Em São Paulo os brontosaurus não frequentam o xadrez, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em São Paulo os brontosaurus não frequentam o xadrez

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Num texto primoroso publicado hoje, Luis Nassif analisa as perspectivas da expansão da barbárie no Brasil bolsonariano. Em geral concordo com os argumentos que ele apresentou, mas gostaria de usar a “sintonia fina” para problematizar a avaliação dele. 

Nassif disse que na democracia mitigada aceitam-se abusos contra Lula, o endosso ao golpe do impeachment, a reinterpretação da história do país, para evitar possíveis Noites de São Bartolomeu que estão no radar dos conquistadores.” Nas favelas e mocambos, o uso ilegal da violência excessiva por agentes do Estado e milícias toleradas pelos governantes sempre foi uma realidade persistente e judicialmente legitimada. 

A democratização do país no período 1988-2016 oscilou entre a “opera bufa” e a “tragédia naturalizada” geograficamente. Os direitos humanos ficaram restritos aos bairros nobres e de classe média. A expansão deles na periferia pobre foi rejeitado, proibido ou simplesmente não foi objeto de preocupação séria dos membros dos três poderes. Não é difícil provar essa afirmação:

“Em fevereiro de 2016, a defensora Daniela Skromov, então coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da instituição, concedeu entrevista ao jornal El País, tratando do controle das polícias e expondo as dinâmicas de sua concretização nos cerca de oitocentos casos anuais de mortes decorrentes de ação policial no Estado de São Paulo.

Daniela e os demais defensores, então coordenadores do NCDH, eram responsáveis pelo Procedimento Administrativo nº 12/2016, instaurado em decorrência dos resultados observados no acompanhamento de ‘centenas de vítimas e familiares de vítimas de violência policial, seja na forma de execuções sumárias (chacinas) seja na forma de mortes decorrentes de intervenção policial (NSDH-Dpesp, 2016).

Na entrevista, a defensora destacou que em mais de noventa por cento dos casos os promotores de justiça (os donos privativos da ação penal, como vimos), pediram o arquivamento do caso e os juízes concordaram, o que ocorreu apenas com base na palavra dos policiais envolvidos…” (A Política da Justiça – Blindar as elites, Criminalizar os pobres, Luciana Zaffalon Leme Cardoso, Hucitec, São Paulo, 2018, p. 320/321)

A entrevista acima referida pode ser encontrada no seguinte endereço: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/03/politica/1454499372_782305.html

Em razão desse fato e do elevado índice de condenações do MPSP nos outros casos (os processos criminais promovidos contra criminosos comuns, ou seja, contra não policiais) Eliana Zaffalon afirma que:

“Tal resultado reforça a leitura de que o MPSP atua pela blindagem das elites, obstando o aprofundamento democrático, garantindo que às classes populares sejam destinadas as forças de segurança pública e o sistema prisional. Verifica-se, assim, o exercício das atribuições da instituição como expressão da luta de classes, com atuação de caráter higienista.” (A Política da Justiça – Blindar as elites, Criminalizar os pobres, Luciana Zaffalon Leme Cardoso, Hucitec, São Paulo, 2018, p. 323)

Luis Nassif está preocupado com as Noites de São Bartolomeu. O problema é que elas são a regra nas favelas e mocambos. Lá a paz é uma exceção. Isso talvez explique a eleição de Jair Bolsonaro. Um povo acostumado à opressão policial considera a liberdade política um luxo. A imprensa, essa escola com partido que entra diariamente nas residências pobres através das redes de TV, não ensinou os brasileiros a ser livres. A única coisa que ela fez foi reforçar neles a crença de que o luxo da liberdade deve ser removido da vida dos petistas.

Nós podemos dizer que o status de Lula foi rebaixado para que ele pudesse ser tratado como um reles favelado desprovido de direitos frente ao Estado de exceção. Mas nós também podemos dizer que o regime democrático, que já era mitigado nas favelas e mocambos. encontrou um caminho para se expandir nos bairros de classe média e de classe alta justamente por causa do fracasso dos democratas no período 1988-2016.

