Snowden fala sobre preservação da privacidade e a manutenção da segurança

Jornal GGN – Em debate realizado com Steven Erlanger, chefe do escritório de Londres do New York Times, na Grécia, Edward Snowden fala sobre a divulgação de documentos sigilosos, a campanha para que o presidente Barack Obama o perdoe e a preservação da privacidade.

Para ele, suas revelações provocaram algumas mudanças nas leis tantos nos EUA quanto na Europa. Ele diz também que ser patriota não é igual a concordar com seu governo, e que, “quanto menos poder você tem na sociedade, mais fortemente deve defender sua privacidade”.

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Do Uol

A era da vigilância

The New York Times

Edward Snowden expõe o dilema entre a preservação da privacidade e a manutenção da segurança na atualidade

Edward J. Snowden, antigo funcionário da CIA e contratado da Agência de Segurança Nacional (NSA), divulgou documentos ultrassecretos em 2013 que expuseram a extensão do programa sigiloso de segurança cibernética da agência, revelando que ela tinha acesso aos registros de comunicações privadas de centenas de milhões de indivíduos ao redor do mundo. Snowden, que vive asilado na Rússia, é procurado nos EUA por várias acusações, incluindo duas relativas à Lei de Espionagem dos Estados Unidos de 1917.

Em setembro, em um debate realizado no Fórum da Democracia de Atenas, na Grécia, organizado pelo “New York Times”, Snowden disse que suas revelações melhoraram a privacidade de indivíduos nos Estados Unidos e que “ser patriota não significa simplesmente concordar com seu governo”.

Oferecemos aqui um trecho editado da conversa entre Snowden e Steven Erlanger, chefe do escritório de Londres do “New York Times”.

Erlanger: Existe uma campanha para que o presidente Obama o perdoe antes de deixar o cargo. Para muitas pessoas, você é um herói, e para muitas outras, você é um traidor que quebrou seu juramento e traiu seu país. Ao ir conscientemente contra a lei e fugir da jurisdição dos tribunais americanos, por que você deveria ser perdoado?

Snowden: Se devo ou não ser perdoado, não cabe a mim responder. Ao fazer parceria com jornalistas, procurei usar nosso sistema democrático de supervisão de áreas governamentais em uma série de revelações em 2013. O sistema de vigilância global em massa da NSA era ilegal. E os tribunais concordaram comigo. O Congresso acabou mudando a lei, colocando novas restrições sobre os poderes da comunidade de inteligência.

Eu nunca publiquei um único documento por conta própria. Fiz tudo em parceria com algumas das mais respeitadas agências de notícias do mundo: o “Washington Post” e o “Guardian”. Esses grupos receberam o Prêmio Pulitzer pelo serviço público prestado por suas reportagens. É por isso que temos uma imprensa livre em uma democracia. O governo tem muitos poderes, particularmente no modo com que lidam com segredos de Estado, mas é dever da imprensa determinar que tipo de informação é verdadeiramente de interesse público.

Erlanger: Daniel Ellsberg, que divulgou documentos do Pentágono em 1971, entregou-se para ser julgado, entendendo que a história da desobediência civil é estar disposto a aceitar qualquer punição pelo ato moral de se levantar contra a autoridade. Por que você não voltaria para enfrentar um júri nos EUA?

Snowden: O próprio Daniel Ellsberg disse que tomei a decisão certa ao não me apresentar ao tribunal. As coisas mudaram desde a década de 1970, e hoje a lei não permite que você se defenda de acusações contra a Lei de Espionagem perante um júri. Estou legalmente proibido de sequer falar com o júri sobre minha motivação.

Pode haver um julgamento justo quando você não pode apresentar uma defesa? Na fase de sentença, você pode dizer ao juiz por que fez o que fez, mas isso não é democrático. O sistema de júri foi criado para que houvesse um debate sobre seus atos e seus motivos com seus iguais.

Erlanger: Você disse que houve melhorias concretas como resultado direto de suas revelações. Você acredita que os governos ainda fazem tudo o que querem fazer por outros meios ou que esses resultados sejam transitórios?

