Lula e a narrativa de George Lakoff, por Madrasta do Texto Ruim

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Madrasta do Texto Ruim

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Tá tudo descrito por George Lakoff no livro The Political Mind, de 2008. (Joga no Google pra saber qual é a do Lakoff. Digo apenas que o cara manda muito. Os livros dele são divisores de águas para o estudo da linguística cognitiva, e ele fala de igual pra igual com a psicologia cognitiva.)

As pessoas assimilam histórias longas dividindo-as em pequenas histórias. Cada uma dessas pequenas histórias são clichês repletos de julgamentos de valor, e um campo semântico predeterminado.

Assim, entendemos a Branca de Neve como jovem pobre e indefesa, vítima de uma madrasta malvada. E entendemos o Capitão Nascimento como um policial violento e truculento que se vale de armas, coragem e valentia para ser um herói.

Nunca vamos associar o sintagma “jovem indefesa” ao Capitão Nascimento, nem “violência e truculência” à Branca de Neve.

A isto Lakoff chama de framing. A gente associa todas as ideias que cercam uma palavra a um fato/pessoa.

Ponto parágrafo.

A ideia é incutir o frame “ladrão corrupto” a (adivinha de quem eu tô falando? Dica: podemos considerá-lo primo do Dinofauro, tá parei).

O trabalho vem sendo feito desde 2006 (ok, me deixem, tô contando por alto), com a ideia do mensalão (uma palavra cuja composição morfológica repleta de significados lhe atribui um campo semântico poderoso).

Aí não colou nele.

Aí ele ficou forte.

Aí ele saiu da função com alta taxa de aprovação. E o framing de ladrão corrupto se enfraqueceu.

Aí ele elegeu sua sucessora.

Aí ele reelegeu sua sucessora, em meio a um trabalho forte de framing de ladrão/corrupto/chefe de quadrilha à imagem dele. E nada de grudR muito o framing.

Os cabra num engoliro a reeleição. E sabem que, quanto mais desconstruído, mais desmitificado, mais fraco ele fica. E tome de framing.

– Ah, ele tem um sítio não declarado! (Framing de corrupto). Mas o sítio num tava em nome dele, então a história meio que tava forçada (imaginem Capitão Nascimento com saia de frufru dançando balé. Fica difícil chamá-lo de valentão, né?). O framing não pegou EM QUEM RACIOCINA DIREITO.

– Ah, um barco de QUATRO MIL REAIS foii comprado pela mulher dele e entregue no sítio! Aí mais uma vez, framing de corrupto e ladrão entra melhor em quem tem iate, né? E esqueceu-se do barquinho de alumínio furreco.

– Ah, tem dois pedalinhos de CISNEY (pausa para risos), com o nome dos NETOS dele!!! E mais uma vez, o framing falhou. Tenho pra mim apenas que dona Marisa tem um mau gostodo caralho, mas corrupta e ladra ela não é, coitada. E deixou-se de lado os pedalinho, já que…. Tcharam….

– LEVARAM O CARA PARA DEPOOOOOOORRRRR!!! A POLÍCIA PRENDEU ELEEEEEEE!!!! UHUUUUU! . Aí ele saiu do depoimento aclamado. Geral dizendo q o aparato para pegar o cara ( 200 policiais armados até os dentes e com uniforme camuflado. Não sei vcs, mas eu consigo ouvir o Capitão Nascimento bradando “putaquepariu, caralho, pede pra sair zérodois!!!”) era por demais exagerado. Aí o cara deu (mais) uma (de suas) entrevista(s) mitológica(s) e ainda se autointitulou (ele não sabe, mas é ótimo em framings) jararaca. Tá foda emplacar o framing de ladrão corrupto, né?

– a moda agora é falar dos onze contêineres q ele “levou do Alvorada, cheio de coisa da presidência”, e VOILÀ! Temos um bom framing de ladrão de galinha.

O problema vai ser quando geral descobrir que o material foi separado pelo próprio staff do Alvorada, sob a ordem “quero levar o mínimo necessário. Aliás, deixem o máximo possível aqui”.

Enquanto isso, a plebe ignara vai acolhendo um framing fraco atrás do outro, e neles incute-se facilmente a ideia de que Lula (vcs já tinham sacado, né?) é ladrão, corrupto, bêbado e analfabeto (o único analfabeto com noções de trigonometria, mas deixa isso pra lá).

E George Lakoff, direto de Berkley, segue todo trabalhado naquele gatinho do “falo nada, só observo”…

Eu apenas chamo de volta à baila minha miga Onça Paçada.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

34 Comentários

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  1. A única coisa que pode

    A única coisa que pode modificar esse estado de coisas é ir para as ruas e se preciso peitar os coxinhas. Essa plebe que se ataca entre si numa  simples escolha de candidato a prefeito, só entende agressão física e bate boca. Pobreza total de espírito. Querer ser elegante não funciona, parece que o confronto é só o que nos vai restar, realmente voltando a Idade Média como disse o ministro Marco Aurelio. Tempos tristes estes.

