
Desigualdade nos Rendimentos
por Fernando Nogueira da Costa
No agregado macroeconômico do valor adicionado, a maior renda é do trabalho – e não do capital. Esta afirmação surpreende à primeira vista porque acostumamo-nos com a disparidade entre as rendas individuais dos trabalhadores e as dos capitalistas.
Além dos rendimentos do trabalho, na PNAD Contínua do IBGE, pesquisa o rendimento proveniente de outras fontes, composto pelo rendimento mensal de:
- programas sociais do governo (Programa Bolsa Família, BPC-LOAS, outros programas sociais do governo);
- aposentadoria ou pensão de instituto de previdência oficial federal, estadual, municipal, ou do governo federal, estadual, municipal;
- aluguel e arrendamento;
- seguro-desemprego ou seguro-defeso;
- pensão alimentícia, doação e mesada de não morador; e
- outros rendimentos, onde estão incluídos rentabilidades de aplicações financeiras, bolsas de estudos, direitos autorais, exploração de patentes etc.
Os indicadores de rendimento do trabalho investigados pela PNAD Contínua são divulgados em termos nominais e em termos reais, ou seja, deflacionados pelo IPCA.
Em 2021, de 212,7 milhões pessoas residentes no Brasil, cerca de 60% (127,1 milhões) possuíam algum tipo de rendimento. O contingente de pessoas com rendimentos de trabalhos correspondia a 41% da população residente (87,5 milhões), enquanto 25% dos residentes (52,8 milhões) possuíam algum rendimento proveniente de outras fontes.
Dentre os componentes dos rendimentos de outras fontes, 12,6% (26,7 milhões de pessoas) da população residente recebia rendimento de aposentadoria ou pensão em 2021. Outros rendimentos, onde estão incluídos rentabilidades de aplicações financeiras, no agregado, vinham sem seguida e contemplavam 10,6% (22,6 milhões de pessoas). Com percentuais bem menores, seguiam as categorias de aluguel e arrendamento (1,2%) e pensão alimentícia, doação e mesada de não morador (1,8%).
Observando-se a série histórica, de 2012 a 2014, o rendimento médio real de todas as fontes teve crescimento de 4,9% (de R$ 2.369 para R$ 2.484). Em 2015, contudo, a estimativa sofreu queda de 2,9% e passou a ser de R$ 2.412.
Em 2016 e 2017, o comportamento foi de relativa estabilidade, seguida pelo crescimento de 2,6% entre 2017 e 2018, quando passou de R$ 2.409 para R$ 2.472, e por estabilidade em 2019 (R$ 2.471). Com a pandemia do novo coronavírus, o rendimento médio de todas as fontes sofreu uma queda de 3,4% em 2020 e de 5,1% em 2021, sendo estimado em R$ 2.265 neste último ano.
Observa-se, portanto, o valor médio real alcançado no fim da Era Social-Desenvolvimentista, quando se encerrou o primeiro (e o efetivo) mandato da Presidenta Dilma, não ter sido alcançado nos demais anos seguintes ao golpe de abril de 2016.
Quando se considera o rendimento médio mensal real habitualmente recebido de todos os trabalhos (calculado para as pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência) ele foi estimado em R$ 2.476 em 2021.
Em comparação, quando se iniciou o distanciamento social, devido à pandemia, em 2020, o rendimento de outras fontes registrou forte queda, de 15,4%, baixando para R$ 1.396, tendência mantida em 2021, quando foi estimado em R$ 1.348, levando a estimativa ao menor valor da série histórica. Ficou apenas R$ 150 acima do salário-mínimo de R$ 1.100,00 em 2021.
Dentre todos os componentes do rendimento proveniente de outras fontes, o item aposentadoria e pensão manteve-se como o de maior média em 2021 (R$ 1.959), os rendimentos provenientes de aluguel e arrendamento tiveram valor médio de R$ 1.814. Pensão alimentícia, doação e mesada de não morador totalizavam, em média, R$ 667.
O IBGE não destaca as rentabilidades de aplicações financeiras, apenas afirma as pessoas declarantes de receber outros rendimentos, além dos anteriormente citados, recebiam R$ 512 em média. Mesmo com juros de 2% aa até março de 2021 é difícil acreditar eles terem sidos declarados ou foram diluídos nessa média. Distinguir os juros dos saldos de fim-de-período não é fácil sem consultar os Informes de Rendimentos para as DIRPF.
Vale registrar (e jamais esquecer), além do genocídio de 700 mil pessoas, grande parte devido ao negacionismo científico da extrema-direita militar no poder, o sacrifício social em termos de queda da massa mensal de rendimentos de todos os trabalhos. Além disso, a massa de rendimento registrou expansão em uma década de apenas 2,2%.
