Lógica financeira da Sabesp marginaliza tratamento de esgoto e limpeza de rios

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O colapso dos principais reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo colocou a gestão da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado) em xeque. Em função da preocupação com a água, as discussões sobre os planos de tratamento de esgoto e despoluição de rios ficaram em segundo plano. Mas tão grave quanto a crise de desabastecimento são os fatores que contribuem para reduzir a qualidade dos mananciais.

Para resgatar esse debate, o GGN promoveu um encontro entre o engenheiro e sanitarista Roberto Kachel, que possui mais de 30 anos de Sabesp, e o professor da pós-graduação em Planejamento de Gestão de Territórios da UFABC, Ricardo Moretti, que já apresentou projetos à companhia.

Em entrevista ao jornalista Luis Nassif, os dois especialistas concordaram em um ponto especial: fere a lógica capitalista da Sabesp os despêndios com tratamento de esgoto e despoluição de rios. Em outras palavras: há interesse em vender água e marginalizar outros serviços, porque é o comércio de distribuição que rende lucros à empresa mista, que vende ações na Bolsa de Nova York e na Bovespa.

Confira os principais pontos da debate:

https://www.youtube.com/watch?v=XTcOohTLEvk&feature=youtu.be width:700 height:394]

“Esqueçam, o Tietê não será salvo nunca!”

Crítico ferrenho à gestão da Sabesp, o professor Ricardo Moretti apontou falhas no planejamento e execucação de obras que deveriam garantir a universalização do tratamento de esgoto.

Segundo ele, o conceito concebido pela Sabesp nos anos 1970 indica que o sistema só vai tratar o esgoto e ao mesmo tempo garantir rios e mananciais livres de poluição quando estiver totalmente concluído.

“Poderiam modelar as políticas públicas para fazer obras no sentido de que, gradativamente, o sistema fosse apresentando resultados. Mas a lógica em vigor é a de o avião só começa a voar quando todas as peças estão instaladas”, problematizou.

Roberto Kachel aproveitou a deixa para fazer uma revelação. “Vou fazer uma colocação pesada, mas é a realidade: mesmo que coletem e tratem 100% dos esgotos de São Paulo, o Tietê vai continuar a mesma coisa”, sentenciou o engenheiro.

“Para que a gente possa falar em um Tietê recuperado, o processo de tratamento teria que ser de relação prolongada (com 95% de eficiência), com tratamento terciário (remoção de nutrientes) e um tratamento avançado. Esse custo é absolutamente impensável em um país como o nosso. Mas, claro, a Suíça e a Holanda fazem”, indicou.

Kachel disse ainda que existia um plano inicial para despoluir o Tietê. As obras sairam do papel, mas a lógica de funcionamento foi abandonada no meio do caminho. A ideia era construir uma ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) em Suzano e uma no ABC (Tamanduateí). Depois, fazer o sistema levar todo o esgoto da Região Metropolitana de São Paulo, exceto no entorno dessas duas ETEs, para Barueri.

“Em tese, o Tietê não receberia nada de esgoto (sem tratamento). Segundo ponto: o sistema produtor Alto Tietê teria de ter de 15 a 20 m³/s de água limpa para diluir esses esgotos tratados que viriam das ETEs Suzano e ABC para o Tietê. Mas é uma situação difícil, um investimento altíssimo levar todo o esgoto de São Paulo para Barueri”, ponderou.

Kachel também frisou que os planos da Sabesp para o Alto Tietê mudaram. A ideia inicial nunca foi de usar o sistema para abastecimento. Hoje, não só retiram volumes significantes de lá, como a previsão de escassez total no sistema, segundo o engenheiro, é para outubro próximo.

“Depois do Cantareira, o próximo grande sistema de abastecimento deveria ser esse que estão começando agora, o do rio Juquiá. Não queriam usar o Alto Tietê para abastecimento justamente para garantir o mínimo de qualidade na bacia. Mas do jeito que foi feito, esqueçam, o Tietê não vai ser salvo nunca. Aliás, não está escrito em lugar nenhum que o rio tem de ser salvo”, pontuou. Ele lembrou que a Sabesp já cumpre as leis que versam sobre retirada de resíduos do rio.

Bebendo a sujeira do Tietê – o balanço hídrico da Billings

Para Ricardo Moretti, há um segundo ponto nessa história da poluição no Tietê que poucos se dão conta. “O rio Tietê não está tratado, mas as pessoas se acostumaram a isso. O que poucos sabem é que estamos bebendo dessa água, quando fazem as reversões no sistema para evitar enchentes na região de Pinheiros. A regulamentação da Constituição de 1989 permite que liguem as bombas de reversão quando há enchentes lá, e essa água vai parar no corpo da bacia da Billings.

Leia mais: Alternativa ao Cantareira, Billings é exemplo de gestão esquizofrênica 

Hoje, para cada 2 litros de água na Billings, metade vem dessa reversão. Essa água é recalcada pelo sistema Itaquaquecetuba para dentro da Guarapiranga, usada como manancial. O esgoto sem tratamento me preocupa menos do que a poluição difusa dentro da cidade grande. Se fizermos o balanço hídrico das águas da Billings, vamos ver que isso [a reversão de água não é ocasional”, complementou.