  2. Sem dúvida nenhuma a jararaca

    Sem dúvida nenhuma a jararaca estára na próxima e nas próximas eleições. Hoje,ela é o símbolo do Brasil que quer crescimento com distribuição de renda.

    Quem precisa de marqueteiro com uma jararaca destas?

    1. Quanta Injustiça!

      Que tremenda  injustiça, onde já se viu esquecer de agradecer aos grandes patrocinadores da “Jararaca 2018”, o justiceiro sergio “delação premiada” moro e sua “Força Tarefa”, também conhecida por, “Delenda PT”.

  3. belo texto…
    agora, a

    belo texto…

    agora, a narrativa do boquinha (https://twitter.com/palmeriodoria/status/706532316076765184) está pegando entre os populares…ontem enquanto esperava pra pegar um ônibus, o motorista e um fiscal discutiam o caso do Lula, alguma coisa nesse nível:

    – Como que alguém vai pagar um milhão por uma palestra do Lula? Se nem sociólogo, que estudou, fez isso, fez aquilo, ganha mais do que 10 mil reais por uma palestra. O cara ganhou vinte milhões das empreiteiras…

    Não ouvi nenhuma assertiva mais forte sobre o Lula, mas a percepção de alguns populares que conheço é de que ele não é nenhum coitadinho na história.

    1. Paga-se pelo mito o Homem que

      Paga-se pelo mito o Homem que tirou um Pais subdesenvolvido,terceiro mundo, quinta dos Eua do mapa da FOME….

      Se Informe como a europa e o resto do mundo …se comporto neste quesito durante o anos Lula..

      CNI pagou um 1 milhão para Bill Clinton!

      Por que Lula não pode receber o mesmo ou mais da Microsoft!

      1. Porque ele não é chic, não

        Porque ele não é chic, não tem apartamento em Paris, nem em New York, nem fazendas, nem mulher de 30 anos. Há fhc tudo, a Lula o Moro.

  4. O pior é que tem um pessoal

    O pior é que tem um pessoal que mostra ódio ao Lula e ao PT para ficar “bem na fita” com os coxinhas, mostrar que é um “cidadão de bem”.

  5. De vez em quando a inversão funciona

    Uma das melhores versões da história de Branca de Neve que eu já lí, escrita por Neil Gaiman, coloca a Branca de Neve no papel de vilã, e (ainda que por intermediários, ao melhor estilo Moro) truculenta e violenta.

    Em outras palavras, esse tipo de inversão pode funcionar quando bem orquestrado, com verossimilhança. Não é porque ainda não conseguiram grudar nada no Lula que podemos baixar a guarda.

  6. A PF do Zé já vazou as fotos do interior do sítio de Atibaia

    Já estão circulando nas páginas dos golpistas as fotos que a PF bateu do interior do sítio de Atibaia. Aparentemente, são autênticas, afinal o escracho tem de ser completo, qual a graça de invadir o sítio se não for para tirar fotos do interior e depois vazar? Duas fotos estão fazendo sucesso, supostamente da adega do sítio, com muitas garrafas de vinho. Até agora, 17.804 compartilhamentos. 

  7. Muito bom o texto e excelente

    Muito bom o texto e excelente escolha para a foto que abre o artigo: mostra o bom humor de Lula diante do símbolo que os idiotas acham que vai deixá-lo “chateado”.

  8. O trabalho que a mídia faz é

    O trabalho que a mídia faz é também o de não dar a verdadeira dimensão de Lula, em boa parte por omissão. Não se discutem os feitos da sua administração. É como se fossem fatos naturais (que, por coincidência magnífica, aconteceram no seu governo). É como no tempo do FHC, a fome era também um “fato natural”, não tinha nada a ver com a ação (inação, no caso) do governo e com a política. 

    Tivéssemos uma imprensa minimamente atenta aos fatos, Lula teria a dimensão de um Mandela, fácil fácil. Então para um cidadão qualquer, o Lula dar uma palestra não é o que de fato é, ou seja, um grande e respeitado líder mundial falando do que fez e do que pensa; é o metalúrgico pobre coitado que “sequer estudou”. Aliás, é impressionante como esse preconceito contra o Lula, que já deveria ter mais do que provado que é capaz, sempre volta. Isso é muito arraigado na nossa sociedade. 

    Estamos lidando com profissionais da comunicação e da semiótica, com décadas e décadas de experiência. É uma das maiores estruturas de mídia do mundo contra a qual se luta. É um massacre despejado contra a população brasileira. Por isso que eu digo, há que se agir com inteligência, coragem e profissionalismo (mas não artificialismo), pois este não é um terreno para amadores.

