A Revoada dos Galinhas Verdes, por Jota A. Botelho

A Revoada dos Galinhas Verdes, por Jota A. Botelho

Para quem pensa que a esquerda brasileira nunca se uniu está redondamente enganado. Neste caso, mostra o quanto ainda a nossa história é bastante desconhecida para muitos. A prova está no que aconteceu em 7 de outubro de 1934, em São Paulo, há 83 anos atrás. Lá ocorreu uma das batalhas mais memoráveis da esquerda brasileira: “A Batalha da Praça da Sé” ou “A Revoada dos Galinhas Verdes”, assim conhecidos os membros da Ação Integralista Brasileira (AIB) de Plínio Salgado. Essa batalha inseriu o país na principal disputa mundial dos anos 30, entre a esquerda de diversas tendências e a direita nazifascista. O pau quebrou com tiros, mortes e feridos de ambos os lados.

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A BATALHA DA PRAÇA DA SÉ OU A REVOADA DOS GALINHAS VERDES


Integralistas desembarcam em São Paulo para a manifestação na praça da Sé

Marcado pela grande crise de 29 e antecedendo a 2ª Guerra Mundial, os anos 20 e 30 foram de intensa disputa global, onde se digladiavam revolução e contrarrevolução. O exemplo máximo foi a Alemanha, com a derrota da revolução e ascensão ao poder do nazismo.


Plínio Salgado.

Desde os anos 20 já existiam várias organizações de ultradireita Brasil afora, temos como exemplo a Ação Social Brasileira (Partido Nacional Fascista), a Legião Cearense do Trabalho (LCT), o Partido Nacional Sindicalista e a Ação Imperial Patrionovista (Monarquistas). Essas organizações tinham suas atuações regionalizadas. Somente com a ação de Plínio Salgado e seus seguidores é que iriam confluir para uma organização nacional, a Ação Integralista Brasileira (AIB) fundada em 7 de outubro de 1932, dias após o conflito entre as tropas de Vargas e os paulistas. A partir desse momento buscaram realizar várias atividades públicas com o intuito de demonstração de força e coação as organizações dos trabalhadores, como a tentativa integralista de dissolução de uma atividade da FUA com mais de mil participantes ou mesmo a agressão a bengaladas realizada pelo líder integralista Gustavo Barroso contra a operária Nair Coelho, em Niterói. 


Os Integralistas e sua saudação: Anauê!

A escalada das ações integralistas exigia da esquerda uma resposta à altura. Os seguidores de Plínio já tinham realizado vários atos públicos e começavam a atuar de forma violenta contra as organizações da classe trabalhadora com o claro aval da força pública. Durante esse período há uma clara guerra de posições e de disputa ideológica.

O movimento dos trabalhadores organizados passou por uma rápida evolução desde o inicio do século. No decorrer de duas décadas, sob o impacto da revolução russa, a classe trabalhadora brasileira aprofundaria sua experiência com o anarco-sindicalismo e já em 1922 fundaria o Partido Comunista do Brasil (PCB). Fruto da experiência política nacional e internacional, o PCB presenciaria sua primeira ruptura à esquerda, como à vinculada a Oposição de Esquerda Internacional (OEI). Essa passaria de oposição de esquerda à organização independente adotando o nome de Liga Comunista Internacionalista (LCI).

Na reunião da comissão executiva da LCI, de janeiro de 1933, foi aprovada a campanha pela criação da Frente Única Antifascista (FUA). Sendo a proposta lançada publicamente no dia 11 de junho de 1933 em uma atividade de comemoração do nono aniversário de morte do deputado italiano Giacomo Matteoti, que fora assassinado pelos fascistas italianos. Essa atividade de grande vulto dentro dos setores antifascistas paulista – principalmente nos socialistas, anarquistas e na colônia italiana – resultou na convocatória para a composição da FUA.


Jornal O Homem Livre, edição de 14 de dezembro de 1933.
 
Em 27 de maio de 1933 vem a público o Jornal O Homem Livre, fruto do esforço conjunto da LCI e do PSB paulista, esse com forte presença da comunidade italiana. A proposta do jornal era criar uma massa crítica ao avanço do fascismo não só no Brasil, mas também no mundo. A publicação trazia vários artigos sobre a situação na Europa e nos Estados Unidos. Aberto a colaboração de todos os antifascistas, o Homem Livre contou com vários jornalistas do Diário da Noite, o que explica parte das qualidades técnicas do jornal.

Segundo Mário Pedrosa, ligado ao PCB: “A data de 7 de outubro de 1934 não pode ser sectarizada nem monopolizada por esta ou aquela tendência. Ela pertence a todos nós, ela se deve sobretudo ao heroísmo do proletariado de São Paulo; sua comemoração cabe a todos nós, anarquistas, stalinistas e trotskistas, comunistas e socialistas que participamos dela na medida de nossas forças e num espírito de frente verdadeiramente proletário, o que tornou impossível o reaparecimento dos bandos integralistas nas ruas de São Paulo”. (Pedrosa, in Vanguarda Socialista n° 7, de 12 out. 1945).


Os conflitos de rua.

