O papel dos bancos estatais no desenvolvimento

Jornal GGN – Durante a campanha eleitoral, com o foco dos debates no desempenho da economia, o país se viu em meio a uma grande discussão sobre o papel dos bancos estatais. Financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil e Caixa eram considerados excessivos pelas chapas de oposição e muitas vezes foram tratados como uma extravagância, um gasto supérfluo do governo, uma área com largas possibilidades de cortes para garantir o ajuste fiscal.

Na última segunda-feira (24), o Jornal GGN realizou um evento na sede da ABIMAQ (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos), em São Paulo, e reuniu especialistas para discutir o assunto.

Para Márcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, esse debate não pode criar uma dicotomia de bancos estatais versus bancos privados. “No Brasil, há uma relação harmoniosa e complementar entre os dois. Os bancos públicos têm se focado mais em serviços para a população de baixa renda e créditos para investimentos de longo prazo, áreas que o mercado privado tem dificuldades”, disse.

Com atuação anticíclica, os bancos estatais cresceram na crise. “Com a crise de 2008, houve uma redução substancial do crédito dos bancos privados. E os bancos públicos tiveram um papel central em prover crédito nesse momento”, explicou Holland.

Para ele, o papel dos bancos estatais na concessão de crédito de longo prazo não é uma discussão ideológica, é técnica. “No Brasil ainda temos uma estrutura que se ganha mais no curto prazo. Mas a demanda por recursos de longo prazo é muito grande porque o país tem necessidade de investimentos em todas as áreas de infraestrutura. Então, os bancos públicos são fundamentais”, garantiu.

“Por mais que nós tenhamos os bancos públicos, precisamos incentivar o mercado privado de crédito de longo prazo. Ainda temos uma estrutura que se ganha mais no curto prazo com juros maiores e liquidez maior. Enquanto tiver juros altos, o país tem uma tendência de investir no curto prazo”, entende Holland.

E a agenda de inclusão social também demanda participação dos bancos estatais. “Por mais que o Brasil tenha avançado na redução da desigualdade social, ela ainda existe e ainda é forte. Ainda é importante incentivar não só a inclusão de bens, mas de serviços para a população de baixa renda”, acredita.

Essa não é uma questão de caridade ou assistencialismo, ele garante que isso traz retorno. “Nós criamos um mercado de debêntures, incentivamos o alongamento dos passivos regulando o FGTS, estimulamos negociações de dívida bancária, instituímos a figura do valor incontroverso para todas as operações de crédito do Brasil e incentivamos a abertura de capital, por meio das small caps”, detalhou. “E o sistema bancário e financeiro está muito sólido. A originação de crédito é muito prudencial no Brasil, a inadimplência dos bancos estatais é a mais baixa”.

Fernando Nogueira da Costa, professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE Unicamp), concorda. “Hoje, a maior inadimplência é dos bancos privados, que fazem crédito sem consignação, financiamento de veículos e cartão de crédito”.

Ele discorda das opiniões que dizem que o foco dos últimos 12 anos das políticas de concessão de crédito foi o aumento do consumo para a população de baixa renda. “A crítica mal construída de crédito ao consumo não sobrevive à análise. Cresce no período o crédito à pessoa jurídica e só em 2012 o crédito à pessoa física dá um salto. Mas isso é crédito imobiliário. Não é crédito ao consumo. É um crédito de longo prazo. Bom para os bancos porque fica na estatística”, disse. “De 94 a 2002 não houve política de crédito. Houve política de privatização. Só a partir de 2002 houve política de crédito. E em 2014 o crédito representa 57% do PIB”.

Ele lembrou que, nos três primeiros anos do governo Dilma, o crédito imobiliário superou todo o período histórico. “Em quatro anos, a Caixa colocou meio trilhão de reais em sua carteira de crédito. Hoje, ela é o terceiro maior banco do país. Isso acontece devido ao financiamento imobiliário. E a tendência é que ela supere os demais”.