    Lula tem o dom natural da comunicação, desde que ele fale e não editem (maliciosamente) o que ele falar. Tem que aproveitar isso e falar diretamente com o povo, nas ruas e nas redes sociais. Esquece marqueteiros, esquece cenários suntuosos, somente um celular médio e um bom áudio, uma boa iluminação, já são suficientes. Lula, abra mais a boca. E se cerque de profissionais talentosos de comunicação, jovens com conhecimento de redes sociais e internet. O caminho é esse.

  9. Agora escrevam ai:

     A Rede da Revolução e toda a mídia babona golpista vão dar o maior destaque a esse tal “crucifixo”….  esse sim um bom  “Simbalo” que mexe com os brios sublimes e cristãos de uma zilhão de carneirinhos… prato cheio pra engambelar a patuléia ignara e colar mais uma pecha de “ladrão-de-galinha”… Agora vai!…

  10. Lakoff neles

    Eh tudo isso madrasta, mas quando a gente da de cara com o site de O Globo, p ex, e lê as manchetes, primeiro a gente ri de tanta esculhambação com o PT e o governo, mas ai lembra que tem um mundo de gente que não raciocina direito e também lê aquilo e acredita.

    A questão é educar o povo. Tenho amiga professoa e ela me disse ontem, que esta com um turma de terceira série em que algumas crianças não sabem ler e nem escrever direito.

  11. mais um excelente texto,

    mais um excelente texto, permeado de artigos muito bons…

    esse é demais, ri muito…

    pena que os coxinhas em geral não curtam muito

    esses textos mais profundos, digamos…

    a estética deles gealmente é muito restritiva, não acrescentam

    nada à cultura, ao humanismo, tão antigo e tão menosprezados por eles…

    1. Salve dona Marisa!

      Olha, Gilson, podiamos fazer uma homenagem à dona Marisa, pois o que ela deve estar sofrendo no meio desse fogo cruzado, sendo também acusada de fazer parte da “quadrilha”. Imagina dizerem isso de uma outra primeira dama? Dona Ruth se viva estivesse? Jamais. Então, D. Marisa tem toda minha admiração porque ela segurou e tem segurado um rojão em tanto por toda a sua familia.

  12. Madrasta do Texto Ruim,
    Por

    Madrasta do Texto Ruim,

    Por recomendações médicas eu preciso de ler um texto seu por dia após o café da manhã?

    Pode ser?

  13. A Operação Lava Jato começa a evoluir semioticamente

    Hoje mesmo o Wilson Ferreira expressa de outro modo esse mesmo fenomeno:

    http://cinegnose.blogspot.com.br/2016/03/lula-prisioneiro-em-narrativa.html#more

     

    Vemos orgulhosos agentes federais empunhando armas, óculos escuros e bocas de “acento circunflexo” ao melhor estilo Rambo. Tudo muito over e canastrão, assim como as performances de Frank Underwood e Donald Trump. Vale aqui relembrar o conceito  de “canastrice” na propaganda política: as performances políticas (eventos, personagens etc.) devem ser cada vez mais “over”, saturadas e exagerados para forçar alusões ao universo ficcional da TV e cinema. Isso porque após um século de cultura visual produzida pela indústria do entretenimento a percepção do real já foi invertida pelo hiperrealismo das imagens: tomamos o real não mais por ele mesmo, mas a partir de imagens previamente feitas dele. De tanto diariamente sermos alfabetizados pelas narrativas ficcionais de filmes e séries, avaliamos a realidade pela ficção. Apesar de toda canastrice (o fake, o overactating etc.) dos intérpretes do script da Lava Jato (sendo a indefectível figura do “japonês bonzinho” da PF a mais canastrona de todas), as pessoas acreditam em um enredo supostamente sério porque tudo parecer ser um verdadeiro decalque de alguma série da ficção. 

    De tão longa, a Operação Lava Jato começa a evoluir semioticamente tornando-se um verdadeiro futuro objeto para teses e dissertações: da narrativa tradicional em roteiros divididos em três atos, agora salta para as narrativas trans-mídias onde as histórias não têm fim porque continuam em múltiplas plataformas.

  14. E a filmagem a posterior?

    E a filmagem a posterior? Como documentário para o History Channel? Ou um filme histórico “foi tudo verdade” que será feito depois com esses agentes agindo como atores? Quem tiver maior desenvoltura será o mocinho. Daí a pose.

  15. Moral Politics

    Moral Politics – How Liberals and Conservatives Think, do mesmo Lakoff é muito bom tbem. Li nestas férias ao sol do Ceará (OK, não combinou muito)…

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