Trump suspende lei que levou a multa bilionária da Odebrecht e Petrobras

Legislação que permitiu EUA processar empresas estrangeiras ajudou a minar concorrentes, apontam especialistas

Foto: GPO/ Fotos Públicas

Por Natália Viana

Da Agência Pública

Em 10 de fevereiro, Donald Trump emitiu uma ordem executiva para que o Departamento de Justiça suspenda a aplicação da Lei de Práticas Corruptas no Exterior, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) por 180 dias e reavalie a estratégia para novos processos. Segundo a ordem, a segurança nacional americana “depende em parte substancial da obtenção de vantagens comerciais estratégicas pelos Estados Unidos e pelas suas empresas, seja em minerais críticos, portos de águas profundas ou outras infraestruturas ou ativos essenciais”. O presidente a acusa a FCPA de impedir empresas americanas de irem contra “práticas de negócios rotineiras em outros países” e prejudicar a “competitividade americana”.

Porém, segundo diversos estudiosos, desde 1988, quando a FCPA foi reformada, ela tem sido usada prioritariamente contra empresas estrangeiras, e não americanas. Essa mudança na legislação permitiu o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) investigue e puna, nos Estados Unidos, atos de corrupção que envolvam autoridades estrangeiras praticados por empresas e pessoas estrangeiras, independente de onde tenham ocorrido – basta que tenha havido transferência de dinheiro por algum banco americano, que se vendam ações de empresas envolvidas na bolsa nos EUA, ou até mesmo que a propina tenha sido paga em dólares.

Foi esse o caso da Odebrecht e da Petrobras. Em dezembro de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária Braskem, fez um acordo com o DOJ no qual ambas concordaram em pagar um mínimo de US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil – total depois reduzido para 2,6 bilhões de dólares – pelas práticas de corrupção ocorridas. Na época, foi o maior acordo global de corrupção internacional. Já a Petrobras fechou acordo em 1,8 bilhão de dólares com o governo americano em 2018. 

Ambas foram processadas pelo DOJ nos Estados Unidos por corrupção ocorrida no Brasil através de depoimentos e evidências obtidas em aliança com a Força-Tarefa de Curitiba, durante a Operação Lava Jato.

POR QUE ISSO IMPORTA?
A Lei de Práticas Corruptas no Exterior (FCPA) permitiu aos EUA processar empresas brasileiras como a Petrobras e a Odebrecht, no contexto da Operação Lava Jato.
A legislação é apontada como uma ferramenta para o país minar concorrência estrangeira em mercados estratégicos para os EUA.

As multas aplicadas foram, inclusive, divididas com o Brasil. O caso mais notório foi o da Petrobras, cuja multa foi alvo de disputas judiciais porque seria usada, originalmente, para criar uma fundação para o combate à corrupção, com forte influência do Ministério Público Federal em Curitiba (MPF). A fundação foi posteriormente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como a Agência Pública revelou, na mesma época Deltan Dallagnol e Sergio Moro abriram empresas para ministrar cursos e palestras anticorrupção.  

As negociações da divisão dos valores ocorreram desde 2015. Segundo os diálogos vazados ao Intercept Brasil e compartilhados com a Pública, os procuradores de Curitiba valeram-se da pressão dos EUA para ampliar as multas e pressionar investigados a colaborar.

Lei ajudou EUA a minar concorrência estrangeira 

Para a pesquisadora e jurista Maria Virgínia Mesquita Nasser, doutora em direito econômico pela Universidade de São Paulo (USP)  e mestre em direito pela London School of Economics and Political Science (LSE), a FCPA nunca foi “o Santo Graal do combate à corrupção”. “O mais grave é o barulho tremendo que ele [Trump] faz. E a narrativa que ele põe nisso, afirmando que a FCPA tira a competitividade das empresas americanas, como se o único fator de competitividade internacional fosse o poder de subornar autoridades estrangeiras.” 

Nasser é autora do livro Previsível mas problemático: o papel dos EUA na Operação Lava Jato, por força do FCPA, com Paula Maria Bertran, escrito a partir de pesquisas de documentos do próprio governo americano e da literatura acadêmica. Elas demonstram que, dos dez maiores acordos fechados pelo DOJ entre 1977 e 2019, apenas uma empresa era americana – a Halliburton.  

“Quando a gente olha com atenção, na verdade a FCPA incidiu majoritariamente sobre empresas estrangeiras atuando em mercados preferenciais para os EUA. A FCPA é bastante seletiva em termos de segmento – indústria farmacêutica, gás e petróleo, que são mercados estratégicos para os EUA”, diz Nasser. 

Ou seja: nas últimas duas décadas, a FCPA ajudou a minar a concorrência a empresas americanas, e não o contrário, como alega Trump. 

Para a especialista, a lei se tornou uma ferramenta de soft power econômico dos Estados Unidos. “A gente só chama de ‘soft’ porque não explodiu nenhuma bomba, mas era um ‘hard power’ americano”, conclui.