O BNDES também recebeu maior apoio no período. Em 2001, o banco financiou R$ 25,3 bilhões. Em 2013, foram R$ 190,4 bilhões. Ou seja, faltava dinheiro público em obras de infraestrutura. “Dá até pra entender o apagão de 2001”, provocou. “Mas recentemente, o BNDES financiou 80% de Belo Monte”.  

De acordo com Costa, é natural que bancos estatais tenham maior participação de mercado em economias emergentes. “Quais são os países que os bancos públicos têm mais market share? Os BRICS. Primeiro a China, depois a Índia, Rússia e Brasil”. Ele afirma que mesmo os países desenvolvidos estão tentando aumentar a participação dos bancos estatais no mercado para “recuperar o atraso histórico”. Tanto que os países que aparecem depois nessa lista são Alemanha, França e Japão.

Antônio Corrêa de Lacerda, professor doutor e coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), disse que no Brasil muitos empresários fazem do seu fluxo de caixa uma fonte de renda. “É cultural. Nós nos tornamos um país rentista. Até quem não tem renda é rentista. É um autoengano. O Brasil é o país que mais paga pra financiar sua dívida pública. Nós pagamos, por ano, 5,5% do PIB para os credores da dívida pública. Daí o desinteresse no desenvolvimento de um mercado de longo prazo”.

Para ele, investimento público é determinante. “Principalmente para o mercado de longo prazo, porque você não tem linha de crédito. Esse tema do financiamento ligado à política industrial extrapola a mera conjuntura. Existe uma questão estrutural que é recuperar a capacidade de investimento. A partir do financiamento com base competitiva é que você pode melhorar a geração de valor”.

Ele enxerga a questão como uma grande oportunidade. O Brasil tem o principal: a demanda. “Poucos países têm a carência de investimento em infraestrutura que nós temos”, afirmou.

Jânio Macedo, diretor de governo do Banco do Brasil, vê os bancos estatais como essenciais para a implementação de ações de governo. Ele enxerga, por exemplo, uma descentralização das políticas públicas, que em muitos casos deixam de ser tocadas pela União e passam a ser responsabilidade dos municípios. “Mais de quatro mil municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes. Por meio dos consórcios, esses municípios menores conseguem ganhar escala”. Na opinião dele, essa é mais uma oportunidade de atuação dos bancos estatais. “O Banco do Brasil presta serviços para municípios em negócios financeiros e sociais”.

E isso até vem mudando a própria maneira que o BB enxerga a si próprio. “Havia uma discussão acalorada lá dentro, para definir se éramos um banco público ou privado. Hoje, o Banco do Brasil assumiu sua função. Não temos mais medo de falar se somos públicos ou privados. Somos um banco competitivo e rentável, mas com espírito público, e que busca contribuir com a sociedade”, afirmou.

Até setembro de 2014, o Banco do Brasil já havia emitido R$ 174,6 bilhões em créditos para pessoa física, R$ 280,2 bilhões para pessoa jurídica (sendo R$101,5 bi para micro e pequenas empresas, R$ 152,1 bi para médias e grandes empresas e R$26,6 bi para o governo), e outros R$ 156,8 bilhões para o agronegócio.

Na safra de 2013/2014, o BB beneficiou mais de 2,5 milhões de famílias pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura), mais de 1,5 milhões de empreendedores pelo MPO (Microcrédito Produtivo Orientado), mais de 800 mil estudantes pelo Fies (Programa de Financiamento Estudantil), mais de 74 mil estudantes do Ciência sem Fronteiras, mais de 275 mil famílias pelo Minha Casa Minha Vida, e ainda alfabetizou mais de 600 mil pessoas pelo BB Educar. As políticas públicas que dão certo são as que têm empresas públicas estruturadas para tocar os projetos. E em muitos casos os bancos estatais podem dar essa contribuição.

No evento do Jornal GGN, a principal crítica à atuação dos bancos estatais veio de Marcos Lisboa, diretor vice-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Mais do que ser contra ou a favor da política industrial, contra ou a favor das regras de conteúdo local, contra ou a favor do crédito subsidiado, é como fazer”, disse.