Snowden: Será que acho que hoje está tudo certo? Não. Será que acho que qualquer denunciante, qualquer indivíduo, pode mudar o mundo? Não, mas acredito que agora estamos nos descuidando de nosso direito à privacidade, e que as coisas estão melhorando de forma material. Os Estados Unidos fizeram algumas reformas iniciais, e tribunais europeus derrubaram o acordo anterior de “porto seguro”, que determinava que empresas europeias entregassem dados de seus cidadãos a empresas americanas sem controle ou garantias de como isso poderia ser usado.

Os EUA têm agora um sistema de dois níveis para tratar da vigilância. Se você é um cidadão americano, o governo vai a um tribunal para obter um mandado antes que possa espioná-lo. Esse é quase sempre um tribunal secreto chamado FISA, que em 33 anos recebeu aproximadamente 34 mil solicitações de autorização de vigilância, negando apenas 11 delas. Eles são parte da burocracia. Se você não é um cidadão americano, nenhum mandato é necessário na maioria dos casos. Isso melhorou um pouco porque algumas empresas começaram a resistir a essas exigências. Isso é desconfortável para alguns governos, mas não há dúvida que é muito positivo em termos de proteção de direitos e da aplicação do devido processo legal em todo o mundo.

 

Erlanger: Stewart Baker, antigo conselheiro geral da Agência de Segurança Nacional, é contra seu perdão. Ele acredita que os benefícios do vazamento poderiam ter sido alcançados com apenas três ou quatro documentos e que a avalanche de documentos liberados prejudicou a inteligência dos EUA e os interesses nacionais. Você acredita que se tivesse divulgado menos coisas o efeito teria sido o mesmo?

Snowden: Não. O que ele está de fato argumentando aqui não é contra mim, é contra o jornalismo. Ele está criticando os jornalistas que continuam a reportar sobre o arquivo e continuam a divulgar histórias que estão mudando a lei e a política hoje.

O que significa quando dizemos aos jornalistas que não há problema em se publicar as três primeiras histórias, mas mais três ou mais 300 já é demais? Quem decide isso? Acredito que deveria ser a imprensa. Ela está em uma posição melhor para tomar essas decisões, e é por isso que temos a Primeira Emenda.

Erlanger: Certamente, estou com você. Você não fala muito russo, e não está em um lugar que particularmente gostaria de estar. O que você faz todos os dias?

Snowden: Basicamente, vou à conferências em Atenas.

Erlanger: É uma renda.

Snowden: Não, mas sério, eu sempre fui meio caseiro. Minha vida é a internet. Essa é uma explicação pela qual fiquei tão abalado com o que testemunhei na NSA. O que vimos em 2013 não era apenas sobre vigilância, era sobre direitos e democracia.

Quando muitas pessoas pensam sobre privacidade, pensam sobre suas configurações do Facebook, mas privacidade é na verdade a fonte de todos os nossos direitos. É o direito do qual todos os outros derivam e é o que faz de você um indivíduo. É o direito da vida e da mente independente.

Liberdade de expressão não tem significado sem o espaço protegido para falar livremente. O mesmo [se aplica] à liberdade religiosa: se você não pode decidir por si mesmo o que quer cultuar, simplesmente vai adotar o que é popular ou qualquer que seja a religião do Estado para evitar o julgamento dos outros.

Quanto menos poder você tem na sociedade, mais fortemente deve defender sua privacidade. Se você é um indivíduo e não tem influência sobre qualquer coisa, você é o público-alvo para o qual a privacidade foi concebida. Se você é um funcionário público, se tem privilégio e influência enormes, a transparência é destinada a você. Essa é a única maneira que podemos saber se você está dentro das nossas leis e normas e então poderemos dar nossos votos de modo informado.

Erlanger: Você disse que ainda considera que está trabalhando para os Estados Unidos. Você poderia explicar o que quer dizer com isso?

Snowden: Ser patriota não significa simplesmente concordar com seu governo. Estar disposto a discordar, particularmente de forma arriscada, é na verdade do que mais precisamos hoje. Quando temos esse ambiente inacreditável, muitas vezes livre de fatos, onde os políticos podem fazer reivindicações que são então relatadas como verdade, como estamos de fato conduzindo a democracia? Se temos fatos, podemos facilitar a democracia, e esse é o meu papel.

Redação

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