A história de duas amortizações ajustadas, por Adair Turner

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Negociações envolvem perdão de dívidas, repasses e apertos, mas países estão em situações distintas

Jornal GGN – Ao final de 2015, a dívida pública da Grécia chegou a 176% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o lastro da dívida do Japão chegou a 248%. Analistas acreditam que os governos nunca conseguirão pagar o que devem. Como a subscrição e a monetização são consideradas inevitáveis, os dois países acabam se colocando em uma espécie de vanguarda mundial.

“Com o total da dívida pública e privada em todo o mundo chegando a 215% do PIB e crescendo, as ferramentas das quais Grécia e pelo Japão dependem quase certamente serão amplicados em outros lugares”, acredita Adair Turner, ex-presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido e atual presidente do Institute for New Economic Thinking, em artigo publicado no site Project Syndicate.

“Desde 2010, a discussão oficial sobre a dívida grega mudou da fantasia intermitente para uma gradual realidade. O programa de resgate para a Grécia lançado naquele ano assumiu que um lastro da dívida em queda poderia ser alcançado sem qualquer subscrição da dívida privada. Após uma enorme reestruturação da dívida privada realizada em 2011, a previsão de chegar a 124% até 2020, uma meta do Fundo Monetário Internacional, poderia ser alcançada, mas não com alta probabilidade.”Hoje, o FMI acredita que um lastro da dívida de 173% é possível em 2020, mas apenas se os credores oficiais europeus da Grécia concederem uma significativa redução da dívida”, explica o articulista.

De acordo com Turner, “o programa colocado para a Grécia em 2010 buscou transformar um déficit fiscal primário (excluindo o serviço da dívida) de 5% do PIB para um excedente de 6%; mas a austeridade necessária para entregar a consolidação produziu uma recessão profunda e um lastro da dívida crescente. Agora, a zona do euro está exigindo que a Grécia reverta a proposta de déficit primário de 1% do PIB em 2015 para um excedente de 3,5% do PIB, e mantenha essa postura fiscal para as próximas décadas”.

Porém, conforme argumentado pelo FMI, a meta proposta é “completamente irreal” na visão do articulista, e persegui-la seria um processo autodestrutivo. Segundo o economista. “se jovens gregos devem financiar excedentes perpétuos para pagar dívidas passadas, eles podem literalmente andar longe da dívida grega, se mudando para outros países da União Europeia (e levando as receitas fiscais com eles)”.

Agora, o FMI propõe um excedente de 1,5% do PIB, mas que poderia colocar o lastro da dívida em uma trajetória considerada sustentável apenas se combinada com uma redução considerável. “A posição oficial dos líderes da zona do euro, no entanto, continua a descartar tal possibilidade; eles vão considerar apenas uma extensão das maturações e redução das taxas de juros em alguma data futura”.

Se a crise grega ainda apresenta riscos para a estabilidade financeira, Turner diz que seus US$ 340 bilhões são ofuscados pelo Japão, que chegam a US$ 10 trilhões. “Enquanto a maioria da dívida grega está com instituições oficiais, os títulos do governo japonês são mantidos em carteiras de investimentos privados em todo o mundo. No caso do Japão, contudo, a monetização da dívida, e não uma subscrição, vai pavimentar o caminho de volta para a sustentabilidade”.

O articulista explica que, assim como acontece com a Grécia, as previsões fiscais oficiais para o Japão tem sido fantasiosas. Em 2010, o FMI descreveu como o Japão poderia reduzir a dívida líquida (excluindo títulos do governo mantidos por organizações quase-governamentais) para um patamar “sustentável” de 80% do PIB em 2030, por meio de uma reversão do déficit primário daquele ano de 6,5% do PIB em um 6,4% excedente do PIB até 2020, e mantendo esse excedente ao longo da década seguinte. Contudo, não se viu nenhum progresso em direção a tal objetivo até 2014. Em vez disso, o novo cenário previu que no ano 6% do PIB do déficit balançando para um excedente de 5,6% em 2020. Na verdade, o aperto fiscal em tal escala produziria uma profunda recessão, e o aumento do lastro da dívida.

