O CEO genérico e o fim dos capitães da indústria, por Luis Nassif

No amplo processo de globalização registrado nas últimas décadas, um dos fenômenos menos analisados foi o predomínio dos CEOs à frente das empresas, substituindo o comando familiar. No caso do Brasil, significou o esvaziamento completo da representação empresarial, especialmente na indústria.

Quando Ernesto Geisel lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento, por exemplo, houve enorme grita das lideranças empresariais da época, Cláudio Bardella, Antônio Ermírio de Morais, Jorge Gerdau, das empresas Romi e Weg em relação a algumas condições da abertura da economia. A grita resultou na constituição de grupos de estudos que conseguiram definir a participação das empresas nacionais na definição dos programas públicos e em uma parceria vitoriosa com o governo.

Ao contrário do que é comumente propagado, o II PND foi um enorme sucesso, ajudando a completar a industrialização brasileira de primeira geração. Montaram-se grupos que pensaram em todas as condicionantes da industrialização, no financiamento, nas obras públicas, nas parcerias internacionais, na inovação, no conteúdo nacional.

A década perdida dos anos 80 se deveu a uma combinação fatal de juros internacionais elevados e explosão nos preços do petróleo. Quando o Brasil começou a sair do sufoco, a partir de 1985, tinha-se uma estrutura industrial completa, que permitiria caminhar para a chamada integração competitiva – abrindo-se gradativamente para o mundo. O que destruiu esse esforço foi a combinação de apreciação cambial com juros elevados, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso e mantida nos governos Lula e Dilma. Aquilo que a mídia chamava de “tripé virtuoso”.

Essa política acabou mudando o foco de resultados das empresas, da parte operacional para a tesouraria, ao mesmo tempo em que a figura do capitão de indústria foi sendo gradativamente substituída pelo CEO genérico, o executivo com capacidade de implementação, sim, gerador de resultados, com boa capacidade de conciliar interesses. Mas com objetivos focados exclusivamente na geração de caixa e nos resultados de curtíssimo prazo.

O grande problema é o que a Fundação Dom Cabral identifica como paradoxos da gestão – diferente de dilema. O dilema é a escolha entre fatores que não podem coexistir. Paradoxo é a conciliação de fatores que precisam coexistir.

Por exemplo, o trabalho de um CEO deveria ser legitimado por três fatores:

  1. Resultados imediatos.
  2. Preparação da empresa para o futuro.
  3. Resultados para a sociedade.

No caso brasileiro, o padrão de gestão consagrado por Jorge Paulo Lehmann e pelo indefectível consultor Vicente Falconi foi se concentrar obsessivamente no primeiro item, o dos resultados imediatos.

Não se pense apenas do lado ético e moral, mas da própria eficácia da gestão. Deixou-se de lado a preparação da empresa para o futuro, o que exige investimentos em inovação, em prospecção, que entra em conflito com o imediatismo dos resultados anuais. E também se perdeu o foco na legitimação dos trabalhos. Em vez do CEO com visão sistêmica de empresa e do setor, foram colocados no comando CEOs exclusivamente especializados em exterminar custos – conforme o jargão desse povo – e em aumentar a rentabilidade com jogadas financeiras irresponsáveis.

Foi o que levou à profunda crise da mineração brasileira, exposta nos desastres de Mariana e Brumadinho. E também ao abandono de qualquer veleidade de atuar proativamente nas políticas públicas, questionando medidas prejudiciais à indústria, por exemplo.

O CEO genérico passou a cuidar especificamente do caixa, a ser um exterminador de custos, para ter direito ao bônus anual e poder pular do barco da empresa para outro emprego, expondo como currículo apenas os resultados do último exercício.

E, por não ter fidelidade ao setor e à empresa, evita ao máximo se indispor com os governos. Esta é a razão da aceitação passiva de todas as políticas públicas, de 2015 para cá, que resultaram no mais prolongado processo de recessão da história, a única recessão feita com dinheiro em caixa, das reservas cambiais.

No caso da BRF, antes que se repetisse a tragédia da Sadia, acionistas trocaram a gestão ruinosa de Abilio Diniz e seus CEOs genéricos por gestores com conhecimento de mercado.

Depois dos últimos desastres, grupos de acionistas minoritários emplacaram no conselho da Vale o executivo José Luciano Penido. Ele foi presidente da Samarco até 2003. Em seu período, estimulava a responsabilidade social da empresa e gerava solidariedade entre os empregados através do estímulo a programas de voluntariado. Com ele, jamais teria ocorrido o desastre de Mariana.