Ele defendeu a importância da temporalidade das políticas sociais e industriais e a transparência das concessões de crédito. “Toda política de proteção, pela própria natureza, tem que ser temporária. E a lei de sigilo bancário não deveria funcionar para a concessão de crédito com dinheiro público”.

“O problema das políticas públicas é não ter métrica de resultado. Não ter transparência. Política muitas vezes dá errado. Se a gente não tem um instrumento de avaliação de resultado, a gente não tem como ajustar”, afirmou.

Ainda assim, para ele, há um exemplo de sucesso. “Toda política pública deveria seguir o exemplo do Bolsa Família. Você sabe quanto vai, pra onde vai, se está muito grande aqui, se tem que mudar as condicionalidades ali. Tem dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e uma pilha de literatura acadêmica. E o debate é ótimo. Porque é um debate informado”.

Redação

7 Comentários

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  1. Gritante!

    Ele discorda das opiniões que dizem que o foco dos últimos 12 anos das políticas de concessão de crédito foi o aumento do consumo para a população de baixa renda. “A crítica mal construída de crédito ao consumo não sobrevive à análise. Cresce no período o crédito à pessoa jurídica e só em 2012 o crédito à pessoa física dá um salto. Mas isso é crédito imobiliário. Não é crédito ao consumo. É um crédito de longo prazo. Bom para os bancos porque fica na estatística”

    E a lei de sigilo bancário não deveria funcionar para a concessão de crédito com dinheiro público”.

    “O problema das políticas públicas é não ter métrica de resultado. Não ter transparência. Política muitas vezes dá errado. Se a gente não tem um instrumento de avaliação de resultado, a gente não tem como ajustar”

  2. Sabe por que não leio essa

    Sabe por que não leio essa matéria até o fim?

         Porque banco estatal não é justo.Sempre favorece os amigos em ptimeiro lugar.

                     São vários os exemplos e fico com 2 que são conhecidos.

                     Aquela super perua que se apresentou no ”ricas e famosas” numa tv brasileira, conseguiu um empréstimo além de suas possibilidades pra pagar , só porque ”conhecia” o presidente do B B .

                     Atenção pro ”conhecia”—baita mal gosto do presidente do B B

                      E juros abaixo de zero,

                      E causa pra lá de duvidosa–e bota duvidosa nisso.

                           O outro é sr. ”X” que dispensa apresentação;

                           Ele quebrou e levou uns trocentos mil acionistas pequenos com ele.E o B N D S emprestou um montão.

                    Vai pagar? Não sei. Eu sei que não está em suas prioridades de pagamento

                           E quem paga? Não é carta de Silvio Santos.Somos ei e vc leitor.

  3. O Sr Marcos Lisboa não lê Globo, Folha e EOSP!

    ” “Toda política pública deveria seguir o exemplo do Bolsa Família. Você sabe quanto vai, pra onde vai, se está muito grande aqui, se tem que mudar as condicionalidades ali. Tem dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e uma pilha de literatura acadêmica. E o debate é ótimo. Porque é um debate informado”.

    Onde e quando tem debate informado sobre o Bolsa Família fora dos “blogs sujos”?

  4. Excelente.
     
    ” “A crítica mal

    Excelente.

     

    ” “A crítica mal construída de crédito ao consumo não sobrevive à análise. Cresce no período o crédito à pessoa jurídica e só em 2012 o crédito à pessoa física dá um salto. Mas isso é crédito imobiliário. Não é crédito ao consumo. É um crédito de longo prazo. Bom para os bancos porque fica na estatística”, disse. “De 94 a 2002 não houve política de crédito. Houve política de privatização. Só a partir de 2002 houve política de crédito. E em 2014 o crédito representa 57% do PIB”.”

     

    Precisa esfregar esse artigo nas fuças dos coxinhas. k k k k

     

    E da Urubóloga, Mírian Leitoa. k k k k k

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