Fábrica Bangu, uma das líderes da primeira grande onda de industrialização brasileira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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EMPRESAS HISTÓRICAS – CIA.PROGRESSO INDUSTRIAL DO BRASIL FÁBRICA BANGU – Uma das líderes da primeira grande onda de industrialização brasileira, empresa que já nasceu grande, formada pelo capitalismo financeiro em 1889, junto com a República. Sociedade anônima com capital de 3.000 contos dividido em 15.000 ações,  foi responsável pela fundação de um bairro carioca, Bangu, onde a empresa construiu uma grande fábrica de tecidos com 1.200 teares, 1.900 cavalos vapor de força, 1.600 operários. Como não havia meios dos operários chegarem à fabrica, a 31 quilômetros do centro do Rio, a Bangu construiu todo um bairro de casas operárias, com material todo importado da Europa, inclusive os tijolos. Deu também bicicletas para os operários chegarem das casas à fábrica.

Seus fundadores e investidores foram dois banqueiros, o Conde de Figueiredo e o Barão de Salgado Zenha, do Banco Nacional Brasileiro. O projeto completo da fábrica foi do engenheiro inglês Henrique de Morgan Snell e o maquinário veio todo da Inglaterra. A acumulação de capital no Rio de Janeiro daquela época era grande, derivado em boa parte do extinto trafico negreiro e da lavoura de café já em decadência no Vale do Paraíba, ambos negócios que produziram elevadas reservas monetárias em busca de aplicação.

A Bangu não foi o único empreendimento têxtil na região. Anterior à Bangu era a Companhia Confiança Industrial, de 1885, a Companhia Fiação e Tecidos Aliança, de 1880, a Cia. Fiação e Tecidos Carioca, de 1886, a Cia. Fiação e Tecidos Corcovado, de 1889. Na região de Petrópolis havia outro núcleo de fábricas, como a Cia. Petropolitana.

O Rio de Janeiro em 1880 já era um grande centro industrial, o maior do País, a cidade tinha pouco mais de 500 mil habitantes, São Paulo só ultrapassou o Rio em 1920.

A Bangu, sempre pioneira, dava excelente assistência aos seus operários. Além de moradia, em 1906 criou uma Caixa Beneficente para atendimento médico, pagamento de enterros e outros tipos de auxílios. Em 1908 a Bangu instalou no bairro rede telefônica e em 1910 a Rio Light fez a ligação elétrica ao bairro, que passou a ter iluminação pública nas ruas.

Desde o início da fábrica a Companhia instalou uma estação de trem no bairro, já em 1918 trafegavam 28 trens diários para o centro do Rio.

Nas décadas posteriores a Bangu foi se especializando em tecidos de alta qualidade e design criativo, na Segunda Guerra o Brasil conheceu um boom de exportação de tecidos especialmente para a África do Sul, possível pelo fechamento da exportação da Europa devido à guerra. Esse boom beneficiou muito a indústria têxtil brasileira que nesses anos operou com pouca concorrência e altos preços de exportação.

Na década de 50 a Bangu tornou-se grande patrocinadora de alta moda, os presidentes da Companhia desde 1928 foram os irmãos Manoel e Joaquim Guilherme da Silveira,  do patamar mais alto do high society carioca, recebiam personalidades internacionais no seu iate Miss Bangu. O casal Joaquim e Candinha Guilherme da Silveira eram as locomotivas sociais do Rio. Joaquim foi Ministro da Fazenda de Getúlio, naqueles tempos Ministros da Fazenda eram geralmente riquíssimos industriais ou banqueiros, da mesma forma os presidentes do Banco do Brasil.

Na década de 50 um episódio marcou os tecidos Bangu, uma festa famosa em Paris para apresentar a moda brasileira, articulada por Guilherme da Silveira e por Assis Chateaubriand. A festa seria em um castelo e o organizador seria o célebre costureiro Jacques Fath. Foram convidadas e aceitaram a Primeira Dama Dona Darcy Vargas e sua filha Alzirinha Vargas. Quando as Vargas já estavam em Paris fizeram uma intriga com Getúlio de que a festa seria uma bacanal. Getúlio, aflitíssimo, mandou telegrama para as duas não comparecerem, mas as Vargas disseram que de jeito nenhum perderiam a festa. Evidentemente foi uma fofoca, a festa chiquérrima decorreu normalmente e foi um sucesso, promovendo os tecidos de algodão do Brasil no mercado europeu.

No link uma descrição da festa Bangu em Paris. (clique aqui)

A Bangu não conseguiu sobreviver às novas ondas modernizadoras da indústria têxtil brasileira, foi desativada e sua enorme área de fabrica virou o Shopping Center Bangu.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

21 Comentários

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    1. Bem lembrado

      Nos anos 40e 50, quando uma mulher causava deslumbramento pela beleza e charme, dizia-se que ela “abalou Bangu”. Virou bordão e até hoje qualquer coisa, quando é sensacional, abalou Bangu.