Ao mesmo tempo, grandes grupos nacionais reuniram-se na FDC no chamado projeto Legacy, para discutir o legado: o que vou deixar para a empresa e para o país. Esse grupo trabalha questões ambientais, políticas de inclusão e de diversidade, responsabilidade social, como foco da própria empresa.

Mesmo assim, há um enorme vácuo no ar, que é a falta de lideranças empresariais que se façam ouvir. A maneira como aceitam as loucuras de Paulo Guedes, os bordões da Globonews, a lógica totalmente anti-investimento de sucessivas políticas públicas comprovam que a crise da indústria está umbilicalmente ligada à crise de representatividade.

É por aí que se deveria iniciar a luta pela reindustrialização do país.

Luis Nassif

20 Comentários

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  1. Eu não desprezo o papel desses curso de MBA. Tudo que acusam de “doutrinação”, “ideologia” está ali. A difusão e impacto desse discurso MBA foi muito, muito maior do que festinha de Halloween trazida por cursos de inglês.

  2. CARAMBA ..tem gente que vive, vê vê vê, lê lê lê ..e NÃO ENXERGA !!!!!!

    A década de 80 foi perdida pela INGERÊNCIA do FMI por aqui (juros e petróleo foram algumas das armas, assim como proteção de mercado)

    ..com divisas desestabilizadas ESTRUTURALMENTE (sem nós termos chances de nos libertarmos), eles fizeram do BRASIL (em todos os setores, inclusive no da ignorância) o que bem quiseram ..INCLUSIVE internando filosofias desafeitas a um projeto mais de LP e sério

    Pq vcs acham que os EUA nos golpearam recentemente sem constrangimento nem reação, chegando a SE ATREVEREM a formar agentes dentro das FFAA e do judiciário e a ROUBAREM informações como NUNCA ANTES havia sido visto à luz do DIA ..inclusive usando como braços INSTITUIÇÕES UNIVERSITÁRIAS deles ?

    FATO, pelas dimensões e recursos, o BRASIL tem tudo pra ser uma potencia regional e MUNDIAL ..e isso ameaça a hegemonia capenga desse império em final de ciclo.

    Evidente, claro quem respondeu que foi por causa do destaque que o BRASIL teve com LULA e da aproximação nossa com os BRICs e demais países tratados como parias pelas ditas NAÇÕES desenvolvidas.

    ..infelizmente nosso maior problema continua sendo o MAR de ignorantes que faz do nosso povo um aglomerado de pessoas que quase nada sabe e quase nada se pretendem.

    ps – há décadas que repito que o projeto contemporâneo americano atuou em DIVERSAS frentes ..numa delas, a PRINCIPAL, foi as artes, musica e cinema, que foram direcionadas, social e economicamnete, pra conquistar adeptos ao tentar DESTRUIR o conceito de orgulho e nacionalismo, substituindo o quanto possível, por uma ambição xenofílica por tudo aquilo que partiria dos EUA ..parece que por enquanto o plano deles esta dando certo ..pra mim, todo o resto é derivado dessa teia tentacular que explora como pouco a mente e a vontade de populações inteiras espalhadas pelo planeta

    1. Eitaaa!!!!
      Tá inspirado, hein, Romanelli?
      Mas, amigo, você vê, muitos de nós vemos, só que a maioria não vê, e sendo minoria, “em terra de cego, tem que ter tato”

  3. Outra coisa impressionante é que TODO este processo foi observado pelo pessoal da área sindical, mas foi olimpicamente ignorado pelos analistas e pelo próprio empresariado, obviamente.

  4. Partindo do princípio que esse pessoal sabe que essa falta de visão é terrível pra empresa, creio que aceitam esse suicídio industrial porque as famílias que são donas das indústrias tem ganhos enormes investindo o lucro que conseguem no rentismo. E quando a farra acabar com uma quebra e/ou venda da empresa eles seguem o exemplo dos civitta e aproveitam sua fortuna mesmo que a custas de indenizações trabalhistas não pagas.

  5. esse capitalismo tanatológico
    diireitista obviamente
    só leva a destruiçao
    – se vacilar, até do próprio
    capitalismo….
    sem tesão das pessoas pela vida,
    não há solução possível além da morte certa…
    e com esse regime de
    exceção seletivo atual,
    tudo é brochantemente
    desmoralizante….

  6. PARABÉNS pela síntese histórica, que já compartilhei. Agindo e torcendo para ir logo ao próximo problema: Mourão. Porque ficar como estamos, não dá. Grande abraço.

