Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Os comunistas cujo nome é ninguém, por Urariano Mota

Urariano Mota*

Pesquiso na internet, e vejo que o Partido Comunista do Brasil foi fundado em 25 de março de 1922 por um punhado de dirigentes, que representavam 73 militantes de associações políticas de trabalhadores: Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (advogado), Joaquim Barbosa (alfaiate), Manuel Cendón (alfaiate), João da Costa Pimenta (gráfico), Luís Pérez (vassoureiro), Hemogêneo Fernandes da Silva (eletricista), Abílio Nequete (barbeiro) e José Elias da Silva (pedreiro).

Da pesquisa, no endereço  http://mucareis.blogspot.com.br/p/fundacao-e-fundadores-do-pcdob.html   vêm breves perfis dos fundadores:

Manuel Cedón

   “Artesão-alfaiate, espanhol-brasileiro. Militou em seu sindicato. Influenciado pelos socialistas da Argentina (Justo), onde viveu. Nunca foi anarquista. No PCB, fiel e disciplinado, mas um tanto pesado e bonachão. Faleceu em 1927, na Santa Casa de Misericórdia. Foi fiel até a morte.”

Joaquim Barbosa

 “Artesão-alfaiate. Militou em seu sindicato…”

Astrojildo Pereira  

   “…nasceu em Rio Bonito, Estado do Rio. Era Filho de um médico proprietário rural e comerciante, descendente próximo de portugueses. […] Era jornalista […], Fluente e brilhante.”

João da Costa Pimenta  

   “…gráfico. Militante sindical, ex-anarquista. Foi um dos raros operários comunistas de 1922. Prestou serviços no sindicato dos gráficos do Rio de Janeiro.”

Luis Peres 

   “… artesão-vassoureiro. Filho de um vassoureiro anarquista, espanhol. […] Militou nos primeiros tempos. Mudou-se para Taubaté, melhorou de condições e desapareceu.”

Hermogênio Silva

  “Carioca, nascido em 1887, filho de um anarquista espanhol e da mulata Catarina, filha de lavradores. Hermogênio era operário eletricista da Light (empresa de eletricidade) na cidade de Cruzeiro, no Vale do Paraíba, São Paulo. Passa depois a ser ferroviário da Rede Mineira de Viação na mesma cidade.”

Abilio de Nequete

  “barbeiro sírio foi um dos organizadores do congresso de fundação. Foi delegado de Porto Alegre (RS) e representava além daquele grupo comunista, o PC uruguaio e o Birô da IC para a América do Sul.”

Cristiano Cordeiro

   “foi professor, bacharel, pequeno funcionário público no Recife. Militante devotado,[…] Sofreu perseguições. Continuou maçon, mesmo depois de ser membro da CCE. Foi prestista. Manteve ligações com o representante da Coluna Prestes no Nordeste…” .

 

A pesquisa nos fala que a reunião terminou com todos cantando (baixinho, por razões de segurança) o hino do proletariado do mundo, A Internacional. .

Não pretendo me referir aos ilustres fundadores, cujos nomes entraram na história. Mas gostaria muito de falar de Astrojildo Pereira e de Cristiano Cordeiro. De Astrojildo, era bom que falasse do intelectual brasileiro que primeiro assentou o lugar de Machado de Assis contra os sectários, que desejavam pôr o nosso mais genial escritor na categoria de alienado. Um crítico literário e homem de ação além do seu tempo, Astrojildo. Fica para outra oportunidade.

Já sobre Cristiano, era bom mencionar o lugar especial de um mestre agitador, liderança incontestável em Pernambuco, cuja influência sobre os militantes pernambucanos levou um delegado do partido a escrever num relatório, quando veio ao Recife resolver uma desobediência partidária. Cito mais ou menos de memória: “No Recife não existe comunismo. Ali, há somente o Cristianismo, de Cristiano”. Dele, ainda, era ótimo lembrar um ato no teatro de Santa Isabel, que foi documentado por vias indiretas na música popular. No século XX, em 1933, no  palco do teatro, Cristiano Cordeiro lançou a chapa de nome “Trabalhador, ocupa teu posto”, que depois serviria de inspiração para o compositor Nelson Ferreira, que compôs o frevo “Coração, ocupa o teu posto”. Um sucesso, na política e no frevo, que se canta até hoje.