O conflito de interesses nas campanhas da Sabesp

Na visão de Ricardo Moretti, existe uma situação cômoda para a Sabesp no que tange o desperdício de água, o que problematiza a falta de participação e fiscalização social nessa pauta. “Hoje, o principal responsável pelas campanhas de conservação de água são as companhias, o que é uma ironia. Pensa bem: é como uma campanha de preservação do uso de gasolina promovida pela Shell. Já tive embates por levar alternativas para redução de consumo de água à Sabesp e ela se mostrou reticente, porque atrapalharia a lógica financeira dela”, disse.

Essa falta de cobrança por parte da sociedade também reflete a conivência com problemas históricos cujas soluções já deveriam estar em curso, como no caso da universalização do tratamento de esgoto.

Kachel, que saiu da Sabesp há pouco anos, revela que plano para universalizar o tratamento de esgoto a Companhia tem. O problema é que, internamente, tratar esgoto é prejuízo. “Mas ninguém vai falar isso publicamente”, ressaltou.

Leia também: Sabesp retirou mais água do Cantareira do que deveria, aponta especialista

O GGN convidou para o debate representantes da Secretaria de Estado de Recursos Hídricos e do Grupo Técnico para Assessoramento do Sistema Cantareira, que atuam face à crise de água no Estado. Sem sucesso, contudo.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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  1. Taí o capacidade

    Taí o capacidade administrativva, a eficiência e a competência dessa oposição cara de pau. Toda vez que esse pessoal moderninho fala em “levar pra administração pública princípios da gestão privada” eu boto logo uma das mãos na carteira e a outra na cabeça.

    A reeleição do Alckmin no primeiro turno é a cereja do bolo dessas baixarias ideológicas.

    Pena é saber que esses prosélitos ainda vão arrumar um jeito de empurrar o maior sofrimento pros outros, e não pra eles. E pior: jamais vão assumir responsabilidade ou se arrepender de qualquer coisa.

    Esse pessoal tem mais é que falar mal do pt, da esquerda, etc. Se falarem bem eu começo a estranhar. Triste é ver pessoas que não ganham nada com essas superstições imitando essas bobagens só porque acham que é chique…

  2. sabesp e o meio ambiente em SP.

    Nassif,

    Nào é fácil assistir a este debate sem ter a sensação frequente de que somos todos submetidos a um sistema crônico de manipulação, seletismo moral e funcional, elitismo gestacional com dinheiro público, entre outras espécies de hipocrisias próprias de governos de baixa estatura política e frágil legitimidade real, não formal.

    As contradições existentes, pra ficar apenas, no aspecto ambiental da discussão, ultrapassam os limites do poder executivo, respingando no legislativo e no judiciário, que são cúmplices desta hipocrisia política.

    Se por um lado, o Governo de SP através de sua Secretaria de Meio Ambiente, juntamente com o apoio do MP/SP e do Judiciário atuam de forma tão rigorosa quanto intolerante, em relação às regras do Código Florestal contra os produtores rurais; por outro, esses mesmos ógãos não tem a honestidade intelectual, de encarar o gravíssimo problema ambiental e social representado pela poluição das águas do Tietê, Pinheiros, etc…

    As multas abusivas distriibuídas contra os produtores rurais aos borbotões, pela Polícia Ambiental, que depois envia para a SMA, que depois encaminha para o MP que por sua vez abre uma Ação Civil Pública, e o judiciário é acionado através do Auto de Infração e, por sua vez aciona os produtores civil e criminalmente; todos esses procedimentos terminam por judicializar, muitas vezez injustamente, as medidas ambientais que poderiam ser encminhadas por ações preventivas e educativas. Causam, além de cosntrangimentos , graves danos econômicos a pequenos e médios produtores rurais.

    Enfrentar o poder econômico da elite branca paulistana, para cobrar das empresas poluidoras e direcionar os impostos de forma progressiva e, conjuntamente investir no tratamento de esgoto e conter o uso abusivo de água, nem pensar. Onde estão os voluntariosos defensores do meio ambiente, que não têm a coragem cívica de cunprir com o dever de zelar pelo bem estar de mais mais de 20.000.000 de cidadãos, e do meio ambiente?

    1. Feder, verbo defectivo. PSDB, partido repartido.

      Maestri, não gosto de beber esgoto, mas temos em São Paulo a imprensa mais escrota do mundo e um povo imbecilizado por uma educação fascista. É muito difícil lutar contra isso. Você precisa conhecer o Rio PInheiros, que corta a área chique da cidade. Era um rio coleante, mas em determinado momento da primeira metade do século XX, resolveram inverter seu curso e retificá-lo, para gerar energia elétrica. Em vez de despejar suas águas no Rio Tietê, recebe o esgoto do Tietê e corta as zonas Oeste e Sul da cidade. O cheiro é terrível e pessoas mais sensíveis desmaiam. Mas como existe o processo de embotamento cerebral, depois de alguns anos as pessoas não dão mais importância e nem percebem o mau-cheiro. Dos três principais rios que cortam a cidade, Tietê, Tamanduateí e Pinheiros, a situação é mais dramática nos últimos dois. Verdadeiros esgotos a céu aberto. E ainda vai piorar, quando a privavera chega. Em 3 semanas, a temperatura vai aumentar e a cidade toda vai feder. Sob os auspícios de um imprensa ignorante e um governo de um partido boçal, o PSDB.