  7. Nassif meu caro. Se procurares lá no moribundo PORTAL LUIS NASSIF, verás que há muito tempo faço esta crítica, desde o tempo da falecida REENGENHARIA, porém como sempre és um otimista que acreditas em boas intensões, pois achas que o CEO genérico é uma procura de solução do grande capital, mas o que existe é uma nova tentativa de recriar algo parecido com as colônias do início do século XX e para estas a presença de uma indústria no terceiro mundo incomoda, logo esta bobagem do CEO genérico é simplesmente uma estratégia de dividir as partes (esquartejar) as indústrias fora da matriz para inviabilizar uma política industrial nos países periféricos.
    Não é burrice dos gestores, é má fé mesmo.

  8. Na boa, o Nassif critica o ceo genérico, mas deixa o site com uma experiência de leitura horrorosa, só pra ganhar um trocado a mais.. vai entender.

  9. O artigo é bastante confuso. Lehmann e Abílio Diniz não são CEOs, eles são os maiores acionistas de suas respectivas empresas e me parece que são muitíssimo bem sucedidos.

  10. Em relação aos três fatores, a empresa Weg, de Jaraguá do Sul, é um exemplo a ser seguido quanto à preparação da empresa para o futuro e nos resultados para a sociedade. Exemplo disso é a nova parceria estabelecida pela empresa junto à Embraer para a fabricação de motores elétricos para a aviação.

  11. Sei que o assunto destoa do título do post. Porém, não há como ignorar a declaração do Lula ao DCM: “a mídia independente é a nossa última esperança”. Lula tá certo. Porém como no basket que criou seu mundinho limitado que muitos chamam de “comunidade do basket” e deu no que deu(Brasil), a mídia independente precisa ser mais criativa, ir às escolas, universidades, sindicatos, fábricas etc. aumentando sua visibilidade e divulgando o que realmente se passa no país. Como fazer isso? Não sei. Maneiras com certeza há. Não adianta ficar isolado em Blogs esperando que o tempo se encarregue da divulgação de suas matérias e de sua expansão. De uma maneira incipiente mais ainda assim louvável vimos isso no site Brasil 247 como por exemplo no Encontro de Porto Alegre.

  12. A matéria toca em um ponto nevrálgico que sintetiza o conflito atual do capitalismo. A escolha entre dois perfis de CEO, o que vive a empresa nas 3 dimensões e o que é remunerado para focar atenção na apenas primeira não tem nada a ver com a inteligencia ou capacidade do capitalista ou dos gestores, tem a ver com o interesse do primeiro e a missão que aos segundos lhes é atribuída.
    A tal missão não tem, necessariamente, a ver com o melhor destino da empresa no longo prazo. Pode ter a ver, exclusivamente, com o “criar valor para o acionista”. Criar valor no sentido pelo mercado é o de gerar lucro de curto prazo e caixa livre para aumentar o valor de cotação da empresa, gerar e pagar dividendos. E isso não seria bom? Não é o que todos os investidores e a sociedade esperam? Aí, depende… É mais fácil gerar lucros e caixa livre sacrificando o futuro. Você pode “enxugar a máquina” demitindo, consolidando negócios e desmobilizando para “criar valor” imediato ao desconsiderar os efeitos que isso trará a longo prazo. Pode aceitar a perda de inteligência e conhecimento do negócio trocados por salários mais baixos. Pode abrir mão de tecnologia e processos estratégicos de negócio por conta de “ganhos de eficiência”. Pode abrir mão de estratégias de crescimento vendendo unidades ou negócios complementares. Pode porque os possíveis efeitos deletérios dessas decisões não são imediatos e porque a manutenção e crescimento futuro de mercado não vem ao caso. O espírito é: “o futuro a Deus pertence”.
    Se a empresa é vista como “feita para durar” ou “feita para ordenhar” depende do tipo de acionista. Aquele para quem a empresa é o empreendimento de uma vida e aquele para quem a empresa é um pit stop para coletar lucro de investimento. O primeiro, a quem o futuro da companhia importa, selecionará o CEO 3D, o outro com certeza irá escolher o modelo compacto. Afinal neste caso, não há nenhum compromisso com a companhia que vá um instante além do ponto de saída que é calculado para se dar no exato momento quando os lucros do investimento, ou seja, quando a relação lucro por ação mais dividendos acumulados, alcançarem seu ponto máximo, precedendo a queda. Nesse ponto o “investidor” liquida a posição, realiza o lucro e sai. O CEO, com reputação de quem “entrega valor”, é contratado para gerir a próxima vítima.
    A estas diferentes visões e interesses, uma que entende como criação de valor todo o conjunto de externalidades econômicas e sociais da empresa e aquela que aceita apenas o lucro do investidor, deve-se em grande parte a crise do capitalismo atual. Claro, há outras causas, inclusive as inerentes ao modelo, mas é inegável que o que passou a ser conhecido como financismo é a doença ora instalada na economia mundial. Se não for tratada pode ser fatal.

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