Em 2019, a população ocupada totalizava 92,8 milhões de pessoas. Em 2020, com a pandemia, caiu para 84,7 milhões. Crescer para 87,5 milhões de pessoas, em 2021, não tinha sido suficiente para recuperar as perdas de ocupações ocorridas no ano anterior.
O salário-mínimo nos Estados Unidos é de 7,25 dólares (R$ 36) a hora e não é atualizado desde 2009. Diário seria US$ 58 (R$ 290) e mensal US$ 1.276 (R$ 6.120). Sem considerar a Paridade do Poder de Compra (PPC) entre o poder aquisitivo de um dólar lá e aqui, percebe-se como a maioria (90%) da sociedade brasileira é relativamente pobre.
O índice de Gini é uma medida de concentração de uma distribuição de renda, e seu valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (desigualdade máxima). O do rendimento médio mensal real habitualmente recebido de todos os trabalhos foi de 0,499 em 2021, praticamente o mesmo do ano anterior (0,500).
Entre 2012 e 2015, houve uma tendência de redução deste indicador, passando de 0,504 para 0,490. A partir do golpe de 2016, com retirada de direitos trabalhistas e do poder de barganha por sindicatos, o índice voltou a aumentar para 0,498, valor no qual se manteve em 2017, e, em 2018 e 2019, registrou-se o maior valor da série (0,506). A desigualdade do rendimento do trabalho diminuiu, recentemente, ao nivelar por baixo.
Em 2021, o rendimento de todos os trabalhos compunha 75,3% do rendimento médio mensal real domiciliar per capita. Os 24,7% provenientes de outras fontes se dividiam em rendimentos de aposentadoria e pensão (18,2%) em sua maioria, mas também em aluguel e arrendamento (1,7%); pensão alimentícia, doação e mesada de não morador (0,9%); e outros rendimentos (4,0%).
No fim da Era Social-Desenvolvimentista, em 2014, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita atingiu R$ 1.505. Depois, entrou em queda até 2021, quando foi estimado em R$ 1.353, o menor valor da série histórica da PNADC. Em média, uma família de três membros somaria renda domiciliar de R$ 4.059.
Porém, ao observar a estratificação em classes de percentual das pessoas em ordem crescente de rendimento domiciliar per capita em 2021, aproximadamente metade da população com menores rendimentos recebeu, em média, R$ 415, o menor valor da série histórica. Então, a típica família brasileira de três membros entre os mais pobres tinha renda de R$ 1.245, pouco mais do salário-mínimo em 2021.
A análise da concentração de renda por meio da distribuição das pessoas por classes de rendimento domiciliar per capita mostrou, em 2021, as pessoas no 1% da população com rendimentos mais elevados obtiveram rendimento médio mensal real de R$ 15.940, ou seja, R$ 47.820 da família com três membros. Recebiam, em média, 38,4 vezes o rendimento da metade da população com os menores rendimentos, cujo rendimento médio mensal real como já apontado era R$ 415.
Esse cálculo da renda familiar na faixa de mais 90% até 95% (per capita de R$ 3.359) foi R$ 10.077 e na faixa de mais de 95% até 99% (per capita de 6.237) foi R$ 18.711. Em outros termos, como dizia minha avó, a classe média alta “come angu e arrota peru”…
O índice de Gini da renda familiar aponta maior desigualdade: 0,544 em 2021. Basta comparar a parcela dos 10% com os menores rendimentos da população (0,7% da massa de rendimento mensal domiciliar per capita) e a parcela de 42,7% dos 10% com os maiores rendimentos em 2021. Este último grupo possuía uma parcela da massa de rendimentos (42,7%) acima da recebida pelos 80% da população com os menores rendimentos (41,4%).
Para arrematar, segundo a ANBIMA, considerando o período 2016-2022, o total da riqueza financeira do Varejo (Tradicional e de Alta Renda) obteve o maior aumento (25%) em 2021, talvez pelo aumento da assistência social e da poupança durante o distanciamento social. Os 115,6 milhões do Tradicional e o 12,6 milhões do segmento de Alta Renda somaram mais de ½ trilhão de reais naquele ano, passando de R$ 2,2 trilhões para R$ 2,78 trilhões. No entanto, suas riquezas per capita eram, respectivamente, R$ 13.197 e R$ 99.216, revelando as baixas reservas financeiras nas contas da classe média.
O Private Banking aumentou sua fortuna financeira de R$ 1,625 trilhão em 2020 para R$ 1,722 trilhão em 2021, ou seja, em quase R$ 100 bilhões com juros ainda baixos. Aquele montante representava uma média per capita para cada um dos 125 mil CPFs em R$ 13,768 milhões. Cerca de 26% (R$ 450 bilhões) era renda variável em ações e o restante (R$ 1.272 bilhões) era o estoque de renda fixa acumulada com base em juros compostos. Só.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.