Estadão e a “dama do tráfico” no MJ: um falso escândalo que está indo longe demais

Duas reações às denúncias do Estadão, pedido de impeachment e investigação junto ao TCU são, no mínimo, incoerentes

Luciane Farias em passagem pela Câmara dos Deputados, que agora fala em impeachment de Flávio Dino por causa de visitas da mulher ao Ministério da Justiça. Foto: reprodução/redes sociais
Luciane Farias em passagem pela Câmara dos Deputados, que agora fala em impeachment de Flávio Dino por causa de visitas da mulher ao Ministério da Justiça. Foto: reprodução/redes sociais

De tempos em tempos, a imprensa brasileira produz falsos escândalos recheados de sensacionalismo e assassinatos de reputação que posteriormente adentram as salas de aula das faculdades de Comunicação como lição e advertência. É possível que estejamos assistindo em tempo real a mais um caso que vai entrar para os anais do jornalismo.

Desde segunda (13), setores da grande mídia, puxados por reportagens do Estadão, batem no ministro Flávio Dino e seus assessores no Ministério da Justiça com a história de que uma “integrante de facção criminosa”, a “dama do tráfico” do Amazonas, “mulher de líder do Comando Vermelho” esteve em duas agendas na Pasta neste ano, sem que o MJ tivesse competência para barrar sua entrada.

Setores da grande mídia e da ultradireita insinuaram de tudo a partir do material do Estadão: que a entrada da mulher seria uma falha na inteligência do Ministério; que os assessores de Dino colocaram outros servidores em risco; que o episódio prova que o próprio Dino é uma encrenca para Lula; que o governo Lula estende tapete vermelho para aliados de traficantes.

O escarcéu – forjado na arte de omitir aquilo que enfraquece a pauta, e destacar o que escandaliza a opinião pública – parece estar indo longe demais.

Agora, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu uma investigação sobre as duas visitas ao Ministério da Justiça, alegando atentado “à moralidade administrativa” e “eventual desvio de finalidade no uso das dependências do Ministério”. O que até então seria apenas um constrangimento para o governo federal, agora será enquadrado como crime.

O subprocurador Lucas Furtado, autor do pedido, afirmou que cabe “ao órgão público selecionar interlocutores que respeitem a moralidade pública exigida das instituições oficiais”.

Se for o caso, aqui está um fato: conforme demonstrado pelo GGN nesta matéria aqui, a mesma “dama do tráfico” – Luciane Barbosa de Farias, presidente do Instituto para a Liberdade do Amazonas – foi recebida recentemente pelo governo do Amazonas. O MP de Contas também pedirá apuração sobre isso, ou ficará restrito ao MJ?

Em paralelo, até o final da tarde de terça (14), 45 deputados federais coletaram assinaturas para pedir o impeachment de Flávio Dino. Na redação de O Globo: “Os deputados afirmam que a visita de pessoas associadas ao crime e ao tráfico em um órgão do governo federal é inadmissível.”

Outro fato: Luciane Farias esteve recentemente na própria Câmara dos Deputados. Em suas redes sociais, ela compartilhou fotos de suas visitas a várias instituições. Numa delas, Luciane posa em frente, inclusive, à sede do Conselho Nacional de Justiça. Será o caso de pedir a cabeça do presidente da Câmara, Arthur Lira, e – caso tenha ela entrado no CNJ – do ministro Luís Roberto Barroso?

Por trás de todo essa celeuma, existe um ataque frontal à advocacia criminal e aos familiares de presos. Questão civilizatória: todo criminoso, seja ele quem for, tem direito à defesa. Mães, irmãs, filhas, familiares de presos, têm direito de lutar por garantias fundamentais dentro dos presídios – comida, remédios, o mínimo de dignidade humana.

Luciane, absolvida em primeira instância e condenada em segunda por associação ao tráfico (ela recorre em liberdade), tem direito à presunção de inocência até o trânsito em julgado, conforme disse em entrevista ao GGN a advogada Janira Rocha – dirigente da Anacrim-RJ e ex-deputada do PSOL – que é a verdadeira autora dos pedidos de reuniões no Ministério da Justiça. Reuniões que não foram secretas, muito menos com proposição de pautas ilícitas.

A própria Janira – que também tem sido alvo da artilharia do Estadão – tem direito a exercer sua advocacia, seu ativismo, valendo-se ainda da presunção de inocência. Ao contrário disso, Janira passou dias sendo retratada como “condenada por rachadinha”, até que Folha de S. Paulo revelou revelou que o processo prescreveu na Justiça e na comissão de ética do PSOL, foi arquivado por não ter nenhuma prova de enriquecimento pessoal ilícito.

O Estadão e outros veículos de imprensa têm o direito de fazer matérias com base em informações obtidas junto à Polícia Civil do Amazonas, autora de inquérito que aparentemente não evoluiu para denúncia. Só precisamos lembrar que da última vez que a imprensa se pautou pela opinião de policiais, procuradores e juízes, atropelando direitos e garantias, o País mergulhou de cabeça num período sombrio.

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