Assim como não falo também, e como gostaria, se tempo e competência tivesse, da fase de ouro do Partido Comunista do Brasil, quando o partido era também o lugar de abrigo e estímulo dos mais brilhantes criadores da cultura e da ciência nacionais.  Se assim eu pudesse, passariam diante dos nossos olhos as pessoas de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Portinari, Mario Schemberg, Di Cavalcanti, Caymmi, Rubem Braga, Barão de Itararé, Abelardo da Hora, Solano Trindade, Niemeyer, Mário Lago, e tantos, tantos que a simples ausência dos seus nomes na lembrança é sintoma de ignorância.

Prefiro falar, ainda que brevíssimo, da matéria mais perto de mim, do meu chão. Falar de quem muitas vezes é tido como de nível ao rés do chão.

Por exemplo, de uma arremetida do padeiro José, em Água Fria, no Recife. Parece incrível, mas ele, um sertanejo, vindo de um meio conservador, se fez operário e agitador de greves no Recife antes de 1964. Clandestino depois do golpe, sem poder voltar às antigas agitações nas praças, ele explodia para a esposa, uma senhora muito cristã e devota. Entendam. O padeiro recebia a provocação, na forma de piedoso motivo de, na hora do recolhimento. Um dia, quando a religiosa companheira foi dormir, ao fim de muitas orações ela se benzeu com estas palavras:

– Com Deus eu me deito, com Deus eu me levanto.

Ao que o vermelho e velho José deu um pulo da cama:

– Diabo! Se é com Deus, não é comigo. 

Tanto tempo se passou e não me esqueço de tal pulo de raiva do padeiro.  

É inesquecível para mim a pessoa de Ivo, dono de um boxe que ficava à esquerda da entrada do Mercado Público de Água Fria. Ele estudava economia, era leitor de Celso Furtado. Foi Ivo quem me apresentou a Bira, o primeiro comunista que eu soube ser comunista em Água Fria. Bira me falou das teorias de Darwin, enquanto eu lhe repetia a fé em Deus, embora eu próprio não possuísse tanta fé quanto gostaria. Antes de Bira, Ivo foi a primeira pessoa de esquerda que conheci na adolescência, a primeira a se declarar assim em fenomenais discussões. Escrevo agora e noto que o reino da cultura é a pátria da comunhão de toda a gente. Num clima de feroz repressão e de caça aos comunistas, Ivo discutia as luzes do socialismo com um menino magro, leitor de Seleções. Havia uma base de confiança entre nós, porque eu buscava uma razão para viver no mundo, não a encontrava, e o meu amigo Ivo afirmava ter o caminho para resolver toda a minha falta de um norte.

Existe ainda um outro comunista anônimo, de quem só vim saber da ideologia muitos anos adiante. A gente nem imaginava, mas ali perto do Mercado, na Rua Japaranduba, havia um comunista organizado, dirigente de célula, um homem que por si só, para quem não o conheceu, parece hoje mais um personagem de fábula. Um homem de história fantástica. Era seu Luiz, o barbeiro. Luiz Beltrão falava inglês, estudava filosofia, tanto na universidade quanto fora dela, em 1960. Depois se fez professor de escola pública. Um barbeiro professor de filosofia não seria mais próprio de uma história de Andersen? A gente nem se dava conta, mas o mundo da fantasia era parte da realidade dos nossos dias. E por isso o maravilhoso nos tomava como se fosse a coisa mais natural e elementar. Na barbearia de seu Luiz os moleques, os maloqueiros como eram tidos os jovens sem eira nem beira, sabemos hoje, os desocupados podiam entrar e ler à vontade os jornais e as reportagens da revista O Cruzeiro. Como se clientes fossem, todos os dias, todas as manhãs, abusando do ponto comercial, sem qualquer pagamento. Não sabíamos, aquilo era uma liberdade aberta por um comunista, barbeiro e filósofo.  

Sei, hoje, que os anônimos são tão importantes quanto qualquer celebridade, na história. “Depende, se estiverem organizados na luta” poderia me responder o filósofo na barbearia. Então eu conserto:

– Os comunistas fazem  a pátria onde os ninguéns se tornam alguém. 

Agora, sim, acho que o barbeiro Luiz Beltrão iria gostar desta lembrança.

*Urariano Mota é escritor e jornalista pernambucano. Colunista do Portal Vermelho

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

10 Comentários

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  1. Reciclagem

    Mota,

    Eu não consegui, ainda, criar uma célula. Pensei que poderia fazer isso a partir da barbearia que utilizo aqui na terra. Rapá, nesse ultimo ano a barbearia se tornou um “antro” de direitistas doentes onde já escutei até que Dilma era sapatão e continuam a querer cassar o mandato do Lula. Desisti, vou trocar de barbearia e barbeiro e desta vez vou tentar achar uma do xará Beltrão para reciclagem até que possa retornar a barbearia primeira e reverter o quadro. Vai dar um trabalho sô!!! Mas vai ser a parte que me toca.