      E o time de futebol foi mesmo poderoso. Até os anos 60, o Bangu fez bonito. Ubirajara, Fidélis, Bianchini, Aladim, o grande Paulo Borges, e sabem quem saiu do Bangu para o Palmeiras? Ademir da Guia, pois é. 

  1. 1920 + 40 anos (e algo)

    “a cidade tinha pouco mais de 500 mil habitantes, São Paulo só ultrapassou o Rio em 1920.”

    São Paulo só igualou o Rio mais de 40 anos depois, já na década de 1960 (Censo Brasileiro, Encyclopedia Brittanica”). enquanto bombava a industria automobilistica de JK e ao mesmo tempo esvaziava-se a capital transferida pra Brasilia.

    Economicamente (indústria), não tenho dados dos estados ou das cidades, mas como estado, a economia cafeeira de SP (estado) já era a maior do país. A industria alavancou-se pelas crises mundiais do café e pela decorrente reaplicação alternativa do excesso de capital.

    De resto, parabéns por trazer também história de empresas brasileiras, que (infelizmente) cresciam mais nos anos finais de Pedro II e pós império do que nos tempos neoliberais que ainda dizimam este tão rico em recursos naturais e humanos país (até o crescimento industrial aqui passou a ser estrangeiro…).

    Pena, que mesmo naqueles tempos, já um crescimento concentrador de renda (social, geografica e demograficamente). 

  2. trabalho

    Minha avó trabalhou a vida toda na fabrica ate se aposentar, lembro que dizia que participava ate de desfiles de moda organizado pelo dono da fabrica, que ocorria no estadio do bangu. 

    1. eu também tenho muita muita ligação com esta fábrica…

      muito criança ainda, eu catava retalhos e vendia, ou trocava por um pedaço de pão com carne, para uma Senhora que fazia tapetes e bonecas de pano………………..

       

      trabalhadores eram todos gente linda, seres de luz, que ajudavam muito os necessitados

  3. parabéns, Motta Araujo…

    nosso histórico industrial é um dos mais bonitos do planeta e merece ser conhecido por todos dessa forma tão legal que você utiliza

     

    parabéns mesmo, cara

     

    uma das coisas mais bonitas, importantes e interessantes que já tive o prazer de ler

  4. Minha mãe trabalhou nesta
    Minha mãe trabalhou nesta fábrica dos 14 aos 20 anos. E nela também trabalharam 6 de minhas tias mais velhas. Minha família materna tem ligação afetiva muito grande pela antiga Fábrica Bangu. Meu avô faleceu quando minha mãe ainda era adolescente, deixando viúva e 12 filhos, entre 16 e 2 anos de idade. Foi graças a esses empregos que a família se manteve unida naqueles anos.

  5. Minha saudosa avó sempre

    Minha saudosa avó sempre comentava sobre essa empresa. Trabalhou nela, assim como suas irmãs, todas de Bangu.

    Se não me engano, minha avó dizia que os parentes do Domingos da Guia (ou ele próprio, não estou certo), trabalharam na empresa, assim como o famoso Castor de Andrade.

    Parabéns pelo post.

  6. Outro barão da Bangu

    Apparicio Torelly, o Barão de Itararé foi outro barão da Bangu. Não foi fundador, mas beneficiário do Silveirinha. O Barão, que estudou medicina — mas não conclui o curso, pois concluiu que médico era coisa sem sentido, já que cada um devia ser médico de si mesmo (e aplicava em si mesmo a ideia: autotratou-se de um AVC…) –; o Barão desde jovem meteu na cabeça que ia inventar uma vacina para a febre aftosa. Depois da série de encrencas que arrumou como jornalista, a certa altura cismou de dedicar-se inteiramente às suas pesquisas. O Silveirinha pôs então à disposição dele uma casa que tinha no seu sítio em Bangu, que o Barão chamava de Bangu-sur-Mer, e montou um laboratório completo para ele. Se bem me lembro, também lhe dava uma espécie de “bolsa”. Figuraças, os Silveira.

  7. Confiança, Noel e Salgueiro (e greve)

    Além da Nova América, a Confiança, cantada em música de Noel (Tres Apitos),construiu casas operárias no entorno de Vila Isabel. Quando fechou, cedeu uma parte de sua praça e sede à Acadêmicos do Salgueiro, e hoje tornou-se um hipermercado estilo shopping, confome fotos. Ali perto fica também o Renascença Clube.

    Anexo “Tres Apitos” de Noel, com Aracy de Almeida em 1951, e “Pra não dizer que não falei de flores” com Geraldo Vandré contando a história de uma greve em 1901 em protesto aos descontos de saláriso por rejeição de tecidos.