Na visão de Fábio de Sá e Silva, pesquisador da Universidade de Oklahoma (EUA), é possível que a suspensão não dure muito e seja questionada na Justiça. “Uma das coisas estruturantes do governo Trump é que o presidente está suspendendo algumas leis com base em decretos. Isso é questionável se é possível.”

“O que o FCPA fazia era dar uma jurisdição dos EUA para que ele pudesse processar empresas de outros países. Agora os EUA perdem esse instrumento que tinham, que muita gente entendia ser um instrumento de política externa e de defesa de interesse de política nacional, como foi muito falado no caso da Lava Jato”, explica.

Até o ano passado, as investigações contra a Petrobras ainda rendiam dividendos para o DOJ. Em março de 2024, a Trafigura, uma empresa suíça que negocia com commodities, fechou um acordo pelo pagamento de propina no Brasil para obter contratos com a Petrobras. A empresa aceitou pagar 127 milhões de dólares ao governo americano. 

Em junho do mesmo ano, o empresário norte-americano Gary Oztemel assinou delação assumindo ter pagado propina a executivos da Petrobras no valor de mais de 10 mil dólares. Segundo o relatório “2024 FCPA Year in Review”, da Universidade Stanford, em 2024 o Brasil empata com México e China em termos de países mais citados nos casos de investigações de FCPA.

Edição: Bruno Fonseca

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3 Comentários

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  1. Bem, o que dizer?

    Direita e esquerda colonizadas (brasileiras) com caras de cachorros que caíram da mudança…

    A direita porque fica sem parte de sua narrativa sobre corrupção, ainda que a revogação do instituto legal dos EUA não os impeça (nunca impediu) de cagar regras para o mundo, e pior, nessa parte ignóbil do mundo, a América Lat(r)ina…que sempre as acata, sejam de esquerda ou de direita os governos.

    Trump disse o que sempre soubemos: corrupção ou vantagem competitiva no capitalismo é só uma referência de quem conta a história, e claro, o seu interesse nela.

    A esquerda fica com cara de bosta, porque sempre fez questão de negar o óbvio:
    Não se faz politica no capitalismo sem dinheiro, e dinheiro não nasce em árvores, logo …

    Em resumo, por motivos distintos (será?), direita e esquerda no Brasil querem ignorar o fato de que corrupção faz parte do capitalismo, como a raíz está para a árvore.

    A idéia essencial do modo de produção é corrupta em si:

    Expropriar a riqueza de quem produz e entregar para quem só acumula.

    Partindo dessa compreensão, toda a estrutura normativa (legal) dos estados capitalistas se dedicam a manter essa estrutura intacta.

    Não precisa ser gênio para imaginar que a partir da hierarquia de classes surge a hierarquia de direitos e deveres.

    Por isso o furto qualificado, onde uma pessoa que escala uma janela ou arromba um cadeado para furtar um supermercado, para conseguir feijão, arroz ou carne, pode ter uma pena máxima de 08 anos.

    Já o crime contra a ordem tributária (sonegar impostos) tem pena máxima de 5 anos.

    Detalhe, se recolher o imposto quando flagrado, ou, a qualquer tempo, até a denuncia pelo MP, extinta a punibilidade do sonegador.

    E, mesmo que aceita a denúncia, só poderá ser processado quando a fazenda pública encerrar o processo fiscal administrativo, com lançamento em dívida ativa.

    Ou seja…

    Nassif e boa parte da esquerda acreditam em uma versão “moral” do mundo…

    Tem até textos aqui, do Nassif, com loas a feitos de honestidade…

    (risos)…pois é…

  2. De onde menos se espera vem uma luz. Mesmo que seja a luz de um trem que nos atropelará no túnel, essa decisão do agente laranja vem aliviar uma excrescência que é a legislação americana buscando interferir extramuros quando cuida de contratos negociais. Toda grande negociação entre países deveria eleger um foro neutro para evitar interferências de autoridades estrangeiras. especialmente quando as partes contratantes são desiguais.
    Essas multas a nós impostas, contra as quais nem defesa se apresentou, ao contrário da “corrupção” que punia, permitiu a prática de corrupção pelos próprios agentes do estado, justamente aqueles que deveriam defender o estado da corrupção. Ávidos pelo dinheiro que essas multas representavam, rapidinho esqueceram-se de seus deveres “combativos” e arrogaram-se no direito de “administra-las” em proveito próprio.

    1. A aplicação da FCPA em si é intrinsecamente corrupta: paga recompensa a agentes públicos estrangeiros que rifam a soberania de seus países no altar do DoJ. É exatamente o mesmo modus operandi corrupto de cooptação da Globo com os BVs para agências de publicidade; das empresas aéreas com o crédito de milhas para quem voa, não para quem compra (quanto mais exorbitantes as tarifas pagas, mais o executivo que voa a trabalho ganha); dos revendedores de material de construção, com o cashback para o empreiteiro que centraliza neles as compras, em vez de oferecer o benefício de escala como desconto para o cliente contratante…

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