  3. prioriza os acionistas em

    prioriza os acionistas em detrimento do tratamento de esgoto e limpeza de rios.  Agora, o que uma empresa dessas tá fazendo na bolsa??  Em sendo um serviço de tamanha relevância, ela jamais deveria ser colocada na bolsa….ademais, recebe de cada  usuário, valores pelo uso d’água, tratamento etc…  portanto, pagamos por esse serviço…o mínimo que queremos é recebê-lo de volta. Porém, tendo que pagar dividendos aos seus acionistas, bancar o governo do Estado e ainda cumprir com sua função principal, claro que abdicou do mais fácil, da população.  

  4. Não despoluiu o Tietê e agora Alckmin promete tratar esgotos

    Em 2003, Alckmin prometeu despoluir o rio Tietê e torná-lo navegável. Nas eleições deste ano, o governador promete tratar esgotos para usar água limpa dos rios. Então, os paulistas vão esquecer que Alckmin não cumpre o que promete?

    http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-vai-tratar-esgotos-para-usar-mais-agua-de-rios,1547456

    Outra questão,

    o senador Roberto Requião (PMDB) informou ontem que a mãe do governador Beto Richa (PSDB) recebe mais de R$ 31 mil do Senado e do governo do Paraná. Veja isso:

    https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20140906045801AA9qBYk

  5. Lembre, o Tietê será salvo!

    “Lembrem, o Tietê será salvo!”

    Sua descrença é o que me dá força, sinto que moro num país de críticos sem conhecimento de causa, onde os conhecimentos acadêmicos não se misturam com práticas de campo, onde o suor que brota da testa é coisa de “peão”.

    Enquanto estou em campo interligando redes de esgotos e promovendo governança colaborativa, tentando convencer a comunidade de que devem participar da despoluição dos córregos que formam os nossos grandes rios, Tietê, Tamanduateí e mais de 1700 córregos afluentes no nosso município, sinto a academia apenas em críticas destrutivas, com apenas alguns poucos heróis envolvidos no complexo problema que são os trabalhos de despoluição dos afluentes que formam esses rios. Os grandes rios se despoluem pelos trabalhos em seus afluentes. Um rio é a soma de seus afluentes, se os seus afluentes estiverem poluídos ele estará poluído.

    Nas décadas de 60/70 e 80, com o país em desenvolvimento houve uma grande preocupação com a diminuição do Índice de Mortalidade Infantil, onde de cada 1000 crianças nascidas, 100 morriam antes de completar um ano de vida. Não enxergava esse dado, como muitos não enxergam até hoje, estamos numa relação de 14/1000, na época não havia dinheiro suficiente para fazer os sistemas completos de esgotos, devido aos altos custos na construção de Estações de Tratamento de Esgotos, Interceptores (iguais a tuneis de metrô) e coletores troncos, foram feitas redes e ligações para que se tirassem  os esgotos dos pés das pessoas.

    No início da década de 90 foi iniciado o projeto de despoluição do Tietê, o que todos devem enxergar é que a despoluição do Tietê somente acontecerá, quando todos os seus afluentes forem despoluídos, além dos afluentes dos afluentes e assim por diante.

    Considere que todo o lixo que você vê pelas ruas e que vão para as bocas de lobo acaba no Rio Tietê, quer seja um papel de bala, vazamento de óleo e pastilha de freio de carro, resto de tinta que se joga no meio fio.

    O trabalho é árduo, a população desconhece esses fatores básicos de limpeza na despoluição, estamos tentando construir entre governo estadual, municipal, MP, entidades comerciais, Ongs, algumas Universidades e quem mais queira se juntar,  para que de alguma forma possamos  juntos promovermos a despoluição dos córregos e consequentemente a dos rios.

    Quando leio uma notícia do tipo “Esqueçam, o Tietê não será salvo nunca!”, fico muito triste, mas você pode ter certeza de uma coisa, “eu jamais desisto”.

    1. “para que de alguma forma possamos” cade o plano

      de alguma forma?

      que forma?

      qual estudo?

      qual resultado conseguiu essa reunião de tantas pessoas???

      só palavras sem  nenhum resultado, planejamento ou Estudo x a opnião que vai de encontro a diversos especialistas e estudos do setor, está na hora de abandonar o sonho e cair na realidade, o tiete só piora, achar qe isso é melhorar é ilusão.

  6. A Sabesp privatizada

    A Sabesp privatizada distribui fartamente seus lucros nos EUA. Os gringos recebem os dividendos, agradecem e não ficam nenhum pouco preocupados com o que ocorre em São Paulo. Duvido muito que eles saibam exatamente onde fica o Estado que virou monarquia tucana. 

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