No dia 7 de outubro de 1934 os integralistas convocaram uma manifestação, que deveria ser uma demonstração de forças na Praça da Sé. Não contavam apenas com os paulistas, reforços vieram do Rio do Janeiro, somando cerca de 8 mil em suas fileiras. Além disso, mais de 400 efetivos fortemente armados ocupavam o local. Começaram a marchar pelas ruas da capital paulista entoando seus hinos fascistas. Também conhecida como Batalha da Praça da Sé, nesse confronto armado morreram pelo menos seis guardas civis, o militante da juventude comunista, Décio Pinto de Oliveira, estudante da Faculdade de Direito de São Paulo, do Largo de São Francisco. Décio foi alvejado na cabeça enquanto discursava. Ele passou a ser o símbolo do movimento antifascista brasileiro daqueles anos. Também ferido foi o então jornalista Mário Pedrosa, enquanto ajudava um militante comunista também atingido.

Os gritos de “fora galinhas verdes” demonstravam que havia setores resistentes. Os membros da FUA com o PCB estavam todos organizados nos arredores, e prontos para dissolver à força a manifestação integralista.


Os feridos nos tiroteios.

Alguns enfrentamentos menores ocorrem, ainda nesse momento sem muita gravidade. Os integralistas tomam as escadarias da Catedral da Sé, quando repentinamente uma rajada de metralhadora se faz sentir. Até hoje não se sabe quem disparou, mas um dos tiros atinge Mario Pedrosa, que consegue ser retirado da batalha por Fúlvio Abramo. Tomba morto o jovem comunista Décio de Oliveira. A partir de então, os distintos grupos que estavam espalhados pela região entram em enfrentamento direto com os integralistas.

A coragem e o firme convencimento levaram a FUA à vitória. Apavorados, os integralistas não têm outra saída a não ser debandarem. O enfrentamento entra para a história como “A Batalha da Praça da Sé” ou “A Revoada dos Galinhas Verdes”. “Anauê!”, saudavam-se os integralistas, repetindo a interjeição indígena que, segundo traduziam, significava “Você é meu irmão!”, referência à “grande família dos camisas verdes”. Por isso, mal a metralhadora silenciou, ouviram-se novos tiros. Os contra manifestantes tentavam tomar a praça à força e, mesmo debaixo do fogo aberto, proferiram discursos e gritaram palavras de ordem contra os adversários: “Anauê, Anauê, prepara as pernas pra correr!”


O perna-pra-quem-te-quero dos Integralistas.

Ao final do dia, de acordo com o relato de Fúlvio se podiam ver as camisas verde dos integralistas espalhadas pela Praça da Sé. Plínio Salgado, que não saiu da sede da Ação Integralista, recebe a notícia da debandada. A força pública teve um saldo de seis agentes mortos e vários feridos. Quanto aos integralistas não se tem o número preciso. O grosso do contingente integralista saiu em disparada da praça abandonando seus uniformes verdes por vários pontos da cidade, daí o nome “A Revoada dos Galinhas Verdes”. 


Jornal do Povo, edição de 10 de outubro de 1934.

Uma testemunha da época assim descreveu a cena: “Despiam as camisas mesmo correndo. Naquela capital do inferno em que se transformara a Praça da Sé, desabusada e corajosamente, rindo, um antifascista, Vitalino, carroceiro, dono de um ferro-velho, divertia-se, ajudando-os a despi-las. Tempos depois, vangloriava-se de possuir, como recordação, em sua casa, mais de uma dúzia delas, guardadas como troféus de um momento histórico”. Diante desta fuga desorganizada, o humorista comunista Barão de Itararé ironizou: “Um integralista não corre, voa”. Fizeram até uma marchinha Galinha Verde, de autoria de José Gonçalves e André Gargalhada, e interpretada pela cantora Marilu (ouça no final do post).

Ao inicio da noite, a praça já estava totalmente deserta e o que seria um momento de apoteose do fascismo no Brasil significou o início de sua derrocada. A ideia da contra manifestação alcançou seu êxito, a saber dissolver a manifestação integralista. E assim, os antifascistas ganharam a batalha das ruas. Por causa deste desfecho, tal ato foi um dos grandes responsáveis pela desarticulação da Ação Integralista Brasileira, que a partir deste episódio começou a perder força em todo país, culminado com o seu fechamento após a decretação do Estado Novo por Getúlio Vargas.

Um ato tão memorável como esse tem muito pouco ou quase nenhum destaque na História do Brasil ou mesmo da esquerda, em parte é explicável pelo destino de seus integrantes e seus futuros político. A LCI praticamente deixou de existir sobre os ataques do Estado Novo e os outros agrupamentos dispersaram-se. Passado esse momento, e já no inicio de 1935, o PCB lançará a ANL que colocará um ponto final à FUA pelo seu esvaziamento.

Mas, como nas palavras de Mário Pedrosa, o 7 de outubro de 1934 foi um dia memorável para a classe trabalhadora brasileira e deve ser comemorado e rememorado para que tenhamos em mente que as nossas divergências são importantes, no entanto, em determinadas conjunturas, é necessária a mais ampla unidade da classe trabalhadora contra os seus inimigos.

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Para maiores informações, leia os blogs/sites pesquisados:
Memorial da Democracia/Esquerdaonline-Bruno Rocha/Esquerda Diário-Simone Ishibashi/Anarquista Net/Cidadania & Cultura – Fernando Nogueira da Costa/Wikipédia   
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Jota Botelho

4 Comentários

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  1. Muito interessante esse post. . .

    Muito interessante esse post. É uma pena que hoje o povo não tem mais sangue nas veias como o povo dos anos 30. Se tivesse todas as praças das capitais e principais cidades do país deveriam ter manifestações contra esse governo golpista e inimigo da classe trabalhadora brasileira.

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