“O governo japonês, portanto, abandonou seu plano para um aumento no imposto sobre vendas em 2017, e p FMI cessou a publicação de qualquer cenário em que o lastro da dívida cai para algum nível definido “sustentável”. Suas últimas previsões sugerem um déficit primário em 2020 ainda acima de 3% do PIB”, diz o articulista. “Mas a dívida do governo japonês para investidores privados está em queda livre. Da dívida líquida do Japão de 130% do PIB, cerca de metade (66% do PIB) é devida ao Banco do Japão, que por sua vez é detido pelo governo. E com o Banco do Japão efetuando compras da dívida a uma taxa anual de 80 trilhões de ienes, o governo emite menos de 40 trilhões de ienes ao ano, o que deve fazer com que a dívida líquida do setor público consolidado caia para 28% do PIB no final de 2018, e poderia chegar a zero em algum momento no início dos anos 2020”.

Contudo, Turner ressalta que a versão oficial indica que toda a dívida acabará por ser revendida para o setor privado, tornando-se novamente um passivo público real, que deve ser reembolsado a partir do futuro superávit fiscal. “Se as empresas e as famílias japonesas acreditam em tal probabilidade, eles devem racionalmente economizar para pagar impostos futuros, compensando assim o efeito de estímulo dos déficits fiscais de hoje”, diz o articulista.

(Tradução livre por Tatiane Correia)

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

1 Comentário

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  1. Só no Excel funciona

    É evidente que os níveis de sustentabilidade das dívidas soberanas e projeções de redução dos ratios dívida/PIB são fruto apenas de cálculos no Excel. Nada tem a ver com modelos relacionados com a economia real.

    Ao mesmo tempo, e creio que isso sim é mérito das teoría econômica austríaca a pesar de não concordar com suas receitas, todo indica que em algúm momento os estímulos fiscais e monetários não surtem mais efeito, e o único que promovem são esquemas Ponzi, maus investimentos e corrupção. Japão que o diga, que faz mais de 25 anos que tenta crescer a força de estímulos, e o único que consegue é aumentar o tamanho da dívida pública enquanto os valores dos ativos seguem despencando. No entanto, também é verdade que o pouso do crash de 89 foi relativamente suave comparado com o tamanho da bolha inflada nos ’80s, e que o nível da renda per cápita japonesa e tal que o crescimento zero depois de tantos anos não produz pobreza, apenas um baita problema fiscal e dores de cabeça para os ministros da fazenda japoneses (e em algúm momento, para os detentores de títulos públicos nipones).

    A redução das dívidas está sempre fora de cogitação por parte dos economistas de plantão com algúm microfone (pois creio que seriam sumariamente demitidos dos seus empregos), no entanto, parece ser a única saída possível desse imbróglio.

    Os manuais de economia ortodoxos, esses que fazem a cabeça da maioria dos fazedores de políticas e divulgadores da economia, precisariam ser substituidos por novas teorías, que tenham aplicação prática e que dem resultado no mundo real para resolver esse problema crescente. Creio que já não dá tempo disso acontecer.

    Desde 2008, o fogo lento das taxas zero (ZIRP), dos sucessivos afrouxamentos monetários (QE), dos resgates dos bandidos do sistema financeiro internacional (bail-outs), e da intransigência do grande capital (troika européia, fundos abutres americanos, cabeças de planilha tupiniquins) cozinha o caldo de cultivo da próxima e ainda maior crise econômica e financeira mundial. 9 anos se passaram já do estouro da bolha dos subprimes nos EUA. A cada dia estamos mais perto do estopim da nova crise, que como sempre, acontecerá onde menos se espera.

    Lamentávelmente, tanto Brasil como Argentina serão pegos com muita mais virulência que no passado, em meio a apertos fiscais e monetários, recessão e desemprego em alta.

    A conferir. 

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