      Parcial da fábrica Confiança

      O atual hipermercado-shopping, em Vila Isabel (Andaraí)

      As casas operárias

      Fábrica Aliança, em Laranjeiras

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=5kto39DOWOs%5D

  8. num ai dei conta de que ali passei a me entender como gente…

    me descobri aos 7 anos, por aí

    eu ficava numa rua arborizada que ía de uma cancela de trem até a serra………………………………………

    era ali, antes de chegar na serra, que eu me alimentava nas toalhas de cosme e damião

    mas a rua que eu mais gostava era uma que me levava até uma igreja grande e bonita………………………..

    me assustava com os estrondos da pedreira e corria da poeira

    me escondia e permanecia encantado com o altar, sempre um mistério para gente miúda…………………………..

    outra que eu gostava muito tinha desfiles de carnaval, corrida de baratinhas, e também uma grande feira livre

    era um prédio grande com escadaria na entrada, foi ali, onde comecei a guardar bicicletas em troca de moedinhas

    e depois me enfiava por debaixo das barracas para pegar o que caísse no chão…………………………………………………………….

    muitos o conheciam e deixavam cair de propósito, às vezes uma fruta, muitas vezes biscoitos deliciosos

     

    eram todos gente linda, já falei, para os quais pedi muita luz e paz, e tenho certeza que fui atendido

     

    foi por lá que fiquei doente do peito e precisou de injeções, muitas, com mais força de cura

    na época não podia qualquer outra coisa, sendo gente miúda ainda

  9. A coisa começou grande…

    “EMPRESAS HISTÓRICAS – CIA.PROGRESSO INDUSTRIAL DO BRASIL FÁBRICA BANGU – Uma das líderes da primeira grande onda de industrialização brasileira, empresa que já nasceu grande, formada pelo capitalismo financeiro em 1889, junto com a República. Sociedade anônima com capital de 3.000 contos dividido em 15.000 ações,…”

    Ou seja, dinheiro oriundo de golpe contra o estado, deve ter recebido fortuna do governo Federal e Estadual a fundo perdido. Aí é fácil montar uma fábrica tão boa como esta.

    Quando o dinheiro acabou, a culpa é da economia mundial e falta de maquinários para se modernizar. 

  10. Puxa! Que pena que esse post

    Puxa! Que pena que esse post chegou tarde.

    Minha mãe trabalhou de 1940 a 1954, quando saiu para se casar. A cegonha me deixou em Bangu em 1955.

    Cresci ouvindo narrativas do despertar ao som do apito da fábrica, de amigos e amigas na hora do almoço.

    Hoje o Alzeheimer, e o AVC, anulou tudo isso naquela cabecinha branquinha.

    P.S.- Domingos e Ademir da Guia começaram no Bangu FC.

  11. Rápida continuação:
    O Estádio

    Rápida continuação:

    O Estádio de Moça Bonita, estádio do Bangú, foi construído no lugar do Ceres Futebol Clube. Para facilitar o acesso, já que ficava entre as estações de Padre Miguel e a de Bangu, a EFCB (Central do Brasil) construiu uma estação de trem a qual deu o nome de Guilherme da Silveira.

    No dia do trabalho, dia 01/05, era realizada uma grande festa, com desfiles e bandas de música, nesse estádio.

     

     

  12. OPERÁRIAS ESTUPRADAS X FÁBRICA MODELO
    Infelizmente a História tem sido reproduzida a partir de fontes únicas, oriundas de apenas um dos lados da História. Não me espanta que sejam privilegiadas fontes “oficiais”, me fazendo parecer que voltamos ao Positivismo. Com esse viés de ser contada sempre a partir do “lado vencedor”, dos donos das fábricas, dos recortes de colunas sociais, dos arquivos tendenciosos guardados nas indústrias que escondem seus abusos, vocês perpetuam uma memória alienante, mentirosa e extremamente parcial. Espero que publiquem a minha contribuição. Aliás, não minha. A contribuição/testemunho da operária Luiza Ferreira de Medeiros, que fornece um importante depoimento sobre as VERDADEIRAS condições de trabalho na Fabrica Bangu durante os anos 20/30, época em que os citados acionistas acumularam bastante dinheiro às custas de mulheres e crianças: “Eu iniciava o trabalho às 6 e termininaa por volta das 17 horas sem horário para almoço definido. Era o critério dos mestres o direito de comer, e tendo ou não tempo para almoçar, o salário era o mesmo. As refeições eram feitas entre as máquinas. Apenas uma pia imunda servia-nos de bebedouro. Nunca recebíamos horas extras, meeesmo trabalhando além do horário estabelecido.” fonte: Edgar Rodrigues in “Alvorada Operária”. Vê-se que a maioria dos cometários aqui são de filhOs, sobrinhOs, netOs de mulheres trabalhadoras da Fabrica Bangu. Uma pena essas mulheres não terem nem noção de que, na verdade, eram extremamente exploradas, trabalhavam muito mais do que o aceitável e ganhavam muitos menos do que deveriam. Parte da conscientização dessas mulheres vem da História bem articulada, contada sem esse viés patrimonilaista e dando voz aos esquecidos como Luiza – em detrimento dos festeiros que esbanjavam na festa citada pelo seu artigo. Daniela de Paulawww.doumbigoprabaixo.com.br

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