  2. bem lembrado!dias destes

    bem lembrado!

    dias destes faleceu o comunista histórico Armênio Guedes bem lembrado aqui e em outros sítios, pero si, nenhuma notinha bergamo vermelha… nem mesmo de rodapé chão de fábrica no oficial portal vermelho brasileiro… nada de nada…

    pareceu-me que para o Portal Vermelho – a esquerda bem informada, o comunista histórico Armênio Guedes não morreu…

    em verdade, pareceu-me que, para eles e sua Voz da Verdade, o comunista Armênio Guedes nunca existira como também nunca existiu Juca Kfouri… nem nunca existiram – no imaginário popular proletário futebolístico – como existiram estes heróicos zé ninguém da causa comunista: alfaiates e barbeiros e professores e jornalistas e gráficos…

    STALIN NÃO MORREU!

    STALIN FOREVER!

     

  3. “Joaquim Barbosa”?! A

    “Joaquim Barbosa”?! A história só se repete como farsa… Se vivo fosse, se revolveria no túmulo (!!!???), ao saber do homônimo…

    E Abílio de Nequete teve um filho a quem deu o nome de “Lenine”, assim mesmo, aportuguesado, que foi brilhante professor de direito e, dizem, também comunista; muito conhecido na P. Alegre dos anos 70/80. Não sei se ainda vive.

    Saravá, ou melhor Priviet!

  4. Nenhum negro, nenhum pobre,

    Nenhum negro, nenhum pobre, nenhum nordestino, só a elite branca……

    Pensando nisso a cúpula da revolução Cubana , nenhum  pobre, nenhum negro, só a elite branca.

    E creio que todas as revovoluções comunistas na cúpula não tinha pobre , não tinha negros, só a elite branca.

    A conclusão faláciosa claro e posso usar vocês abusam disso, e que comunismo é coisa de branco, rico(classe média no minimo) .

    1. Como a cúpula do PT, nenhum

      Como a cúpula do PT, nenhum negro, nenhum probre, apenas a elite branca….

      Da cúpula do PT o mais pobre tem uma cobertura em São Bernardo e outra no Guarujá, hahah

       

  5. O maior deles.

    Vc esqueceu de falar de dois deles. Paulo Cavalcanti e o maior de todos Gregório Bezerra. Esse o maior guerreiro! Mas saiu de pernambuco o coveiro do partido chamado José Pereira, vulgo Roberto Freire.

    1. Paulo Cavalcanti

      O conheci pessoalmente, uma breve conversa, procurando por um livro dele, que me deu de presente. Fora a série O Caso Eu Conto Como O Caso Foi. (O “conhecio-o” acho pernóstico, gramatiquices. Bechara diverge de alguns quanto a mudanças da língua, inclusive culta, do Recife, de Recife, por exemplo, é aceito – óia eu me precavendo!…). O João, João.

  6. anarquistas e ex-anarquistas

    ex-anarquistas não são necessariamente “ex”.Por prudência.Acontecimentos pré e nos primeiros anos da revolução soviética questionavam o aparelhamento dos sovietes pelos bolcheviques e a ditadura que se iniciaria(difícil analisar se, naquela realidade,haveria outras alternativas.Um dos maiores assassinatos foi contra um grupo anarquista ucraniano pelos comunistas q predominaram.Nem falemos dos Processos de Moscou.O PCdoB(site o Vermelho),uma das tantas dissidências,voltou a adotar o nome de origem.Não tô negando a importância nem de uns,nem de outros,cada um se considerando reciprocamente como infiéis, hereges.Me lembram igrejas, que também mudam com os tempos.

    1. o que é ser comunista , hoje?

      não é uma questão fácil (exceto pras ortodoxias). A revista Forum (só existente na web, agora) teve uma edição em que a pergunta era posta para 4 personalidades. Paul Singer coincide mais com o que penso (mas já tive meus momentos de fiel). Carlos Nelson Coutinho (há entrevistas no youtube) defende mudanças a cada época. Revisões. Um dos muitos grupos do principal partido das esquerdas brsileiras passou a defender que a revolução agora deve ser democrática, aprofundando-se, à medida que o capitalismo não mais pode conviver com democracia. E vivam as diferenças! E a união de todos (uma utopia?).

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