No mais, concordo com as afirmações de Luis Nassif. O Brasil já está em escombros (porque de fato nunca deixou de ser um país em escombros para mais da metade de sua população). As Noites de São Bartolomeu, que eram comuns nas favelas e mocambos, começarão a ocorrer nos bairros de classe média e de classe alta. A expansão da barbárie por todo espaço geográfico é um resultado indesejado e previsível do fato de todos nós termos tolerado a barbarização dos bairros pobres inclusive durante o período democrático.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Quando os militares tomaram o

    Quando os militares tomaram o poder em 64, passaram a usar  contra seus inimigos políticos a tortura que sempre foi praticada contra os pobres pela polícia. A tortura que sempre vitimou os Silvas e Santos começou a pegar sobrenomes que os torturados tinham até dificuldade em pronunciar. Hoje, o ativismo judiciário usa a injustiça que é comum aos pretos e pobres – que é manter presos pessoas que não tiveram um só julgamento ainda – para seus inimigos – Lula é o maior exemplo disso. 

    É um erro a ala progressista ficar falando em defender a democracia. O povão não sabe o que é isso, pois sempre sofreu a violência policial. Falar em censura pro povão não quer dizer nada, pois devido ao baixissimo nível educacional que o Brasil dá aos mais pobres, pro povão tanto faz que se censurem músicas, peças, livros . Só daria alguma repercussão se proibissem a bíblia e o carnaval. E só. Por isso, se o governo do Boçal , por milagre ( já que a equipe econômica é claramente pra favorecer o capital e nada pro trabalho ), começar a gerar empregos em escala geométrica, aí esse idiota vai passar o que bem entender no congresso e o Brasil correrá risco de perder as poucas conquisas civilizatórias que obteve até hoje. 

  2. Nao vao ocorrer nos espaços ditos nobres

    Porque os verdadeiramente nobres tem dinheiro para pagar segurança privada e condominios fechados de luxo

    Nao estou falando dos que se acham elite e que vivem de salario publico em apartamentos, estou falando dos ricos de verdade!

  3. “As Noites de São Bartolomeu,

    “As Noites de São Bartolomeu, que eram comuns nas favelas e mocambos, começarão a ocorrer nos bairros de classe média e de classe alta. A expansão da barbárie por todo espaço geográfico é um resultado indesejado e previsível do fato de todos nós termos tolerado a barbarização dos bairros pobres inclusive durante o período democrático.”

    Perfeito, caro Fábio! Só sabe da eternidade real e prática da Noite de São Bartolomeu quem está na rua.

    Outro dia eu estava falando que nem o pessoal da academia se safa dessa perseguição – na verdade é dos primeiros, nessa expansão persecutória de agora, a serem massacrados -, o que os coloca exatamente na posição de “povo”, e a turma reclamou, fez muxoxo:

    “Bah, somos ‘povo’, sim, mas somos um povo diferenciado, esclarecido!”, protestaram.

    Seria legal que a academia se visse como povo que realmente é. Descesse do pedestal, sacumé?

    Quanto ao seu texto, só discordo do “começarão a ocorrer”. Já estão ocorrendo, só não vê quem não quer.

  4. As informações contidas no

    As informações contidas no texto do Fábio expressam a realidade, sem reparos. A violência, cujo eixo central está na engrenagem econômica, tende a se expandir, em intensidade e geograficamente. Em torno do eixo, as castas do judiciário e das forças armadas lubrificam a engrenagem totalitária. Os juízes terão que descer alguns degraus até os porões.

  5. Muito bom!

    Fábio, confesso que jamais concordo com seus textos, mas sempre há uma primeira vez. Parabéns pela visão clara do passado e do presente do Brasil. O futuro, claro, é turvo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador