se relacionavam como fatores de equilíbrio e na outra ponta, como desequilíbrio concorrencial, mediados pela política… Estados e outras tentativas de normatização da animalescos sede de acumulação…

      Agora essas instâncias derretem… e os insumos não mais determinam ou influenciam parâmetros de demanda ou oferta, ainda que reconheçamos que tais fatores estavam cada vez mais precários e artificiais…
      Porém é verdade que aspectos reais persistirào como formas cada vez marginais e precárias… Como restos disputados a tapa…

      Veja por exemplo os conflitos no RJ quando a CEDAE foi posta a venda junto com o saque criminoso aos direitos previdenciários dos servidores…

      Não se trata mais de debater com os liberais sobre a irracionalidade de socializar as manobras orivatizantes do PREVI RIO… e da loucura de vender umnatico como a CEDAE.

      Esse debate acabou… Agora é trator em cima e ponto final… claro motivado por atrasos calculados nos salários e a teoria fatalista das crises fiscais para domesticar as resistências…

  4. O que fazer?

    Realmente, a Crítica do Valor parece ser a melhor teoria sobre a crise atual, que a explica de forma lógica e que se vê confirmada pela realidade empírica. Kurz previa a crise de 2008 desde 1989, com base em sua crítica radical das categorias capitalistas (trabalho, valor, mercadoria, capital), isso quando o Ocidente festejava a vitória do capitalismo sobre o socialismo, com a queda do muro de Berlim e a capitulação da URSS.

    A crítica do valor vai ao centro da questão, que é a desvalorização do valor, provocada pela obsolescência do trabalho, sustituído pelas máquinas, como previra Marx.

    A questão das questões, caro Felipe, é a que você coloca no final de seu texto. Que imaginário colocar no lugar do capitalismo e como agir diante de sua iminente queda final para promover uma outra sociedade? O capitalismo não é só um sistema econômico, mas uma cultura, no sentido antropológico do termo. Como subjetividades, agimos, pensamos e sentimos como homo economicus, “homens capitalistas” e temos dificuldades em ver um outro modo de vida além do capitalista.

    O sistema auto-desaba e não sabemos o que por no lugar. A extrema direita tem a resposta fácil: culpem os judeus! ou um substituto, como os comunistas, os corruptos, os gays, os árabes os imigrantes ou qualquer outro bode expiatório. Mas isto só distraí a plateia e acelera a barbárie.

    Como pensar alguma alternativa construtiva? Um mundo sem valor de troca nem trabalho abstrato, sem salário, dinheiro, estado, direto e toda as estruturas institucionais que dão suporte ao capital. Temos os meios técnicos para isto, mas não sabemos como ressignificá-los e organizá-los para um novo mundo, mais racional, socialmente justo e ecologicamente responsável.

     

  5. A insustentabilidade do sistema
    Desacoplado da produção material, é só questão de tempo para o sistema desabar. O problema é que o sistema, mesmo nao sendo controlado pelo homem, ao contrario, controlando o homem, desabará sobre todos nós, esmagando-nos antes de espatifar-nos.
    Então não temos com que ocupar o lugar do capitalismo?
    Ora, os meios de produção não deveriam ser destruídos, deveriam apenas ser socializados, perdendo o seu caráter de capital. Mas eles continuariam no mesmo lugar

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